Um encontro sobre a visibilidade das mulheres na fotografia e no mundo da moda


Estive no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, no último dia 15 de junho para participar de algumas ações realizadas pelo Olhares Delas, um coletivo criado com objetivo de dar voz e enaltecer mulheres na fotografia.

O evento foi gratuito e proporcionou palestras, talks, pocket shows e feirinha de marcas com produtoras locais, dando força para unir, apresentar e incentivar mulheres artistas.

Os assuntos foram sobre visibilidade das mulheres na fotografia, machismo, assédio, processos de criação, local de fala e a importância da representatividade da mulher real.



Apesar de não ser fotógrafa, senti que deveria estar lá. Era uma chance de ouvir mulheres, que assim como eu e você, lutam todos os dias para conquistar um espaço que ainda é dominado por homens.

Destaco abaixo os momentos que mais me chamaram a atenção durantes as palestras e debates.




O Olhares Delas é um projeto e coletivo criado em 2017 pela fotógrafa e cineasta Isadora Tricerri, para dar voz às mulheres artistas com foco em fotografia, já que este meio é ainda muito machista.

Atualmente no Brasil são poucas as fotógrafas reconhecidas; marginalizadas frente ao esquema de divulgação dos homens entre si.

O projeto começou com o Instagram @olharesdelas, onde é feita uma curadoria toda semana dos trabalhos de fotógrafas para serem enaltecidas e divulgadas através da tag #olharesdelas. 

Esse coletivo organiza encontros mensais para criação de projetos autorais, troca de conhecimentos e visa unir as mulheres cada vez mais.


Carolina Pedrosa, que é professora e fotógrafa há 20 anos, levantou assuntos como assédio no mercado fotográfico, mas não apenas o assédio sexual.

O abuso por parte de colegas da área, que muitas vezes desmerecem o trabalho das fotógrafas e as tratam como profissionais menos qualificadas apenas por serem mulheres, também foi pautado.

Isso tudo é algo que muitas de nós sentimos em qualquer área profissional.

Fotógrafa Carolina Pedrosa



A nossa luta para provar o tempo todo que somos tão profissionais quanto os homens é árdua e diária. Por isso, Carolina ressaltou a importância da união entre as mulheres e a necessidade de dividirmos experiências e contarmos nossas histórias para que a gente perceba que não estamos sozinhas.

Como ela mesma disse, “nós somos fruto da nossa história”.

Carolina também comentou sobre mulheres que foram simplesmente esquecidas e ignoradas no mundo da fotografia.
Um dos exemplos foi o de Anna Atkins, que publicou em 1843 o que seria considerado o primeiro livro de fotografia do mundo. O seu trabalho foi feito através de pesquisas sobre plantas, mas ninguém fala sobre isso.

Outro caso interessante é o de Julia Margaret Cameron, que, 1963, aos 48 anos, ganhou uma câmera da filha para se distrair e acabou tornando-se uma fotógrafa autodidata.

Cameron era muito criticada pelo foco que utilizava nas fotos.

Certa vez, um jornal publicou uma crítica dura a respeito de seu trabalho, fazendo questão de destacar sua obra como sendo de uma “Senhora”. A resposta da artista foi: “O que é foco e quem tem o direito de dizer o que é o foco legítimo?”.

Atualmente, Julia Margaret Cameron é muito respeitada no estudo da fotografia.


Paulina, que também é fotógrafa e retrata corpos diversos, se manifestou de forma muito empática e inspiradora durante o evento.

A fotógrafa disse que não via no mercado profissionais se interessando por fotografar corpos fora do padrão de beleza que é imposto em nossa sociedade.

Segundo ela, durante os projetos, eram sempre as mesmas medidas e o mesmo perfil, fazendo com que as pessoas não se reconhecessem no mundo da fotografia ou não se achassem dignas de serem fotografadas.

Sendo assim, Paulina decidiu que ela mesma faria este caminho e olharia àquelas pessoas que eram negligenciadas, sempre se questionando o que era a beleza, a feminilidade e que a única certeza possível era a de que um único padrão não poderia existir.

A profissional também afirmou achar importante fotografar em coletivo, pois é sabido que muitas mulheres se sentem sozinhas.

Sobre o processo de criação, Paulina explicou que não há uma receita. O mais importante é conversar com a pessoa.

“Como seria possível retratar alguém sem saber quem é esta pessoa? Eu abracei minha solidão. Eu me ouvi, peguei tudo que eu queria que dissessem e falei para mim mesma. Peguei tudo que eu precisava ver no mundo, e eu mesma criei.”

E o recado que Paulina deixou para o mundo da fotografia a respeito de corpos gordos merece destaque:

“Existe um mito que pessoas gordas não gostam de ser fotografadas e não gostam de ser expostas. Eu acho que não tirei ninguém do barro aqui. Essas pessoas existem e elas querem ser fotografadas.”


Já Isabella, que trabalhou como modelo, chegou questionando se a plateia acreditava na possibilidade de ser modelo e feminista, dividindo conosco como a futilidade do mundo da moda pode ser prejudicial tanto para a sociedade quanto para quem vive disso.

“Ninguém estava interessado em saber quem eu era, ninguém queria saber da minha história”, desabafou.



Em um dos momentos mais difíceis de sua vida, sofrendo com bulimia, transtornos de estresse pós-traumático, síndrome do pânico e depressão, o corpo de Isabella estava pronto para modelar, e era apenas isso que interessava.

A profissional ainda lembrou da morte de Tales Cotta, modelo que sofreu um mal súbito durante um desfile na São Paulo Fashion Week, e como o mercado foi desumano diante daquela tragédia.

E ainda sobre a ‘industria da moda’, Isabella colocou em pauta a questão de como esse ‘meio’ é representado como símbolo de opressão às mulheres de todo o mundo, onde as mesmas são vistas apenas como cabides, sendo substituídas por influenciadores que têm a liberdade de manifestar seus pensamentos críticos e assumir posicionamentos políticos e sociais (o que no mundo da moda ainda é um tabu).

“Fiz um trabalho muito legal para uma marca, o cliente não me perguntou medidas, me tratou super bem, fui alimentada, fui cuidada. A equipe foi majoritariamente feminina. E o mais importante: ao meu lado estava o Malcolm, um rapper e militante, mas em nenhum momento nos trataram como totem. A gente só tava lá, não se apropriaram dos nossos discursos. Eu acho que o mercado deveria trabalhar com pessoas com existências importantes, além do que elas são por fora, não necessariamente trabalhar apenas pensando em corpos padrões. Eu acho que nesse momento é impossível ser modelo e feminista, e é por isso que eu não trabalho mais neste mercado.”

Um encontro sobre a visibilidade das mulheres na fotografia e no mundo da moda

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