Teko Porã: a banda que canta em Guarani e leva a cultura indígena através da música


Ainda me lembro do momento da minha primeira paixão por uma voz feminina. O nome dela é Marisa Monte. Desde então, perdi as contas de quantas mulheres incríveis existem no mundo da música. Se eu dissesse aqui seria uma lista interminável. Por isso, neste momento, trago agora dois nomes que merecem destaque: Bia Rezende e Kinda Assis.

As duas são integrantes da banda Teko Porã. Bia Rezende é a vocalista e Kinda Assis assume o violino. A banda ainda conta com mais três integrantes: Pablo Nomás, que é o fundador do grupo e toca violão, Caio Gregory no bandolim e Israel Marinho no violoncelo.



O Teko Porã percorre seu caminho desde 2012, fazendo valer o nome de batismo, que vem do guarani e significa belo caminho ou bem viver.

Como músicos de rua, eles vêm semeando por aí um pouco do que acreditam. A banda assume seu papel de resistência artística como músicos nômades.

O 1º álbum da Teko Porã foi lançado em 22 de janeiro de 2019 sob o nome de Anamaguaçu, que vem do Tupi antigo e quer dizer Família Grande, algo muito bonito se pensarmos que seu lançamento tornou-se possível graças a campanha de financiamento coletivo criada em 06 de novembro de 2017.

A banda faz algumas composições em guarani, o que, além de valorizar a nossa cultura e o povo indígena, também mostra que ainda é possível inovar mantendo o respeito por nossas raízes.

No momento em que vivemos, percebemos que há um grande desrespeito pela história e pela vida dos índios. Por isso, ter uma banda que se preocupa em valorizar esse povo é mais do que necessário.



O Teko Porã tem marcado presença em eventos como o Circuito Cultural ViaQuatro, TEDxSão Paulo e o Festival NIG&CifraClub – onde eles ganharam o prêmio de melhor banda pelo voto popular, além de uma aparição de destaque na série Buscando Buskers.



Abaixo confira a entrevista que a Hedflow fez com os integrantes da banda. Nossa colaboradora, Dani Melo, bateu um papo com eles sobre a realidade vivida hoje no país, e claro, sobre música!


Dani/Hedflow: A Bia e a Kinda são dois destaques da banda por transmitirem uma imagem de empoderamento feminino, e o fato de se tratarem de duas mulheres negras só reforça a importância do papel delas no cenário musical, que ainda é um cenário de dominância masculina. Antes da chegada da Kinda Assis, a banda contava com a Maria Fernanda, que foi integrante também. O Teko Porã sempre terá espaço para mulheres?

Pablo Nomás/Teko Porã: O Teko Porà sempre teve mulheres na banda, foram cinco no total. A Marilia Calderón, que foi nossa primeira vocalista e cantou com a gente 3 anos, teve a Maria Fernanda que você falou e ficou 2 anos na banda, e a Lia, uma francesa que tocou violino também nos primórdios. E assim, nenhuma delas foi escolhida a dedo, tipo, olha precisamos de uma mulher. Elas chegaram naturalmente assim como todos os integrantes da banda. Foi sempre um fluxo bem natural e espontâneo, mas é legal que elas estejam ali e neste papel de frente, né? A Bia cantando, como a Kinda que é nossa guitarrista solo, figura centrais no palco que realmente brilham muito. E a gente fica muito feliz com isso de simbolicamente ali elas estarem representando essa ascensão do poder feminino, do movimento feminista que só cresce, e que parecem que estão bem no espírito da época.

Kinda Assis



Dani/Hedflow: Bia, você tem um currículo interessante. Você veio de um grupo de rap, e o rap é a voz da periferia. Como esse conhecimento influencia no Teko Porã?

Bia Rezende/Teko Porã: Eu acho que a influência do rap na banda é na atitude. O rap e o hip-hop nasceram para dar voz, para empoderar aquelas pessoas que são marginalizadas, que são deixadas de lado por uma sociedade e o Rap, ele expôs muito isso, ele deixou de frente, ele mostra aquela realidade que algumas pessoas talvez nem imaginavam que era como era. O rap colocou essas pessoas que são consideradas marginais em um lugar de destaque, de empoderamento. E elas merecem estar num lugar principal. E eu acho que o Teko Porã carrega isso, a atitude de empoderar, através da arte, de resistir e de ocupar os lugares como as praças, os metrôs e as ruas, colocando essa cultura em um lugar de destaque, e não em uma posição marginal.

Dani/Hedflow: Quando falamos de diversidade no Teko Porã, estamos falando de mulheres negras em papéis importantes e falamos também da cultura indígena, que além de dar nome a banda, também é tema das músicas. Você poderia comentar a importância de falarmos sobre o povo indígena às pessoas que vivem nas cidades grandes?

Pablo Nomás/Teko Porã: Sobre essa questão indígena, mais do que falar para as pessoas da cultura, é tentar transmitir a mensagem que nós também temos muito de indígena em nós e tentar botar isso para fora com orgulho. Ser indígena na América, em qualquer país, durante séculos, foi motivo de vergonha, motivo de ser morto e escravizado. Então ficou essa vergonha de se dizer indígena, de se reconhecer indígena, como se isso fosse vergonhoso, porque forçava-se que isso fosse assim. Uma das brisas nossas é a de tentar dizer: Nós também somos indígenas, a gente tem genética, tem ancestralidade, tem uma espiritualidade, tem uma admiração, tem uma porrada de coisa que a gente se orgulha e tenta colocar para fora em música, em letra. É um pequeno esforço nesse sentido.



O movimento negro já tem décadas de trabalho nessa questão do orgulho de ser negro, de valorizar, de resgatar a cultura. O indígena é um pouco diferente. Fora os índios que estão em tribos, que estão meio que num mundo muito próprio deles no Brasil, praticamente não existem esses movimentos de se reconhecer indígena com orgulho. E para nós é um pouco disso, de trabalhar essas questões, de resgatar a cultura e ecoar o que eles estão dizendo, o que eles estão vivenciando. Ainda tem muito índio sendo morto. Ao mesmo tempo, também, essa não é nossa única bandeira. Tá tudo embutido: o índio, o negro, o cigano, o excluído, o artista de rua… Tá tudo nesse caldeirão do Teko Porã.

A galera gosta de saber qual é o ancestral europeu que teve na família, mas nunca pensa de qual tribo indígena ela pode ter vindo também, porque veio. Nosso trabalho de resgate com certeza vai tocar algumas pessoas, cantando em Guarani e levando uma mensagem da cultura Guarani para que essas pessoas possam sentir orgulho, ou para que, pelo menos, fiquem de boa com isso. E pro brasileiro em geral, a cultura indígena é quase como uma coisa estrangeira dentro da própria terra, sendo que quem tava aqui desde sempre, né? É um desconhecimento quase total da cultura, da cosmogonia, da espiritualidade, não só dos índios brasileiros, mas como dos índios em geral, e a gente teve aqui na América grandes civilizações: os Maias, os Astecas e os Incas. Esses grupos maiores, que fizeram pirâmides, eram grandes astrônomos. Tem um mistério, ninguém sabe muito bem o que aconteceu e é uma ‘puta’ riqueza a ser resgatada e que, inclusive, está em nós.

Dani/Hedflow: A letra de Lamento dos Degolados, composta por Caio Gregory, diz:
Maldito seja o ferro em brasa / Santo minério convertido em grilhão
Em cela e alçapão / Miséria e solidão, ó Deus
Que não se esqueça, e não mais se aconteça o horror / Liberdade
Enforcada, escravizada, torturada, estuprada pela mão que beija a cruz / Ó luz do céu, brilhai em nós

Vocês estão falando da vida dos negros e dos índios aqui no Brasil, tanto na época da escravidão quanto na época da colonização. Nossa história vem sendo deturpada e tratada com descaso. O Teko Porã tem a missão de usar a música para contar novamente as histórias como de fato aconteceram e evitar que elas se repitam?

Pablo Nomás/Teko Porã: Não sei se é uma missão, mas é uma pequena contribuição para a gente dar ‘nome aos bois’, porque quem conta a história conta do seu jeito. Então, quando a gente chama de colonização o que aconteceu, fica muito leve. A gente tem a ideia de que pessoas vieram bem de ‘boinhas’ e pegaram um pedacinho de terra, plantaram e fizeram cidades, quando na verdade a história deveria ser contada como ela realmente aconteceu. Chegaram aqui os bárbaros, saqueadores, mercenários… Quem primeiro botou o pé aqui era pura escória pela coroa europeia para dizimar o povo que aqui vivia e aí sim construir a sua civilização. E ainda trouxeram negros para trabalhar como escravos.

Quando a gente pega um livro sobre história, tem um monte de eufemismo para amenizar o que de fato aconteceu, porque o que aconteceu foi muito pesado. Ninguém associa que os países europeus são o que são porque saquearam, não só a América, como o mundo inteiro, incluindo a Ásia e a África. Tem que colocar os ‘pingos nos is’, mas quem somos nós na fila do pão para fazer isso, né? Mas a gente dá a nossa contribuição! Alguns podem ficar um pouco chocados e achar pesado, mas a gente não tem que achar pesado a história que se conta, tem que ver o peso de quem protagonizou essa história, de quem de fato, de arma na mão, construiu tudo isso e depois floreou com termos como colonização. A história não é bonita.

Dani /Hedflow: Caio, sendo a composição de ‘Degolados’ feita por você, gostaria que contasse-nos um pouco sobre a relevância da história na hora de compor uma música.

Caio Gregory/Teko Porã: A letra de ‘Degolados’ fala sobre um processo histórico extremamente violento e degradante no qual indivíduos escravizados, tanto de origem indígena, quanto de origem africana, foram submetidos. Falar um pouco sobre essa questão histórica é importante para gente porque a gente acredita que os processos históricos tem muito a ver com o que nós vivemos no presente. Relatar sobre o passado é também dizer sobre o presente e sobre as consequência que estão rolando até hoje, seja o racismo institucional e social, que atinge a quase toda população negra do Brasil, e também sobre as condições deploráveis em que vivem os povos indígenas, sendo assassinados, perseguidos pelo agronegócio, confinados a terras improdutivas ou muito pequenas, onde eles não podem viver de forma tradicional. Tudo isso envolve consequências nesse processo histórico nefasto. E como diz a letra de ‘Degolados’, “que não se esqueça e que não mais se aconteça o horror”, a música tem a ver com saber, conhecer a nossa história, saber de onde viemos, de como se formou toda essa realidade que nós vivemos hoje para que entendendo melhor, a gente possa se empoderar de conhecimento para poder fazer diferente, e não repetir os erros do passado. Por isso, essa bandeira de conhecer a própria história é uma bandeira que defendemos no Teko Porã.

Dani/Hedflow: Seguindo nessa linha, fale mais sobre a importância da história ser contada com base na verdade.

Pablo Nomás/Teko Porã: Tem um autor muito legal, que é Eduardo Galeano, que eu gosto muito. Nosso trabalho tem muito a ver com o trabalho dele de resgatar essa história de uma maneira mais verossímil. 

Nesse esse trabalho de pessoas que contam a história a seu gosto, você vê aí grandes assassinos, ditadores sendo homenageados com estátuas, com monumentos, nome de avenidas, praças, mas quando você vai ver quem foi Bartolomeu Mitre, ou quem foram os Bandeirantes, você começa a ver quem essas pessoas que são homenageadas e exaltadas, e que são mentidas nos livros de história, não passam de assassinos, gente da pior espécie que veio aqui para matar índios, escravizar negros, barbarizar a nossa terra, e hoje são bustos, estátuas, monumentos pelo Brasil à fora. Nos parece um absurdo, mas nosso mundo é um absurdo.

Dani/Hedflow: Conjurar estilos musicais diferentes, como música clássica, MPB e música africana é uma marca do Teko Porã. Quando você decidiu montar a banda, isso já estava nos planos ou surgiu organicamente com a chegada de novos integrantes?

Pablo Nomás/Teko Porã: Isso não estava nos planos do Teko Porã. Sempre foi uma banda muito orgânica em todos os sentidos, tanto nos integrantes que vinham tocar, quanto nessa questão de estilo. Sempre foi muito livre para criar de acordo com a bagagem musical e cultural de cada um.  A nossa preocupação é realmente a de fazer as coisas do jeito mais natural possível para nossa personalidade fluir mais. A gente pensava em pegar o que cada um tinha para oferecer de melhor. O Caio, por exemplo, que vem do cenário da música tradicional irlandesa, trouxe um pouco desse toque no bandolim, nas composições dele meio medievais irlandesas e tal…  A Kinda e o Israel, que vêm do mundo clássico, se junta com a música popular e meio cigana que eu faço… Então a gente realmente nunca pensou nisso, nunca foi um plano. A gente tenta achar um som nosso, único.

Dani/Hedflow: Pablo, você como fundador da banda, escolheu o nome Teko Porã, que significa bem viver. O álbum lançado agora em 2019 foi chamado de Anamaguaçu, que significa família grande. Existe um propósito de valorizar a cultura indígena e de disseminar a filosofia de uma convivência pacífica, respeitando as diferenças. Você acha que ainda possível resgatar este espírito nos brasileiros através da música?



Pablo Nomás/Teko Porã: O que a gente faz é bem natural. É uma coisa que a gente acredita e gosta e tenta expressar isso para que isso ressoe com outros que também gostam, ou com outros que passem a pensar nisso. Essa parada de resgatar esse espírito de convivência pacífica, respeitando diferenças nos brasileiros, depois de Steve Bannon e das últimas eleições, e da lavagem cerebral que foi feita no nosso povo, tá um pouco difícil.  Mas o que a gente pode fazer é ser um contraponto nessa maré de intolerância, de preconceito, de um monte de coisa horrorosa que foi plantada na cabeça do povo e acabou ecoando o que muito brasileiro tinha dentro de si também, mas é que foi feito um trabalho bem pensado desse Steve Bannon, isso é uma parada muito séria, que dá para uma outra conversa, sabe? Como chegamos nesse ponto que estamos agora? Mas o nosso negócio é ser um contraponto mesmo. O índio é lindo, o negro é lindo, nós temos uma cultura maravilhosa e nós temos muito orgulho de pertencer a esses povos e ‘tamo aí’ cantando o que a gente acredita.

Dani/Hedflow: Vocês poderiam me contar um pouco sobre quem são os músicos que os inspiram?

Caio Gregory/Teko Porã: Música tradicional irlandesa, Planxty, uma banda irlandesa, música medieval.

Pablo Nomás/TekoPorã: Jimi Page, luhli & Lucina, Django Reinhardt, música clássica,  Bach, Paganini, Beethoven.

Bia Rezende/Teko Porã: Hip-hop, samba, Beyoncé.

Dani/Heflow: E vocês tem a Casa Barco também. E pelo que eu entendi, ela também serve como um centro cultural que recebe outros músicos, sendo assim, vocês devem conhecer muita gente boa que tá fora do mainstream. Você poderia indicar alguns nomes para a gente conhecer também?

Pablo Nomás/Teko Porã: Picanha de Chernobill, Mustache & os Apaches, Marília Calderón, Lucas Cyrne e Carolina Zingler.


Confira a agenda de shows do Teko Porã para o mês de agosto:

02/08 FENAC São Tomé das Letras
03/08 abertura do show do Ira! Teatro Eva Wilma – São Paulo
04/08 Festival Catarse – São Paulo
05/08 Ombra Bar – Rua lisboa – São Paulo


Texto por Dani Melo Fotos: Alex Oliveira / Cyndi Omoto @instadojimmy @lorezende @joanammacedo

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