A paz de Gilberto Gil e Adriana Calcanhoto invade o Coliseu de Lisboa

Noite chuvosa em um dia maravilhoso para aquecer os corações ao som de um dos “guias”de Mateus Aleluia – outro mestre da música afro-brasileira, que, dias atrás, disse-me que (Gilberto) Gil era o seu guru.

Ao lado de fora uma grande fila se formava e as confusões a respeito dos comprovativos de vacinação da Covid-19 causaram alguns tumultos. Muitos brasileiros estavam com dificuldades para entrar no Coliseu dos Recreios devido às exigências quanto aos certificados. Os seguranças são orientados a aceitarem apenas os validados dentro da União Europeia.

“Paguei 250 euros para assistir este concerto e não acredito que serei impedida mesmo com as duas doses da vacina. Ninguém avisou que seria necessário teste PCR e que o nosso certificado não seria aceito”, lamentou a atriz brasileira Denise Fraga.

Com bilhetes esgotados há dias, a estreia dessa pequena turnê por Portugal, com a participação da cantora Adriana Calcanhoto, teve tons de esperança.

Gilberto Gil no Coliseu dos Recreios – Foto: Stefani Costa



Próximo das 22H, Gilberto Gil subiu ao palco com parte de sua família para agradecer a oportunidade de voltar a cantar em público.

Acompanhado pelo baterista Marcelo Costa, o músico também teve o privilégio de tocar com os filhos Bem Gil (guitarra) e José Gil (percussão), além dos netos João Gil (guitarra) e Flor (voz e teclados), que aos 13 anos já é dona de uma voz doce e uma presença de palco encantadora.

Com os clássicos ‘Expresso 2222’ e ‘Viramundo’, o músico iniciou os trabalhos recebendo uma vibração intensa do público. Nos momentos de pausa, os gritos de “Fora Bolsonaro” ecoavam pelo salão enquanto Gil, em plena forma aos seus 79 anos de idade, contava histórias e ria de si mesmo.

Destaque para a versão de ‘Volare’, e, mais a frente, ‘Say a Little Prayer’ ao lado da ‘pequena gigante’ Flor Gil, que já preparava o ‘terreno’ para receber Adriana Calcanhoto: a gaúcha mais portuguesa que a gente conhece.

E então, com Adriana, veio ‘A Paz’; canção que invadiu os nossos corações repentinamente e encheu-nos de paz… Como se o vento de um tufão nos arrancasse do chão.

Antes de ‘Elogio’, composta pela musicista no dia em que conheceu o mestre, Calcanhoto desabafou: “Tive medo de não voltar a dizer isso: boa noite, Lisboa!”. Encerrando, a seguir, o ‘momento duo’ com ‘Esquadros’.

Gil também fez questão de contar-nos a história de quando escreveu ‘Touché pas a mon pote’, canção em francês composta em 1985 para um evento da SOS Racismo, em Paris. “Fui ousado e escrevi em francês”, arrancando risos e aplausos da plateia. Em outro momento, afirmou com bom humor: “Sou cheio de me meter nas línguas dos outros!”.

‘Sarará Miolo’ (“Sara, sara, sara cura/ Dessa doença de branco/ De querer cabelo liso /Já tendo cabelo louro/ Cabelo duro é preciso/ Que é para ser você, crioulo”) veio seguida por ‘Back to Bahia’, que narra o retorno de Gil e Caetano Veloso após 3 anos de exílio impostos pela Ditadura Militar de 64 no Brasil. “Eram tempos difíceis”, lamentou. E das cadeiras se podia ouvir muitas pessoas gritando a plenos pulmões: “Agora também é! Bolsonaro Genocida!”.

A sequência emocionante de ‘No norte da Saudade’, ‘Andar com fé’, ‘Aquela Abraço’, ‘Stir it Up’ (cover de Bob Marley) e ‘Tempo Rei’ (Não me iludo / Tudo permanecerá do jeito que tem sido / Transcorrendo, transformando / Tempo e espaço navegando todos os sentidos”) arrancaram ‘tímidas lágrimas’ de alguns presentes.



Gil, vestido de rosa claro dos pés à cabeça, levantou-se cheio de energia para sambar no compasso de ‘Aquele Abraço’, contagiando de vez toda a gente… E mostrando que a saúde está em dia!

No encore final, Adriana Calcanhoto e todos os presentes da equipe designada a esta digressão (que inclui as crianças da família) tomou conta do palco para concluir uma noite de pura magia. Proporcionando, assim, muita alegria frente a um momento de resiliência a toda a humanidade.

‘Fico Assim sem Você’, ‘Madalena’ e ‘Toda Menina Baiana’ fizeram o Coliseu de Lisboa tremer enquanto as pessoas bailavam, revelando ‘sorrisos’ nos olhares daqueles que acreditam ser possível, ainda, fazer da Terra um lugar mais feliz.


Texto por Fernando Araújo
Fotos por Stefani Costa


A paz de Gilberto Gil e Adriana Calcanhoto invade o Coliseu de Lisboa

Por
- Latino-americana, imigrante e jornalista. Twitter: @sttefanicosta