FESTin: “O cinema brasileiro é de resiliência e resistência”

A 12ª edição do FESTin (Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa) arrancou nesta semana no Cine São Jorge e irá até o dia 21 com exibições no Cine City Alvalade. O evento conta também com a plataforma online festinon.com, que exibirá gratuitamente até o dia 24 de novembro: longas de ficção, documentários, curtas e uma Mostra de Cinema Brasileiro, além da Mostra FESTinha para os mais pequenos.

Dos 51 filmes de diversos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), seis longas de ficção com exibições inéditas se destacam e concorrem ao Troféu Pessoa. Uma dessas obras é ‘O Curral’, do realizador brasileiro Marcelo Brennand. O longa aborda o mecanismo do sistema eleitoral nas pequenas cidades brasileiras, onde a troca de votos por serviços básicos, como o fornecimento de água, acaba se tornando algo comum.

A minha inspiração teve origem em um documentário que fiz em 2008 (‘Porta a Porta’) sobre campanhas eleitorais em cidades do interior, mais precisamente no município de Gravatá (Pernambuco), mesma cidade em que rodamos ‘O Curral’. O próprio título nos leva à prática política decorrente no Brasil desde a época da República Velha, ou seja, como se fosse uma peça secular que vai se repetindo até hoje. Apesar de eu estar falando dessa política recorrente, infelizmente o filme condiz com a realidade que vivemos hoje.”, explica o diretor.

Além da questão eleitoral, Marcelo ainda destaca a própria relação do homem com a natureza e os impactos provocados no meio ambiente. “A água é o elemento dramático no filme, que permeia toda a história e representa o aspecto psicológico do personagem (Chico Caixa). Essa água não é só utilizada como moeda de troca, mas também simboliza a nossa relação com a natureza. A maneira que a gente quer controlar a água é o jeito como queremos controlar a natureza.”, afirma Brennand.

O racismo e o machismo são outros dois temas presentes na trama. “Existe uma relação de machismo no momento em que o personagem principal quer ir de encontro com a estrutura do sistema político através de uma personagem feminina, a Clébia, muito bem construída no filme”, explicou o realizador.



Outro longa que participa da mostra, abordando conflitos sociais também, é ‘O Buscador’, do diretor Bernardo Barreto. O filme apresenta a história de uma jovem (Isabela), filha de um político poderoso. Ao longo do enredo ela se apaixona por um rapaz (Giovani) fundador de uma comunidade que prega a sustentabilidade e o amor livre. A obra rodou diversos festivais na Europa e no Brasil, com estreia no festival de Tallinn, na Estônia, onde foi premiado na categoria de ‘Melhor Filme de Diretor Estreante’.

“Lisboa é uma cidade muito importante para o meu filme. Apesar de ter sido gravado no Brasil, nós fizemos uma co-produção com uma empresa portuguesa que ajudou muito para que eu pudesse me re-conectar com o filme, pois tive que fazer muitas adaptações no roteiro por conta do baixo orçamento”, revela Bernardo.

O diretor explicou ainda que rodou o filme em apenas dois dias. “Ele nasceu aqui em Portugal, já que toda a pós-produção foi aqui. Por isso, nada mais incrível do que fechar o ciclo dele aqui”.

Portugal vai se tornar um refúgio para os cineastas brasileiros?

Cine São Jorge, em Lisboa. Foto por Victor Souza



Em um momento onde os profissionais do audiovisual brasileiro sofrem com a falta de investimentos e com a desvalorização do cinema nacional por parte do atual governo, Marcelo Brennand lembra que ser cineasta no Brasil é um grande desafio desde sempre.

O cinema brasileiro é um cinema de resiliência e resistência. Nós passamos pela Ditadura Militar durante 24 anos e sofremos com o fechamento da principal produtora de cinema do governo na época (Embrafilme). Na década de 90 praticamente não foi possível produzir. Hoje, nós temos um governo que promove uma censura financeira na área audiovisual. Está sendo muito complicado porque, na realidade, é um desgoverno, né? Tudo muito obscuro. Não existem mais recursos… Não se consegue nem mais aprovar um projeto pela Ancine (Agência Nacional do Cinema).”, desabafa.

Questionado sobre Portugal acabar se tornando um refúgio aos cineastas brasileiros, Marcelo brinca: “Com certeza! (risos). Até eu já estou pensando em vir pra cá, porque no Brasil o governo disseminou um certo ódio na sociedade, né? E está muito difícil porque não é um problema só do governo, é da sociedade também. Criou-se uma certa discriminação para a classe artística. Se você pegar ‘O Curral’, por exemplo, verá que conseguimos oferecer 500 empregos diretos e indiretos, gerando renda à cidade e à área audiovisual.”, finaliza.


Foto em destaque (Marcelo Brennand) por Victor Souza


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