Deafheaven quebra paradigmas do metal e entrega show intenso em São Paulo

Com show marcado por roupas despojadas, efeitos psicodélicos coloridos e performance visceral do vocalista George Clark, grupo estadunidense realizou uma apresentação marcante e inovadora. A abertura ficou por conta da banda curitibana Terraplana, que destacou faixas de novo álbum lançado pela Balaclava Records.

É engraçado como certos grupos musicais são capazes de agradar públicos distintos.

Recordo que, na época da escola, independentemente da tribo urbana à qual um indivíduo pertencia, todos adoravam as canções do álbum Nada Como Um Dia Após o Outro Dia do grupo Racionais MC’s. De otakus a pagodeiros, todo mundo sabia de cor as letras de músicas como ‘A Vida É Um Desafio’, ‘Jesus Chorou’ e ‘Negro Drama’.

Também é curioso lembrar que muitos odiavam rock e falavam que esse tipo de música era “coisa de maluco”, mas, de alguma forma, acabavam abrindo uma exceção para as músicas ‘Duality’ e ‘Before I Forget‘, do Slipknot, presentes no álbum Slipknot Vol. 3: (The Subliminal Verses). Já os roqueiros criticavam a maioria dos grupos pop e boy bands, mas ainda assim piravam em certos hits do grupo The Black Eyed Peas, como ‘Pump It’, ‘Don’t Phunk With My Heart’ e ‘I Gotta Feeling‘.

Quando comecei a participar do cenário independente, percebi que havia certo “haterismo” por parte dos punks em relação ao heavy metal. Porém, até mesmo o fã mais ortodoxo dos três acordes concordava que o álbum Reign in Blood, do Slayer, era simplesmente destruidor. Da mesma forma, a galera do hardcore melódico “torcia a cara” para as bandas straight edge, e até rotulavam o som dos grupos que exploravam esse estilo como algo violento e até extremo demais. No entanto, muitos curtiam os álbuns Songs To Scream At The Sun, do Have Heart, e ‘Nothing to Prove‘, do H20.

Já no início da minha vida adulta, cai de cabeça no mundo do math rock, instrumental, shoegaze e outros gêneros alternativos. Embora parte das pessoas que conheci em shows desses estilos, na maioria das vezes, simplesmente odiassem metal e outros segmentos de música extrema, havia um álbum que era unanimidade em nossas conversas sobre música: Sunbather, da banda americana Deafheaven.

Combinando técnicas de blast beats e vocais rasgados, fortemente influenciados por bandas escandinavas como Mayhem e Darkthrone, com guitarras que utilizavam efeitos phaser e uma arte colorida que poderia ter sido criada pelo Tame Impala, este disco foi verdadeiramente revolucionário para a época.

O que mais impressionou neste trabalho era que, apesar da brutalidade e explosão de barulho que preenchiam as músicas desse disco, elas conseguiam transmitir um sentimento de alegria e positividade contagiante. Ouvir ‘Dream House’ pela primeira vez foi uma experiência mágica, e até os dias de hoje, essa canção me fornece um “rush” de energia inexplicável.

Infelizmente, perdi a primeira apresentação dos “headbangers hipsters” quando eles estrearam no Brasil em meados de 2016, durante a turnê do álbum New Bermuda. Porém, no último domingo (12), finalmente tive a sorte de assistir ao vivo, na Fabrique Club, uma das bandas que mais admiro e que está em uma fase muito mais shoegaze do que black metal, divulgando seu novo álbum Infinite Granite, lançado em agosto de 2021.

Neste recente trabalho, George Clarke abandonou quase que definitivamente seus vocais rasgados, enquanto o baterista Daniel Tracy adotou batidas mais suaves e compassadas em vez dos tradicionais blast beats explosivos – ou seja, a banda deixou para trás suas raízes extremas.

Embora não seja tão icônico e impactante quanto Sunbather, o disco ainda é extremamente agradável de se ouvir, tornando-o uma recomendação mais apropriada para fãs de Turnover, Foxing Citizen e Basement, do que para os seguidores de “hordas” como Emperor, Satyricon e Shining.

Ao entrar no clube, foi possível sacar que a expectativa era alta. Uma hora antes da banda de abertura subir ao palco, a casa de espetáculos já estava completamente lotada, e havia uma fila enorme até mesmo para conferir a barraca de merch. Sem dúvidas, foi a maior lotação que presenciei no espaço desde o retorno de apresentações ao vivo após a normalização da pandemia.

Neste primeiro momento, também foi interessante notar a variedade do público, que ia de “tr00″s com maquiagem pesada e camisetas do Amenra, fãs de Weezer e sujeitos “normies” com camisas polos.


A abertura ficou por conta da banda curitibana Terraplana, que iniciou o set pontualmente às 18h. O mais novo grupo do casting da Balaclava Records (selo “queridinho” do público indie rock, responsável por promover alguns dos nomes mais importantes do cenário independente brasileiro atual, como Terno Rei, E a terra nunca me pareceu tão distante e Gorduratrans,) aproveitou a oportunidade para apresentar em primeira mão as músicas do recém-lançado álbum Olhar pra Trás, incluindo ‘Conversas’, ‘Cais’, ‘Você’ e ‘Me esquecer’.

Infelizmente, a experiência geral do show foi prejudicada por um ruído de microfonia que persistiu até metade da apresentação, além do som relativamente desregulado, que chegou a incomodar a plateia em certos momentos. Além disso, a banda optou por pouca iluminação no cenário, o que dificultou a visualização dos integrantes no palco. Apesar desses problemas, acredito que a produtora acertou em colocá-los como abertura, já que o som do quarteto é alinhado com o último trabalho da atração principal.

Com um atraso de 18 minutos em relação ao horário oficial, os membros do Deafheaven subiram ao palco e iniciaram o show com o poderoso single ‘Black Brick‘, que é considerada uma das canções mais “diferentonas” do grupo por apresentar riffs cavalgados e fortes influências de thrash metal.

Ainda seguindo com músicas de sua fase mais extrema, a banda mandou ‘Sunbather’, faixa que leva o nome de seu primeiro álbum. Nesta ocasião, a performance de Daniel Tracy se sobressaiu, pois o baterista conseguiu enfeitar a música marcada por riffs powerchords repetitivos (e até mesmo um pouco incômodos, já que repousam sob poucas notas) com viradas estratégicas. Próximo ao encerramento da canção, os guitarristas avançaram até a borda do palco e entregaram um belíssimo solo dual guitar.

Fotos: Gustavo Diakov/Hedflow



Neste primeiro momento, o vocalista George, por sua vez, chamou atenção por sua performance furiosa e visceral, expressando-se com movimentos bruscos e expressões faciais macabras.

Foi também interessante notar a vestimenta dos membros da banda, que, com exceção de George e de Daniel, estavam trajados de forma mais despojada, ostentando camisetas coloridas, incluindo uma peita do Radiohead usada pelo guitarrista Kerry McCoy, o que, de certa forma, contrastava com as músicas brutais que estavam sendo executadas.

De fato, ao observar esses pequenos aspectos, era possível concluir que o Deafheaven veio ao mundo para desafiar os paradigmas da cultura heavy metal.

Fotos: Gustavo Diakov/Hedflow



“Agora, nós vamos apresentar algumas músicas do nosso novo álbum Infinite Granite. Aproveitem este momento para dançar”, disse George, assim introduzindo o bloco dedicado ao último lançamento da banda, que contou com as faixas ‘Shellstar’, ‘In Blur’ e ‘Great Mass of Color‘.

Foi impressionante observar a versatilidade e talento de George, que passou de berros rasgados e guturais para um vocal limpo e melódico (característico da fase mais shoegaze do grupo) de forma quase natural. Além disso, sua postura no palco também mudou, deixando os gestos explosivos de lado para danças sensuais com movimentos de quadril marcantes.

Para acompanhar o clima das músicas, imagens psicodélicas com influências de arte dos anos 90 foram projetadas no telão de LED do local, criando uma atmosfera única.



Para encerrar o set regular, a banda apresentou ‘Canary Yellow’, uma das principais músicas do álbum Ordinary Corrupt Human, em conjunto com ‘Mombasa’, a única música de ‘Infinite Granite‘ que ainda apresenta resquícios de influência de black metal, com breves passagens guturais e blasts beats ao final da canção.

Após um breve bis, o grupo retomou ao palco. George agradeceu a presença do público, falou que a banda está trabalhando em um novo álbum e que não irá demorar 6 anos para retornar ao Brasil. Na sequência, veio ‘Brought to the Water‘, seguida pela inigualável Dream House’, faixa que representa o surgimento do movimento conhecido como “Blackgaze”, um verdadeiro marco na história da música extrema.

A emoção foi tanta que os fãs resolveram abrir um enorme moshpit na pista, e muitos até arriscaram stage dives. Ao término, foi possível notar que o vocalista estava enxarcado em suor, completamente esgotado após ter entregado tudo de si. O espetáculo entregue foi simplesmente destruidor.

George Clarke é sem dúvida um vocalista único, talvez o melhor frontman da cena musical atual. Foi impressionante ver o quanto ele se esforçou para proporcionar uma experiência memorável aos fãs. Além disso, os demais membros da banda demonstraram um profissionalismo excepcional durante todo o show.

É interessante observar que, apesar das músicas do Deafheaven serem intensas e pesadas, elas conseguem transmitir uma energia enorme, inspirando o público a enfrentar as adversidades do mundo com mais coragem e determinação. Em resumo, o espetáculo foi uma experiência inesquecível e que certamente deixou uma marca duradoura na mente dos presentes.

Setlist

Black Brick
Sunbather
Shellstar
In Blur
Great Mass of Color
Canary Yellow
Mombasa
Bis
Brought to the Water
Dream House




Texto por Guilherme Góes
Fotos por Gustavo Diakov (xchicanox)

Deafheaven quebra paradigmas do metal e entrega show intenso em São Paulo

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- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.