Pelo menos para os fãs de heavy metal, São Paulo será o ‘centro do mundo’ durante este mês de abril. Nos próximos dias, a cidade será palco de dois eventos marcantes: o lendário ‘Monsters Of Rock‘, com apresentações de bandas icônicas, como Kiss, Scorpions, Helloween, Symphony X e Candlemass, e a primeira edição do prestigiado festival europeu Summer Breeze, que reunirá mais de 40 grupos de música extrema, desde veteranos como Blind Guardian e Stratovarius até grupos mais recentes e promissores, como Parkway Drive e Bury Tomorrow.
E como se não bastasse, um festival independente de metal veio para animar ainda mais os headbangers de São Paulo antes das grandes festividades. Na última sexta-feira (14), o Carioca Club recebeu a primeira edição do SP Metal Fest, que contou com duas bandas expressivas no headline: Moonspell, um dos principais nomes do metal português, e Cynic, conjunto de death metal progressivo liderado pelo singular Paul Masvidal. Além disso, o evento também apresentou representantes do cenário latino, como New Democracy (Minas Gerais), Hatefulmurder (Rio de Janeiro) e Weight Of Emptiness (Chile).
Idealizado pela IDL Entertainment, empresa sediada nos EUA que costuma organizar turnês de bandas alternativas no sul do continente americano, o evento supriu uma demanda um tanto ausente desde o início da década passada: um festival de heavy metal com nomes alternativos sediado em uma casa com excelente estrutura e ingressos acessíveis.
O clube abriu pontualmente às 18h e uma parcela do público logo entrou para acompanhar a discotecagem. Porém, muitos permaneceram em um bar na mesma esquina da casa de espetáculo, onde estavam Paul Masvidal e outros integrantes da banda Cynic, aproveitando a oportunidade única para solicitar autógrafos e tirar fotos com os ídolos.
Poucos minutos após as 18h30, a banda New Democracy de Varginha, Minas Gerais, iniciou o primeiro set do festival, destacando faixas de seu último trabalho completo, intitulado The Plague. O show começou meio morno com ‘Black Blood’, que apresentava um groove metal genérico e sem nada muito impressionante. No entanto, ‘Blood On Fire’ conseguiu animar um pouco mais o público com seu ritmo e batidas mais hardcore. Além disso, efeitos de chamas em movimento surgiram no telão de LED para decorar o cenário.
Já ‘Creation On My Skin’ exibiu passagens death metal modernas e dinâmicas, com a execução sendo acompanhada por um efeito hipnotizante com listras vermelhas, brancas e pretas, que combinou muito bem com o clima inovador da música.
Logo em seguida, o grupo tocou um cover de ‘Angels Don’t Kill’, do Children of Bodom, deixando claro de onde se inspirou para criar músicas com vocais guturais, breakdowns e passagens de teclado. Para finalizar, ‘The Way We Die’ trouxe grinds explosivos combinados com bases metalcore dos anos 00.
Apesar do set curto, foi possível notar que a New Democracy é uma banda bastante promissora e se destaca pela habilidade de reunir e incorporar diversas influências de death metal e os ritmos sofisticados em seu som.
Na sequência, Hatefulmurder, do Rio de Janeiro, trouxe a presença feminina ao evento, sendo a única banda a destacar uma vocalista.
Logo no início do show com a música ‘Reborn‘, Angelica Burns convidou o público a se aproximar do palco. Durante a execução da faixa, uma sonora acabou interferindo no som, mas o grupo acabou conduzindo bem com batidas rápidas e riffs micro afinados, transmitindo uma sonoridade mais hardcore do que propriamente metal.
‘Worshipers of Hatred’ seguiu com uma avalanche thrash de batidas e riffs sendo tocados na velocidade da luz, algo bem característico do estilo. Comandando o palco com animação, Angelica convocou o público para o “wall of death” em ‘Silence Will Fall’, mas somente algumas pessoas acabaram participando da brincadeira. Igualmente, ao solicitar que a plateia cantasse junto em ‘Red Eyes’, a líder do grupo não recebeu apoio expressivo, talvez pela falta de conhecimento das músicas pela plateia.
A execução das músicas ‘My Battle’ e ‘Psywar‘ foram marcadas por um base hardcore mais “mosheira”, incentivando a galera a se jogar na pit, enquanto ‘Creatures Of Sorrow’ apresentou um solo de guitarra extenso, bem na linha do heavy metal tradicional, assim mostrando que diferentes estilos influenciam o som da banda.
Infelizmente, boa parte do público não pôde desfrutar do show marcante do conjunto carioca. Com a vocalista Angelica Burns liderando a apresentação de forma visceral e animada, Hatefulmurder acabou realizando um dos sets mais legais da noite, expondo uma ambição enorme e força de vontade de construir algo gigantesco e memorável.
Já com maior público dentro da casa, foi a vez da primeira atração internacional do SP Metal Fest.
Weight Of Emptiness logo conquistou a atenção do público com sua mistura de doom e folk metal. Além da música, a apresentação se destacou pelos efeitos visuais impressionantes que foram exibidos no telão, criando uma atmosfera mágica e singular.
Redemoinhos, tempestades em oceanos e relâmpagos em florestas foram alguns dos elementos que marcaram o incrível espetáculo dos chilenos.
No entanto, o grande destaque do set foi o carisma do frontman Alejandro Ruiz, que, apesar de sua aparência sombria, com maquiagem fantasmagórica e capuz preto, acabou mantendo uma excelente interação com o público.
Em diversas ocasiões, Ruiz agradeceu a presença dos fãs e falou sobre a emoção de tocar no Brasil. No setlist, canções dos discos ‘Withered Paradogma’ e ‘Anfractuous Moments Of Redemption’ foram apresentadas.
Com a casa bem cheia, mas não a ponto de se tornar incômodo caminhar pelo local, os canadenses do Beyond Creation deram continuidade a festa.
Em ritmo de atração headline, os fãs da banda acompanharam com grande entusiasmo a apresentação dos mestres do technical death metal. A multidão seguiu com fervor cada nota de ‘Fundamental Process’ e ‘Earthborn Evolution’, entoando devotos coros ‘hey, hey’ em cada nota executada.
Aproveitando a empolgação do público, o frontman e guitarrista Kévin Chartré solicitou um moshpit na pista em ‘In Adversity’, gerando a primeira grande movimentação do evento.
Na faixa ‘Ethereal Kingdom’, Kévin e o baixista Hugo Doyon realizaram um tapping sincronizado de tirar o fôlego frente ao palco, arrancando aplausos de todos os presentes. O baterista Michel Belanger também brilhou com uma sequência implacável no pedal duplo durante ‘Algorythm‘.
A multidão continuou empolgada até o encerramento do set, mantendo as rodas em movimento com ‘Coexistence’ e ‘Omnipresent Perception’. Quando os músicos estavam saindo do palco, os fãs pediram mais uma música, porém, devido ao tempo corrido, os rapazes não puderam atender ao pedido.
A escolha do Beyond Creation para o Cynic foi certeira, já que a música inovadora e extremamente complexa dos canadenses cativou o público de forma espetacular.
Pontualmente, às 22h30, um som atmosférico ecoou pelos altos falantes do Carioca Club.
Logo em seguida, Paul Masvidal (vocal/guitarra), Matt Lynch (bateria), Max Phelps (guitarra) e Ezekiel Kaplan (teclados) subiram ao palco, matando a ansiedade dos fãs brasileiros que aguardavam por uma apresentação do grupo há mais de 30 anos.
O primeiro bloco do show foi dedicado à execução completa do aclamado disco ‘Focus’. Considerado como uma obra-prima do metal progressivo, o álbum apresenta uma mistura única de death metal, jazz e música eletrônica, com complexas harmonias vocais, riffs de guitarra intrincados e letras profundas e filosóficas.
Além disso, a produção inovadora, com o uso extensivo de sintetizadores e autotunes que remetem a vozes de alienígenas, adicionou ainda mais ousadia ao trabalho, tornando-o um marco na música pesada.
A execução completa do disco em “formato ao vivo” foi fascinante, transmitindo com precisão as nuances e detalhes do trabalho original. Além disso, imagens 3D do encarte de ‘Focus‘ foram utilizadas para criar movimentos visuais no palco.
Ao término de ‘How Could I’, Paul Masvidal acendeu uma vela em memória aos antigos parceiros de banda Sean Malone e Sean Reiner. O show continuou com uma mistura de músicas de diferentes fases da carreira do conjunto, incluindo ‘Box Up My Bones’, do EP Carbon Based Anatomy, e ‘Aurora‘, presente em Ascension Codes, último lançamento full length do grupo.
Apesar da interação mínima com o público, Cynic realizou um belíssimo show, que foi marcado pela competência técnica de seus músico extremamente profissionais e competentes. Sem dúvida, uma apresentação que ficará marcada na história do metal nacional.
Finalizando o SP Metal Fest (e sua turnê brasileira), Moonspell surgiu no cenário depois das 00h30. O grupo português, que possui uma grande base de fãs no país, mostrou toda a sua força por meio de uma repertório muito bem elaborado.
O set começou com ‘The Greater God’, seguida pela animada ‘Extinct’, do álbum homônimo de 2015. Em seguida, a clássica ‘Opium’ do icônico Ireligious de 1997 foi cantada em uníssono pelos presentes.
‘Finisterra’ contou com a participação especial de Pedro Sampaio na guitarra, o que levou o público à loucura. Ainda houve espaço para as músicas‘In And Above Man’ e ‘From Lowering Skies’, do disco The Antidote.
A banda também agradou os fãs mais antigos com ‘Scorpion Flower’, cuja versão original foi gravada em parceria com Anneke Van Gierbergen, ex-vocalista doThe Gathering.
A presença de palco de toda a banda estava impecável, com destaque ao baixista Aires Pereira, aniversariante do dia, que até recebeu um coro de “parabéns” de seus seguidores brasileiros. Já o vocalista Fernando Ribeiro interagiu muito com a plateia e expressou sua felicidade por estar comemorando os 31 anos de banda durante a turnê inédita.
Próximo ao término do set regular, o grupo apresentou duas faixas em português: ‘Em nome do Medo’ e ‘Todos os Santos’.
Tudo estava indo muito bem até o momento, quando, de forma repentina, Fernando começou a reclamar da postura dos integrantes do Cynic, afirmando que a banda tocou 20 minutos a mais do que o horário estabelecido, forçando o Moonspell a cortar duas músicas do setlist.
Expressando sua insatisfação com a postura relativamente irresponsável dos estadunidenses, o vocalista afirmou: “Portuga e Brasuca dó se fode e o gringo fica rico“. O show continuou, mas com um clima bastante pesado. Os fãs ainda tentaram animar a apresentação durante a icônica ‘Alma Mater’, mas sem a mesma empolgação que costuma marcar a execução da faixa.
Apesar da pequena “diss” (gíria do rap quando artistas decidem se atacar) e do horário relativamente inadequado (a atração principal encerrou o show após 01h30, dificultando o retorno dos fãs paulistanos que utilizam transporte público e tornando o evento simplesmente inviável para o público que vem de cidades do interior do estado), a primeira edição do SP Metal Fest foi simplesmente histórica.
O evento reuniu nomes lendários, bandas de abertura precisas e uma proporcionou uma experiência confortável para todos. Os headbangers de São Paulo já estão aguardando ansiosamente por mais uma grande festa dessas em um futuro próximo para aquecer o ainda mais a cena do metal underground.
Setlists
New Democracy
Black Blood
Blood On Nile
Creation Of My Sin
Angels Don’t Kill (Children Of Bodom)
The Way We Die
Hatefulmurder
Reborn
Worshipers of Hatred
Silence Will Fall
Red Eyes
My Battle
Psywar
Creature of Sorrow
Weight Of Emptiness
Mutrumtrun (The Calling)
Defrosting
Chucao
Conquering the Deep Cycle
Wolves
Unbreakable
Beyond Creation
Fundamental Process
Earthborn Evolution
In Adversity
Ethereal Kingdom
Algorythm
Coexistence
Omnipresent Perception
Cynic
Veil of Maya
Celestial Voyage
The Eagle Nature
Sentiment
I’m But a Wave to…
Uroboric Forms
Textures
How Could I
Kindly Bent to Free
Adam’s Murmur
Aurora
Box Up My Bones
Evolutionary Sleeper
In a Multiverse Where Atoms Sing
Moonspell
Setlist
The Greater Good
Extinct
Opium
Finisterra
In and Above Men
From Lowering Skies
Breathe (Until We Are No More)
Nocturna
Scorpion Flower
Em nome do medo
Todos os santos
Bis:
Alma Mater
Full Moon Madness
New Democracy
Hatefulmurder
Weight Of Emptiness
Beyond Creation
Cynic
Moonspell
Texto por Guilherme Góes
Fotos por Tamires Lopes e Gil Oliveira
**Agradecimento especial ao repórter Pedro Bertasso (Headbanger News) na resenha do show do Moonspell