Discharge, Midnight, Havok e Manger Cadavre? agitam punks e metaleiros na turnê Hell on Earth

Em 2022, a banda inglesa Discharge, pioneira do estilo hardcore, realizou uma das apresentações mais concorridas no início do ‘período pós-pandemia’. Após 18 anos, o grupo finalmente retornou ao Brasil, e a demanda foi tão alta que resultou em dois shows no Fabrique Club, um espaço de médio porte localizado no bairro da Barra Funda, com ambos os dias contando com ingressos esgotados.

Felizmente, os fãs paulistanos não precisaram esperar quase duas décadas para ver os ‘padrinhos do HC’ ao vivo novamente. Na última sexta-feira (21), o conjunto apresentou sua nova turnê Hell on Earth no palco do tradicional Carioca Club. Para tornar a noite ainda mais especial, o evento contou com a participação da Havok, uma das principais bandas do thrash metal moderno dos Estados Unidos, conhecida por suas fortes influências do metal da Bay Area; do Midnight, um inovador power trio de ‘black rock n’ roll’ famoso por suas apresentações intensas; e Manger Cadavre?, um nome de destaque no grindcore nacional.

  • Punks e metaleiros juntos

Ao descer na estação de metrô e seguir em direção à Rua Cardeal Arcoverde, era evidente que a noite seria bastante agitada. Centenas de fãs, vestindo camisetas pretas com estampas macabras, circulavam pela área, antecipando o evento. O que mais chamava a atenção, porém, era a diversidade do público. Entre eles, havia punks, headbangers, galera do hardcore e straight edges, cada um vestindo camisetas que iam de bandas de black metal extremo, como Watain e Uada, a grupos de hardcore melódico, como Dead Fish e Pennywise, e ícones do thrash metal e do ‘Punk 77’, como Slayer, Exciter, Overkill, Ramones, The Adicts e Ratos de Porão. A Hell on Earth se revelava uma verdadeira celebração das múltiplas tribos urbanas, todas unidas pelo amor à música pesada.

Pontualmente às 19h30, a banda paulista Manger Cadavre? deu início ao fest, já com um bom público presente na casa. O set começou com uma intro instrumental, seguida por uma avalanche sonora de músicas de seu terceiro álbum, Imperialismo (de 2023), como ‘Insônia‘ e ‘Peregrinos‘.

Apesar do espaço limitado no palco devido ao equipamento das outras bandas. Próximo ao final do set, houve um breve discurso antes de ‘Tragédias Previstas’, comentando que as centenas de mortes durante a pandemia foram resultado do desgoverno de Jair Bolsonaro. Além disso, o quarteto presenteou os fãs com uma nova música, antecipando o lançamento de um próximo trabalho.



Com o clube quase em sua lotação máxima, a banda Havok, vinda diretamente de Denver, Colorado, subiu ao palco, trazendo sua interpretação moderna do tradicional thrash metal da Bay Area. Para a alegria dos fãs paulistanos, o setlist foi uma viagem pela vasta discografia da banda, abrangendo desde ‘Point of No Return’ do EP homônimo de 2012, passando por ‘Phantom Force’ do mais recente álbum V (2020), até ‘Give Me Liberty… Or Give Me Death’ do aclamado Unnatural Selection.




Durante toda a apresentação, os membros da banda demonstraram uma performance impecável, com headbangs sincronizados e uma técnica instrumental precisa. O público respondeu à altura, criando mosh pits gigantes ao ritmo dos blast beats, executados com uma velocidade impressionante. No entanto, o grande destaque da noite foi a presença de palco enérgica do baixista Nick Schendzielos. Ele percorreu o palco freneticamente durante os mais de 40 minutos de set, interagindo com os fãs na grade e incitando a plateia a alcançar o ápice da energia. Sem dúvida, Havok provou que o thrash metal está vivo e bem representado pela nova geração!

Após a brutalidade thrash do Havok, foi a vez dos enigmáticos integrantes do Midnight tomarem dominarem a cena, trazendo sua mistura explosiva de punk, death rock e heavy metal. Vindo de Cleveland, Ohio, o grupo apresentou um som mais cadenciado, semelhante ao doom metal de Candlemass, mas com uma energia visceral. Em sua terceira visita ao Brasil, o Midnight destacou-se por sua característica marcante: uma presença de palco extremamente animada. Ao som de faixas como ‘Funeral Bell’, ‘Endless Slut’, ‘Mercyless Slaughter’ e outras, Athenar e seus companheiros entregaram um set surreal, mantendo o público em um estado de euforia contínua.




Apesar da aparência sombria, os membros da banda demonstraram um carisma surpreendente. Em certo momento, eles abraçaram um fã que havia pulado a grade de segurança e subido ao palco. O ápice do set rolou em ‘Unholy and Rotten’, a última música do repertório, com Athenar destruindo as cordas de seu contrabaixo e simulando um enforcamento. O Midnight mostrou por que é considerada uma das bandas mais intensas do rock contemporâneo, e não existe exagero algum quando dizem que suas apresentações ao vivo são completamente caóticas.




Pouco depois da meia-noite, finalmente chegou o momento mais aguardado: a apresentação dos anfitriões da noite, Discharge. O show começou com uma longa introdução de uma gravação sonora pré-mixada que, apesar de criar uma atmosfera sinistra, acabou se tornando um pouco tediosa. No entanto, assim que a introdução terminou, os músicos Tony (baixista), Roy Wainright e Terry Roberts (guitarristas), Dave Bridgwood (baterista) e Jeff ‘JJ’ Janiak (vocalista) subiram ao palco, incendiando a roda punk com ‘The Blood Runs Black’ e ‘Fight Back’.




Seguindo, o setlist da banda destacou principalmente clássicos dos álbuns Why? (de 1981) e Hear Nothing See Nothing Say Nothing (de 1982). Em alguns momentos, as músicas eram tão rápidas e diretas que pareciam se basear em um punhado de acordes e poucas notas. Jeff Janiak cativou a plateia com sua postura agressiva, correndo pelo palco com uma energia avassaladora. Essa simplicidade bruta do punk é fundamental: mostrar que qualquer um pode fazer música e expressar seus sentimentos e opiniões. O trabalho do Discharge não apenas acrescentou uma camada extra de agressividade ao punk, mas também ajudou a criar um novo gênero e inspirou o heavy metal. Assistir aos fundadores de um movimento tão importante para a música foi como participar de um momento histórico.




Para encerrar a noite e a turnê, os músicos do Havok e do Midnight se juntaram ao Discharge no palco durante a execução de ‘Decontrol‘, proporcionando um momento épico de celebração conjunta. Não apenas os fãs paulistanos foram ao delírio, mas a união das bandas celebrou o sucesso da turnê Hell on Earth. Sem dúvida, foi um episódio marcante para a cena independente de São Paulo, não apenas pela qualidade excepcional dos shows, mas também por reunir de forma harmoniosa diferentes tribos urbanas. Essa noite mostrou que as rivalidades de movimentos ficaram no passado, e o que vale hoje é celebrar a diversidade e a paixão pela música.

Galerias / Gustavo Diavok (@xchicanox)



Manger Cadavre?


Midnight



Havok




Discharge




Setlist – Discharge

  1. The Blood Runs Red
  2. Fight Back
  3. Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing
  4. The Nightmare Continues
  5. A Look at Tomorrow
  6. Drunk With Power
  7. A Hell on Earth
  8. Cries of Pain
  9. Ain’t No Feeble Bastard
  10. Protest and Survive
  11. Hype Overload
  12. New World Order
  13. Corpse of Decadence
  14. Hatebomb
  15. Never Again
  16. State Violence/State Control
  17. Realities of War
  18. Accessories by Molotov
  19. War Is Hell
  20. You Deserve Me
  21. The Possibility of Life’s Destruction
  22. Decontrol


Texto por Guilherme Góes.

Imagem destacada e todas as demais fotos por Gustavo Diavok.

Agradecimento especial: Maria Correia (Metal No Papel)



Discharge, Midnight, Havok e Manger Cadavre? agitam punks e metaleiros na turnê Hell on Earth

Por
- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.