NDP Fest traz protagonismo negro ao hardcore e reafirma energia do movimento straight edge

Em março de 2024, para a alegria do público hardcore paulistano, surgiu uma nova produtora dedicada a fortalecer a cena local. Após décadas de experiência organizando eventos no interior de São Paulo, especialmente em Piracicaba, Bruno Genaro apresentou a New Direction Productions. A estreia oficial aconteceu em grande estilo, com um evento que trouxe dois gigantes do gênero: os canadenses do No Warning e os estadunidenses do Angel Du$t.

Desde então, a produtora tem se mantido em atividade constante, promovendo mais de uma dezena de shows com algumas das maiores bandas do hardcore punk mundial, como Shelter, H2O, Gorilla Biscuits, Glitterer, Lionheart, entre outras.

Para celebrar seu primeiro ano de existência, a NDP realizou no último domingo (09), no Espaço Usine, a primeira edição do NDP Fest, que trouxe ao Brasil a lendária Earth Crisis, pioneira do hardcore vegan straight edge e do movimento de libertação animal. Além disso, o festival destacou a representatividade negra na cena hardcore, com apresentações de bandas como os californianos do Zulu, os cariocas da Clava e os mineiros do Black Pantera. Completaram o lineup Hardgainer, Klitoria e Point Of No Return – esta última, um dos grandes nomes do hardcore straight edge nos anos 2000, que fez seu segundo show ao vivo após quase duas décadas de inatividade.

A abertura do NDP Fest ficou por conta do grupo carioca Klitoria, que já havia passado por São Paulo na mesma semana, abrindo para os australianos do Amyl And The Sniffers. Em um set curto, a banda apresentou seu som experimental, carregado de humor ácido, com letras extraídas diretamente do álbum ‘Entre o Chão e o Assoalho’, lançado neste ano. Apesar de não seguir exatamente a linha sonora das demais atrações do festival, o show foi recebido com atenção pelo público, que ainda chegava ao local.

Na sequência, foi a vez do Hardgainer assumir o palco. Embora pouco conhecido pelo público geral, o grupo já acumula mais de 15 anos de estrada. Com um repertório que incluiu faixas como ‘Invisible Walls’, ‘Close Your Eyes’, ‘This Grace’ e ‘Excluded’, a banda entregou uma verdadeira aula de peso e técnica. O set trouxe solos bem trabalhados, explosões de blast beats e guturais intensos, transitando entre death metal técnico, metalcore melódico e deathcore – remetendo, em certos momentos, ao som do Bleeding Through em seus primeiros anos. Foi um show excelente para apresentar vertentes mais técnicas do metal pesado para o público hardcore.

Seguindo, vieram os cariocas do Clava, responsáveis pelo primeiro grande pandemônio do festival. Antes de iniciar o show, o vocalista fez questão de agradecer a todos os profissionais envolvidos na realização do evento – dos produtores ao pessoal da limpeza e dos bares. Logo depois, o telão de LED exibiu cenas de um jogo das Tartarugas Ninjas para PlayStation 2, preparando o clima para a pancadaria sonora que viria a seguir.

Com uma sonoridade que transita entre grindcore e hardcore metalizado, a banda entregou um show eletrizante, com o público se jogando em stage dives e promovendo mosh pits de parede a parede. O vocalista Alexandre mostrou carisma e presença de palco, alternando entre momentos de pura agitação e instantes de reflexão, nos quais recitava poemas com mensagens políticas e antirracistas. O setlist ainda trouxe dois covers inesperados: “Santuário das Almas”, do Confronto, e uma versão hardcore da icônica abertura de Dragon Ball Z. Combinando energia, humor e conscientização política, o Clava entregou uma “baguncinha” verdadeiramente única e original.






Infelizmente, o show do Black Pantera – uma das maiores revelações do hardcore/metal brasileiro da última década – enfrentou alguns problemas técnicos. Logo na primeira música, ‘Cola‘, o som dos retornos e microfones falhou, forçando uma pausa para ajustes por parte da equipe técnica. Após alguns minutos de espera, o trio voltou com força total e entregou um show avassalador no Espaço Usine, com a mesma intensidade que leva para palcos grandiosos como o Rock in Rio e o Knotfest.

Entre os momentos mais marcantes, destacou-se o domínio absoluto da banda sobre o público. Em ‘Fogo Nos Racistas’, os músicos pediram para os fãs se abaixarem e só se levantarem no momento certo, criando uma explosão coletiva de energia. Já em ‘Moshar‘, comandaram um mosh pit exclusivo para mulheres, reforçando o compromisso da banda com a inclusão e a segurança no espaço.





Chegando à reta final do evento, era hora do público finalmente saciar a ansiedade e a curiosidade de ver a lendária Point Of No Return ao vivo. Após quase 20 anos de hiato, a banda havia feito seu primeiro show de retorno na segunda edição de 2024 do festival Verdurada, e agora subia ao palco do NDP Fest para mais uma apresentação histórica.

Antes de iniciar o set, os integrantes fizeram um discurso em apoio a ações diretas, reforçando o caráter político da banda. Em seguida, o grupo abriu o show com “Sparks”, faixa que dá início ao clássico álbum ‘Centelha’ (2000). O repertório seguiu com uma mistura de hinos atemporais e novidades, incluindo ‘Cerca, ‘A Fronteira’, ‘Respostas a Sangue e Fogo’, ‘Casa de Caboclo’ e ‘Guile’, além de um cover de ‘Unbroken Feelings’, do Self Conviction.

O público respondeu com intensidade máxima: mosh pits gigantescos tomaram conta da pista, enquanto uma verdadeira onda de stage dives tornava o ambiente ainda mais caótico. A intensidade foi tanta que, infelizmente, um fã acabou se machucando feio e precisou ser retirado do espaço com ajuda da organização. Os integrantes também mostraram uma vitalidade impressionante, pulando e interagindo com os fãs a cada instante. Um dos grandes destaques foi a dinâmica com três vocalistas diferentes, cada um trazendo um estilo único à apresentação.

Toda a expectativa em torno do retorno do grupo foi mais do que justificada – o Point Of No Return entregou um espetáculo de energia imparável, deixando claro que sua presença na cena hardcore continua mais relevante do que nunca.





Após o set avassalador do Point Of No Return, veio o show mais polêmico do evento: a apresentação dos californianos do Zulu. Na véspera do NDP Fest, surgiram denúncias contra o vocalista Anaiah Muhammad, feitas por uma ex-namorada, que o acusou de abuso – além de alegar que outras mulheres teriam passado pela mesma situação. A repercussão foi intensa, e Muhammad sequer apareceu para o show em São Paulo, deixando a responsabilidade dos vocais para o guitarrista Dez Yusuf.

Com um setlist reduzido e um clima visivelmente tenso, a apresentação não transcorreu da melhor forma. Em meio ao peso do hardcore com influências de beatdown da banda, duas brigas estouraram na pista, exigindo a intervenção de seguranças e organizadores para conter a confusão.

Após o evento, a produtora anunciou o cancelamento das demais datas da turnê do Zulu na América Latina. Com isso, a carreira do conjunto permanece incerta.




Depois de uma tarde intensa de música pesada, que passou pelo rock alternativo, hardcore, metalcore e deathcore melódico, chegou o momento mais aguardado: a lendária Earth Crisis subiu ao palco do Espaço Usine para encerrar a primeira edição do NDP Fest. O show marcou o retorno da banda a São Paulo após 16 anos, desde sua última passagem pela cidade em janeiro de 2009.

Sem introduções grandiosas ou efeitos elaborados, o grupo de Syracuse entrou direto ao ponto, abrindo com ‘Force March’, seguida por ‘Forged In The Flames’ e ‘Gomorrah’s Season Ends’ – essa última acompanhada por uma verdadeira invasão de palco, com dezenas de fãs cantando os versos finais ao lado do vocalista Karl Buechner.

Antes de “Against The Current”, o frontman comentou que a música era um desabafo sobre manter um estilo de vida straight edge nos dias de hoje. Em seguida, a banda mergulhou em uma dobradinha do clássico ‘Destroy The Machines’, trazendo as poderosas ‘Born from Pain’ e ‘The Wrath of Sanity’. Ainda houve espaço para novidades, como ‘Vegan For The Animals’, do disco mais recente, lançado em 2022.




No passado, os shows do Earth Crisis eram marcados por longos discursos sobre política, veganismo e straight edge, muitas vezes ocupando mais tempo que as próprias músicas. No entanto, dessa vez, as falas foram quase inexistentes. Já em termos de execução, os músicos demonstraram a mesma técnica impecável de sempre no baixo, guitarra e bateria. O vocalista Karl Buechner, por outro lado, deu sinais de desgaste, apresentando guturais embolados e, em alguns momentos, parecendo “inventar palavras” ao invés de cantar as letras com clareza. Ainda assim, nada disso diminuiu a energia dos fãs, que se jogaram com tudo nos stage dives e cantavam cada música com total devoção.

O ponto alto da noite veio com uma invasão de palco massiva durante ‘Firestorm’, um verdadeiro hino do straight edge, com dezenas de vozes ecoando os versos a plenos pulmões. Para encerrar a noite, a banda apresentou um cover de ‘Counter‘, do Path Of Resistance.

Assim, a New Direction Productions celebrou seu primeiro ano de existência com chave de ouro, consolidando-se como uma das produtoras mais queridas do público hardcore paulistano. Que esse seja apenas o primeiro de muitos festivais – e que os eventos já realizados até aqui sejam apenas uma pequena parcela do que ainda está por vir para os amantes da música pesada.


Fotos: Raíssa Corrêa





Setlists

Klitoria

Flores Podres

Não Memória

Xapisco

Laboratório

Skate Karate

Inferno Espera

Cromática

Bolso Oco

Seus Laços

Não Me Siga

Armadilha/Sinal

Todo Homem Foi Feito Pra Dar

Eu Não Vou Te Ouvir

Hardgainer

Invisible Walls

Idols Fall

Queda

Close Your Eyes

From Strength to Weakness

This Grace

Excluded

Clava 

Amaterasu

Primavera das Rosas Negras

Sudaméfrica

O devir-negro do mundo

Santuário

Oeste

Olhos Oblíquos

Quando a vontade de romper é mais forte

Correr Pelo Céu

Black Pantera

Cola

Padrão É o Caralho

Mosha

Fogo nos Racistas

Tradução

Revolução é o Caos

Sem Anistia

Ratatatá

Boto pra Fuder

Point of No Return 

Sparks

Cerca

A Fronteira

Resposta a sangue e fogo

Casa de caboclo

Guile

Again and Again

Perda

Unbroken

Zulu

For Sista Humphrey

Now They Are Through With Me

Our Day Is Now

Music to Drive By

Fakin’ the Funk (You Get Did)

Watching from the Sidelines

Straight From da Tribe of tha Moon

On the Corner of Cimarron & 24th

Lyfe Az a Shorty Shun B So Ruff

Shine Eternally

52 Fatal Strikes

Do tha Right Thing (And Stop Frontin’)

Where I’m From

Earth Crisis 

Forced March

Forged in the Flames

Gomorrah’s Season Ends

Against the Current

All Out War

Born From Pain

The Wrath of Sanity

End Begins

Vegan for the Animals

The Discipline

Firestorm

Counter (cover The Path of Resistence)


Texto: Guilherme Góes
Agradecimento Especial: Maria Correia (Heavy Metal Online / Metal No Papel)

NDP Fest traz protagonismo negro ao hardcore e reafirma energia do movimento straight edge

Por
- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.