Uma parcela considerável de portugueses afirma abertamente que “não liga à política”. Mas a verdade é que ignorar a política não impede que ela influencie todos os aspectos da vida. Quem decide o preço da eletricidade, o custo dos transportes, o acesso à saúde ou o preço da habitação? São os políticos, banqueiros e grandes empresários que seguem uma agenda própria.
E como se chegou a este ponto? Como foi possível que um país que dominou os mares e explorou meio mundo acabasse refém da troika, de salários miseráveis e da dependência do turismo? Para entender o presente, é necessário olhar para o passado.
Durante séculos, Portugal expandiu-se pelos oceanos, sempre com um objetivo claro: garantir divisas para uma pequena elite econômica. Quando as colônias deixaram de ser lucrativas, a economia não tinha uma base produtiva forte para sustentar o país. O resultado foi subdesenvolvimento, dependência e emigração em massa.
Nos anos 70, com o fim do regime fascista e a Revolução de Abril, surgiu uma oportunidade de transformar o país. Nacionalizaram-se setores estratégicos, conquistaram-se direitos laborais e sociais, e por um breve momento, pareceu possível construir uma economia ao serviço do povo. Ela não só era possível, como era necessária. Mas essa janela foi fechada rapidamente.
A investida anticomunista, articulada com forte influência de Mário Soares, levou ao famigerado 25 de novembro, um golpe que consolidou a farsa da “democracia” liberal em Portugal. O resultado foi a normalização do bipartidarismo e a destruição de qualquer possibilidade de ruptura real com os interesses dominantes.
Nos anos 80 e 90, a adesão à União Europeia foi apresentada como um caminho para o desenvolvimento e para a modernização do país, com a promessa de que Portugal seria elevado ao nível das grandes potências europeias. No entanto, os subsídios vinham com condições: o desmantelamento da indústria nacional, o abandono da agricultura e a especialização em setores convenientes para os interesses europeus – turismo e serviços.
Os resultados eram expectáveis: uma economia frágil e vulnerável a crises externas, além da profunda dependência das importações e das multinacionais que levam praticamente toda a riqueza gerada no país. A intervenção da troika, em 2011, foi a demonstração mais clara dessa realidade: em vez de proteção, Portugal foi forçado a aplicar medidas de austeridade que empobreceram ainda mais a população para garantir o pagamento da dívida a credores estrangeiros.
Há décadas a política portuguesa tem sido um jogo de cartas marcadas. O Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) alternam no poder, mas seguem sempre a mesma política neoliberal: cortes nos serviços públicos, privatizações, redução de direitos laborais e subserviência à União Europeia. Em campanha eleitoral permanente apresentam-se sempre como opostos, mas na prática servem os mesmos interesses econômicos.
Nos últimos anos, o descontentamento com este sistema deu espaço ao crescimento de partidos que se vendem como “antissistema”, com pautas ruidosas contra minorias, imigrantes e movimentos sociais, mas que invariavelmente evitam atacar os verdadeiros responsáveis pelos problemas do país: os grandes grupos económicos e os seus representantes políticos.
Essa estratégia é eficaz porque canaliza a frustração popular para alvos fáceis, impedindo que os trabalhadores se unam para exigir mudanças reais. É o caso do partido Chega (CH), que em seu discurso promete o combate intransigente à corrupção, mas na prática vê um número significativo de quadros envolvidos em crimes de roubo, pedofilia, violências diversas e, como se pode imaginar, corrupção.
A Iniciativa Liberal (IL) junta-se a este grupo como uma caricatura ainda mais descarada do liberalismo econômico, prometendo um “Estado mais eficiente” à custa da destruição dos serviços públicos e da entrega total do país ao mercado. Enquanto isso, os trabalhadores continuam a pagar a fatura.
Os políticos são todos iguais?
Não. E os factos provam isso.
Enquanto PS, PSD, IL e Chega defendem os interesses dos grandes grupos econômicos, há partidos que representam os interesses dos trabalhadores e do povo. O Partido Comunista Português (PCP), por exemplo, apresentou uma proposta para reformar a lei do financiamento dos partidos, defendendo maior transparência e impedindo a influência de grandes grupos econômicos. O resultado? Foi chumbada por PS, PSD, IL e Chega, que preferem manter a dependência do financiamento público sem controles mais rigorosos.
Além disso, vejamos como cada partido se sustenta financeiramente e como votaram em projetos fundamentais para os trabalhadores:

Os dados deixam claro quem trabalha pelos interesses dos trabalhadores e quem representa os grupos económicos. O Bloco de Esquerda, apesar do discurso à esquerda, frequentemente se abstém em temas fundamentais, mostrando a sua inconsistência quando é necessário tomar partido contra o capital.
Eleições à vista: o que fazer?
Primeiro, é essencial entender que política não se resume a partidos e eleições. Política é sobre condições de vida: um Serviço Nacional de Saúde que funcione, transportes de qualidade, habitação para todos, com rendas controladas e acessíveis, empregos, salários e pensões dignas. Em um sistema controlado por quem detém os meios de produção e que precisa manter a população em carência permanente, para que aceite produzir riqueza em troca de migalhas, nada disso é concedido de graça – é conquistado por meio de luta, pela organização popular e coletiva.
Quando os trabalhadores se unem – seja em sindicatos, associações ou movimentos populares – conseguem avanços concretos. Foi assim que se conquistou o 13º e 14º salários, a jornada de 8 horas e o Serviço Nacional de Saúde.
Segundo, nenhuma transformação virá do PS, do PSD, da IL ou do Chega. Estes partidos representam os mesmos interesses económicos, apenas com discursos diferentes para capturar diferentes segmentos do eleitorado. Com eleições à vista, para manutenção dos mesmos de sempre e, sob a imposição do medo da extrema-direita, tradicionalmente surgem apelos para frentes amplas e voto útil no “menos pior”.
Cuidado para não morder este isco! Romper com este bipartidarismo e fortalecer quem luta pelos direitos dos trabalhadores é a verdadeira luta antissistema, determinante para um futuro melhor.
Se quer um país mais justo e digno para quem trabalha, é necessário exigir mudanças reais, com salários que acompanhem o custo de vida e valorização das carreiras, investimentos no Serviço Nacional de Saúde, transportes públicos eficientes e acessíveis, habitação para todos, educação pública e de qualidade, redução da dependência das multinacionais e dos interesses estrangeiros (produção nacional), soberania nacional e respeito à autodeterminação de outros povos, incluindo o reconhecimento do Estado da Palestina, o fim dos embargos à Cuba, a dissolução da NATO e o fim das guerras.
Os trabalhadores fazem o país funcionar. É hora de deixar de assistir o jogo e entrar em campo. Política pode não ser o tema favorito de todos, mas quem a ignora acaba por ser governado pelos que a usam contra ele.
Texto por Jorge Filho
Edição por Stefani Costa