Reconhecida como uma das fundadoras do grunge, movimento frequentemente rotulado como ‘a última grande onda do rock n’ roll’ (embora essa definição também seja debatida com o emo), a banda Mudhoney surgiu em 1988, em Seattle, ao lado de nomes como Soundgarden e Green River – este último sendo o grupo que originou tanto o próprio Mudhoney quanto o Pearl Jam. Com uma sonoridade crua, misturando punk e rock alternativo, o conjunto teve uma influência marcante na cena alternativa dos anos 90.
Apesar de sua relevância para o rock, o Mudhoney nunca alcançou o mesmo nível de sucesso comercial de Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains. Isso se deve a alguns fatores, como um som menos acessível e distante do apelo pop, a falta de suporte de grandes gravadoras e, até mesmo, a rejeição dos próprios integrantes à ideia de moldar sua música para alcançar popularidade. Ainda assim, os roqueiros de Seattle mantêm um legado de respeito e uma verdadeira legião de fãs ao redor do mundo.
Após dez anos desde sua última passagem pelo Brasil, o quarteto voltou para uma turnê na América do Sul, realizando quatro shows no país. Em São Paulo, a apresentação aconteceu no dia 21 de março, no Cine Joia.
No dia do evento, a casa estava completamente lotada. O número de fãs dentro do espaço era tão grande que a circulação se tornou difícil. Felizmente, o palco, bem centralizado e de tamanho adequado, garantiu uma boa visibilidade de qualquer ponto do clube.
A noite começou com duas apresentações explosivas: Elder Effe e Apnea. O primeiro, um compositor paraense, trouxe um show politizado e cheio de energia. Durante sua performance, prestou homenagem ao Mestre Laurentino, ícone da música paraense e considerado como o ‘primeiro roqueiro do Brasil’, que faleceu em 2024 aos 98 anos. Além disso, criticou a participação do Coldplay na COP 30, que acontecerá no Pará no mês de novembro, argumentando que o espaço deveria ser ocupado por artistas locais em vez de uma banda estrangeira sem conexão com a cultura regional.

Já o Apnea, bem conhecido no underground paulistano, representou o hardcore caiçara em um show intenso. Com Boka, do Ratos de Porão, na bateria, o grupo apresentou uma fusão marcante de stoner, punk rock e grunge, conquistando o público com riffs pesados, solos precisos e um baixo hipnotizante. O repertório incluiu faixas do álbum Sea Sounds (2022) e singles lançados em 2024, como ‘Undertow’ e ‘Paper Cut’, sendo esta última acompanhada por um videoclipe disponível no YouTube.

Então, com alguns minutos de atraso, os ‘donos da noite’ finalmente subiram ao palco, sendo ovacionados pelo público. No entanto, um momento inusitado aconteceu logo em seguida: o vocalista Mark Arm admitiu que havia esquecido o setlist no camarim e precisava buscá-lo. A cena arrancou risos da plateia antes de o quarteto iniciar o show com a clássica ‘If I Think’, do icônico EP ‘Superfuzz Bigmuff’ (1988). Em seguida, em um contraste entre diferentes fases da banda, executaram ‘Move Under’, do álbum Plastic Eternity (2023), e logo depois ‘Get Into Yours’, do primeiro disco. Além disso, teve espaço para ‘Nerve Attack’, presente em ‘Digital Garbage’, full lenght lançado em 2017 que conta com uma sonoridade absurdamente alternativa.
A iluminação do Cine Joia sempre foi um destaque graças aos seus tubos de LED, mas, dessa vez, a produção caprichou ainda mais, incorporando projeções coloridas ao fundo. O efeito criou uma atmosfera psicodélica que impressionou o público desde os primeiros minutos do show.
O repertório seguiu com uma sequência explosiva de canções de Every Good Boy Deserves Fudge (1991), incluindo ‘Into the Drink’, ‘Good Enough’ e ‘Let It Slide’, intercaladas com faixas de outros lançamentos, como ‘Almost Everything’ e ‘Judgement, Rage, Retribution and Thyme’.

Depois, foi a vez do EP ‘Boiled Beef and Rotting Teeth’ ganhar destaque, com um bloco dedicado ao lançamento e a execução de ‘Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)’ e ‘Touch Me I’m Sick’, esta última considerada o maior clássico da banda. O impacto foi imediato: o público se entregou ao caos do moshpit, transformando o Cine Joia em um verdadeiro pandemônio grunge.
O set continuou com mais 11 músicas, transitando entre faixas barulhentas de pegada quase punk, como ‘Suck You Dry’, e outras mais acessíveis, como ‘Souvenir of My Trip’ e ‘Paranoid Core’. Independentemente da fase, os fãs acompanharam com energia incansável, cantando e agitando sem pausa.
No bis, a banda entregou uma sequência matadora com ‘Beneath the Valley of the Underdog’, ‘Here Comes Sickness’ e ‘In ‘n’ Out of Grace’, todas lançadas nos anos 90. Foi um desfecho perfeito para um show que celebrou a sonoridade que ajudou a moldar o trabalho de gigantes como Nirvana, Foo Fighters e Pearl Jam.
Com o Mudhoney lotando a casa ao máximo, o público paulistano provou que o grunge segue como um dos estilos mais queridos pelos roqueiros locais. E mais do que isso: demonstrou que o mesmo fervor dedicado às bandas que enchem arenas gigantescas também se mantém vivo no underground. Uma prova incontestável de que o rock segue pulsando na cidade.
Fotos: Matheus Machado (Credenciado pelo site Portal Musicult)
Setlist
If I Think
Move Under
Get Into Yours
Nerve Attack
Into the Drink
Almost Everything
Good Enough
Judgement, Rage, Retribution and Thyme
Let It Slide
Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)
Touch Me I’m Sick
Little Dogs
Real Low Vibe
You Got It
Suck You Dry
Souvenir of My Trip
Tom Herman’s Hermits
F.D.K. (Fearless Doctor Killers)
Oh Yeah
Next Time
I’m Now
Chardonnay
Paranoid Core
Human Stock Capital
21st Century Pharisees
One Bad Actor
Bis
Beneath the Valley of the Underdog
Here Comes Sickness
In ‘n’ Out of Grace