The Amity Affliction leva São Paulo ao delírio em noite de peso e entrega emocional

A Austrália consolidou-se como uma das grandes exportadoras de talento para o cenário global do rock e do metal. Nos anos 1980, o país viveu um verdadeiro boom criativo, impulsionado por nomes como AC/DC — que, embora tenha surgido na década anterior, alcançou o estrelato mundial com álbuns icônicos como Back in Black, um dos discos mais emblemáticos do gênero. Outro destaque foi o INXS, que conquistou as paradas internacionais ao fundir rock com elementos de funk, pop e new wave, criando um som moderno, dançante e inconfundível.

Já a partir dos anos 2000, a Austrália passou a se destacar como referência no metalcore, revelando bandas que injetaram nova energia na música extrema. Grupos como Parkway Drive, I Killed The Prom Queen, Northlane e Thy Art Is Murder se notabilizaram por mesclar agressividade, técnica apurada e passagens modernas que flertam com a música eletrônica, abrindo caminhos para uma geração que redefiniu os limites do gênero.

No último domingo (06), o público paulistano pôde conferir ao vivo um dos maiores expoentes dessa cena: The Amity Affliction. Formada em 2003, na cidade de Gympie, Queensland, a banda é hoje um dos nomes mais expressivos do metalcore moderno. Combinando vocais intensos, melodias marcantes e letras profundamente pessoais, o grupo ganhou notoriedade por abordar temas como saúde mental, depressão, perda e superação — sempre com uma carga emocional que dialoga diretamente com seus fãs. O show, que marcou o retorno do quarteto ao Brasil após quase oito anos, aconteceu no tradicional Carioca Club.

Devoção quase religiosa ao metalcore

Apesar do show principal estar marcado para as 21h — e sem banda de abertura —, o público compareceu em peso desde a abertura da dasa de espetáculos, por volta das 18h. A devoção dos fãs brasileiros ao The Amity Affliction era evidente: muitos carregavam bandeiras do Brasil personalizadas com o logo da banda, além de cartazes com trechos de músicas que, segundo eles, os ajudaram a atravessar momentos difíceis. A atmosfera já era de emoção antes mesmo da primeira nota soar.

Pontualmente, o clássico ‘Livin’ on a Prayer’, do Bon Jovi, começou a ecoar pelos alto-falantes, servindo como trilha sonora para o início da catarse coletiva. As luzes da casa se apagaram por completo, e, em meio à expectativa crescente, surgiram no palco Joel Birch (vocais guturais), Dan Brown (guitarra), Joe Longobardi (bateria) e Jonathan Reeves (baixo e vocais limpos). A abertura do set ficou por conta de ‘Pittsburgh‘, talvez o maior hit da carreira da banda — e embora tenha sido recebida com entusiasmo, alguns fãs sentiram que a escolha logo de cara acabou tirando um pouco do clímax da apresentação.



Em seguida, vieram mais dois sucessos: ‘Drag the Lake’, entoada em uníssono por um público que parecia cantar como em um culto fervoroso, e ‘The Weigh Down’, cuja mistura de sintetizadores, breakdowns e guturais pesados trouxe uma nova energia à pista. Foi nesse momento que o público finalmente se soltou de vez, dando início a um moshpit expressivo que movimentou o centro da plateia com intensidade.

Aproveitando o embalo da plateia, ‘Like Love’ trouxe uma verdadeira explosão sonora, equilibrando peso e melodia com um refrão limpo e cativante que, com facilidade, poderia figurar em uma faixa pop sem perder a identidade. Nesse momento, Joel pediu um circle pit, e o público respondeu sem hesitar, abrindo uma roda que tomou quase toda a pista do Carioca Club. A sequência veio com ‘Don’t Lean on Me’, um dos principais destaques do disco Let The Ocean Take Me. Embora os vocais de Jonathan Reeves se sobressaiam nessa faixa, foi o público quem roubou a cena, cantando em uníssono a ponto de abafar o som do palco.




O momento mais introspectivo, no entanto, durou pouco. Com ‘Open Letter’, a agressividade voltou a tomar conta da casa. Já em ‘All My Friends Are Dead’, o circle pit se intensificou, ocupando quase um terço do espaço e elevando a tensão no salão. Na sequência, ‘Chasing Ghosts’ trouxe uma sonoridade mais crua e direta, com fortes influências do hardcore e uma bateria frenética que incendiou ainda mais a plateia. O público paulistano ainda foi premiado com a estreia ao vivo de ‘All That I Remember’, apresentada pela primeira vez no Brasil. A faixa, com base tradicional de metalcore e vocais melódicos, mostra que o quarteto deve manter sua identidade sonora nos próximos lançamentos.

Após quase uma hora de intensidade ininterrupta, a energia da plateia seguia intacta. Em ‘Death’s Hand’, outro destaque do álbum Let The Ocean Take Me, a casa inteira vibrou com um wall of death explosivo. A sequência manteve o fôlego com ‘I See Dead People’, ‘My Father’s Son’ e ‘Give It All’, onde os elementos característicos do The Amity Affliction — como blast beats, breakdowns e camadas eletrônicas — apareceram com força total. Após uma breve pausa, a banda retornou para encerrar a noite com ‘Soak Me in Bleach’, em um momento catártico em que o público se abaixou e pulou conforme as ordens de Joel, selando uma apresentação marcada pela conexão intensa entre banda e fãs.

No fim do show, os integrantes permaneceram no palco, distribuindo palhetas, baquetas, setlists e até mesmo um dos pratos da bateria, entregue por Joe Longobardi diretamente a uma fã sortuda — um gesto que reforçou o carinho do grupo pelos seguidores brasileiros.

Apesar da performance poderosa e da entrega inquestionável do público, o evento não foi isento de falhas. A ausência de uma banda de abertura foi sentida, especialmente considerando a vasta quantidade de grupos nacionais influenciados pelo The Amity Affliction e com sonoridade semelhante — uma oportunidade desperdiçada de fortalecer a cena local. A iluminação do show permaneceu baixa durante praticamente toda a apresentação, dificultando o trabalho de fotógrafos e até mesmo a visão dos fãs mais afastados. Os telões de LED exibiram imagens repetitivas, e os efeitos de fumaça foram usados de forma bastante tímida. Além disso, o vocalista Joel Birch interagiu pouco com a plateia, mantendo um distanciamento que contrastou com a intensidade emocional das músicas. Dado o porte da banda e sua popularidade por aqui, era de se esperar um cuidado maior com esses detalhes.

Ainda assim, a experiência foi positiva e memorável. O show reafirmou por que o The Amity Affliction é considerado um dos grandes nomes da música pesada contemporânea — e por que seus fãs permanecem tão fiéis, mesmo após quase duas décadas de estrada.


Fotos: Gustavo Diakov (Profissional credenciado pelo site Sonoridade Underground, que gentilmente compartilhou seu trabalho com a Hedflow)



Setlist

  • Pittsburgh
  • Drag the Lake
  • The Weigh Down
  • Like Love
  • Don’t Lean on Me
  • Open Letter
  • All My Friends Are Dead
  • Chasing Ghosts
  • All That I Remember (estreia ao vivo)
  • Death’s Hand
  • I See Dead People
  • My Father’s Son
  • It’s Hell Down Here
  • Give It All

Bis:

  • Soak Me in Bleach

The Amity Affliction leva São Paulo ao delírio em noite de peso e entrega emocional

Por
- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.