Em pleno 2025, quase 50 anos após sua chegada em São Paulo, o punk vem mostrando que segue mais vivo do que nunca e ainda continua sendo extremamente relevante para o cenário underground da cidade.
Em fevereiro, o festival Punk Is Coming reuniu nomes clássicos e novatos da cena, levando mais de 40 mil pessoas ao Allianz Parque — mesmo local que abriga shows de estrelas do pop como Harry Styles, Coldplay e Taylor Swift. Paralelamente, apresentações esgotadas no Cine Joia com Amyl and The Sniffers e The Damned reforçaram o vigor do gênero.
Três meses após esse marco para o punk paulistano, no último sábado (24), o público voltou a se reunir em peso — desta vez para prestigiar o show da lendária banda Buzzcocks. O evento aconteceu no tradicional Carioca Club, marcando o retorno do grupo ao Brasil após 15 anos de ausência.
Reconhecido como um dos pioneiros do punk rock, o conjunto foi formado em Manchester em 1976. Misturando a simplicidade crua do punk com uma sensibilidade pop incomum para a época, o grupo ajudou a moldar o gênero com faixas curtas, diretas e melódicas, abordando temas como amor, frustração e alienação juvenil. Liderados originalmente por Pete Shelley e Howard Devoto — que deixou a banda pouco após sua formação —, eles alcançaram sucesso com clássicos como ‘Ever Fallen in Love (With Someone You Shouldn’t’ve)’ e outros hits que marcaram as trilhas sonoras de diversos filmes. Sua influência foi decisiva para o surgimento de bandas punk, pós-punk e indie nas décadas seguintes. Mesmo após a morte de Shelley, em 2018, o grupo segue na ativa, mantendo vivo o espírito do punk com energia, atitude e autenticidade.
Punk de SP representa na abertura
O evento contou com a participação de duas bandas paulistanas na abertura, provando que a cena local também sabe fazer música punk de qualidade — sem dever nada aos nomes internacionais.
Quem iniciou os trabalhos foi o Sweet Suburbia, banda clássica da cena paulistana, em atividade há mais de duas décadas. Após um longo hiato, o grupo vem se apresentando ocasionalmente desde 2019. No repertório, faixas dos álbuns You Better Swallow Your Pride e Paranoia Day By Day, com uma sonoridade que transita entre o punk 77, ska e elementos do pop punk noventista, remetendo a nomes como Operation Ivy, Rancid e os primeiros discos do Green Day. Antes de encerrar o show, os integrantes anunciaram que estão retomando as atividades gradualmente e prometeram um novo lançamento para o segundo semestre.
Em seguida, subiu ao palco Os Excluídos, outro nome tradicional do punk paulistano, que dispensa apresentações devido a longa trajetória na cena. Com um set curto, a banda destacou músicas do ótimo ‘Filhos da Desilusão’ (2022), além de clássicos como ‘Rota 77’ e ‘Eu Não Quero’. Com postura enérgica, visual marcante e um som alinhado com a proposta da atração principal, o grupo incendiou a pista e mostrou por que ainda é uma escolha certeira para eventos do gênero.

Veteranos no palco
Com a casa completamente lotada, os integrantes do Buzzcocks subiram ao palco com cerca de dez minutos de atraso. O show teve início com um longo jogo instrumental de bateria e guitarra, que logo foi emendado com ‘What Do I Get?’, incendiando o público de cara, que respondeu com cantos em coro e um moshpit já nos primeiros minutos. Animado com a recepção calorosa, Steve Diggle foi à frente do palco e, demonstrando uma vitalidade impressionante para seus 70 anos, interagiu e comandou os fãs em ‘Harmony in My Head’ e ‘I Don’t Mind’. Depois de mostrar domínio de palco singular, o veterano surpreendeu mais uma vez ao manter a velocidade e energia dos vocais em ‘Everybody’s Happy Nowadays’, sem perder o fôlego na música marcada por rimas rápidas.

Mostrando que a banda não ficou presa a uma sonoridade exclusiva, o repertório também trouxe obras que iam além do punk tradicional. Faixas como ‘Senses Out of Control’, ‘Sick City Sometimes’, ‘Isolation’ e ‘Autonomy’ revelaram cuidado técnico e estética mais próximas do new wave do que do próprio punk. Já ‘Why Can’t I Touch It?’ apresentou passagens com influência de reggae, que curiosamente foi um dos pontos altos do set com a galera acompanhando o refrão em coro. Porém, o público realmente agitava nas músicas rápidas, de riffs simples, batidas aceleradas e refrões repetitivos como ‘Fast Cars’, ‘Manchester Rain’, ‘Just Got to Let It Go’ e, claro, ‘Ever Fallen in Love (With Someone You Shouldn’t’ve)’, o maior hit da noite, cantado em uníssono por todos os presentes.
É inegável que o icônico Pete Shelley faz muita falta — e afirmar que o Buzzcocks segue o mesmo sem seu lendário frontman seria um exagero. No entanto, Steve Diggle demonstra carisma de sobra e um domínio de palco cativante. Sem dúvida, foi uma decisão acertada da banda seguir em frente, mantendo vivo o legado de um dos nomes mais importantes do punk rock britânico.
Fotos: Matheus Paiva (credenciado pelo site Musicult / @portalmusicult/@matheusp)
Setlist:
What Do I Get?
Harmony in My Head
I Don’t Mind
Everybody’s Happy Nowadays
Senses Out of Control
Fast Cars
Sick City Sometimes
Isolation
Autonomy
Bad Dreams
Why Can’t I Touch It?
Destination Zero
Love You More
Orgasm Addict
Manchester Rain
Bis:
Love Is Lies
Promises
Why She’s a Girl From the Chainstore
Just Got to Let It Go
Boredom
Chasing Rainbows
Ever Fallen in Love (With Someone You Shouldn’t’ve)
Texto: Guilherme Góes
Agradecimento especial: Maria Correira (Heavy Metal Online / Metal No Papel)