No último sábado (31), o Popload Festival — evento queridinho do público alternativo — retornou a São Paulo após dois anos de hiato. Desta vez, o local escolhido para sediar a celebração indie-rock foi o Parque do Ibirapuera, na zona sul da capital paulista. Em edições anteriores, o festival aconteceu no Clube Esportivo Tietê e no Memorial da América Latina.
A programação deste ano se destacou pela forte presença feminina no lineup. Entre as atrações, estavam a cantora norte-americana Norah Jones, que mescla pop e blues com sua voz marcante; Kim Gordon, ex-integrante do Sonic Youth, agora em carreira solo com um projeto de sonoridade experimental; a islandesa Laufey, que resgata o charme do jazz e da bossa nova dos anos 1950, inclusive no visual; e St. Vincent, ícone do rock alternativo com performance poderosa e estética refinada. A representação nacional ficou por conta de Tássia Reis, expoente da cena independente brasileira. Completando o lineup, vieram os rapazes do The Lemon Twigs e o grupo brasileiro Terno Rei, em um set especial ao lado de Samuel Rosa, vocalista do Skank.
Histórico
Criado em 2013, o Popload Festival começou de forma modesta, ocupando casas de shows de médio porte em São Paulo. Desde o início, destacou-se por preencher uma lacuna no mercado de eventos do início dos anos 2010: a escassez de festivais voltados ao público do rock alternativo e da música independente — gêneros muitas vezes ignorados pelos grandes eventos.
O Popload também foi pioneiro ao trazer inovações ao público brasileiro, como os shows ‘warm-up’, a distribuição de bilhetes de metrô e o uso de pulseiras cashless, que permitiam recarga de créditos online. A partir da quarta edição, em 2016, o festival passou a ser realizado em espaços abertos, diversificando suas atrações com áreas interativas, DJs, food trucks, estandes de merchandising e muito mais.
Entre os nomes de peso que já passaram pelos palcos do Popload estão The XX, Lorde, Patti Smith, At The Drive-In, Tim Bernardes, Metronomy, Tame Impala, The Libertines, Pixies, Jack White, Pitty, Fresno, entre outros. Após o intervalo forçado de dois anos, o evento voltou com força total — e já promete uma nova edição em breve.
Experiência geral e shows
Devido a um contratempo na entrada — causado por um ‘espertinho’ que comprou ingresso destinado a idosos sem ter direito e, ao ser questionado, preferiu causar tumulto e ofender a equipe de produção, atrapalhando inclusive a fila da Imprensa — este que vos escreve acabou perdendo o show de Tássia Reis.
Assim que entrei no festival, ficou evidente o cuidado com as ativações de marca, que estavam por toda parte e muito bem integradas ao ambiente. A Heineken, por exemplo, trouxe uma inovação ao instalar máquinas automáticas de chope: bastava fazer o pagamento em um totem eletrônico para retirar a bebida em poucos segundos. Como já havia acontecido na edição anterior, a marca também manteve seu próprio palco, que apresentou nomes promissores da cena alternativa nos intervalos entre os shows principais. Passaram por lá artistas de estilos variados, do indie ao rap, como Jadsa, Moor Mother, Vera Fischer Era Clubber e Yago Oproprio.
Outros patrocinadores também marcaram presença: a Rádio Rock e a Alpha FM (esta última, grande responsável pela divulgação de Norah Jones no Brasil) distribuíram brindes para o público, enquanto a Chevrolet montou um estande para apresentar seu novo modelo, o Equinox. A produção do festival também acertou ao investir em conforto — havia mesas, cadeiras e até redes de descanso espalhadas estrategicamente pelo espaço, oferecendo momentos de alívio entre um show e outro.
The Lemon Twigs, banda nova-iorquina formada pelos irmãos Brian e Michael D’Addario, trouxe ao palco do Popload Festival uma proposta curiosa e bem definida: um mergulho nostálgico no rock clássico das décadas de 1960 e 1970. A influência de nomes como The Beatles, Big Star e The Kinks não se limitou à sonoridade — ela se estendia também à estética, aos figurinos, à postura de palco e até aos instrumentos, remetendo diretamente à era de ouro do rock. Com um público ainda tímido e, em alguns momentos, visivelmente incomodado com o sol intenso, o duo destacou faixas como ‘My Golden Years’, ‘I’ve Got a Broken Heart’, ‘In My Head’, ‘I Wanna Prove to You’ e outras de sua curta discografia, criando uma verdadeira cápsula do tempo sonora. Sem dúvida, foi uma experiência peculiar — afinal, são raríssimas as bandas atuais que se propõem a revisitar esse estilo com tanta fidelidade e personalidade.

Na sequência, foi a vez do Terno Rei subir ao palco — banda que, de forma inquestionável, consolidou-se como um dos principais nomes do rock contemporâneo nacional. Com os elogiados álbuns Violeta (2019) e Gêmeos (2022), eles seguem lotando casas de shows em todo o país e participando de importantes festivais nacionais e internacionais.
No repertório, clássicos recentes como ‘Brutal’, ‘Solidão de Volta, ‘Yoko’ e ‘Esperando Você’ dividiram espaço com novidades: ‘Nada Igual’ e ‘Próxima Parada’, singles do novo álbum ‘Nenhuma Estrela’, lançado em abril nas plataformas digitais e que terá show oficial de estreia no final de junho, no Tokio Marine Hall.
Mas a grande surpresa da apresentação foi a participação especial de Samuel Rosa, eterno vocalista do Skank. Ele subiu ao palco para cantar com a banda sucessos de seu antigo conjunto — ‘Resposta’ e ‘Balada do Amor Inabalável’ — e também para dividir os vocais em canções do próprio Terno Rei, como ‘Medo’ e ‘Dia Lindo’. Esta última, em especial, ganhou uma camada simbólica extra: o trecho “E a previsão de tempo errada / Diz que o dia hoje seria frio / Mas hoje fez um dia quente, hoje fez um dia lindo” casou perfeitamente com o clima do evento, que contrariou as expectativas e presenteou o público com um céu aberto e sol forte — para a infelicidade de quem veio preparado para o frio.

O set foi um verdadeiro presente para os fãs e concretizou uma parceria que, até então, só existia no universo virtual — mais especificamente em vídeos no YouTube. No palco, a colaboração ganhou vida e emocionou quem presenciou esse encontro inédito entre gerações da música brasileira.
Kim Gordon deu continuidade à programação com um set denso e experimental. A eterna vocalista do Sonic Youth subiu ao palco vestindo uma camiseta com os dizeres ‘Gulf of Mexico’ — um protesto sutil, porém contundente, contra declarações recentes de Donald Trump, que desde sua reeleição tem insistido em rebatizar a região como ‘Gulf of America’.
No repertório, Kim apresentou faixas de sua carreira solo, presentes nos discos No Home Record e The Collective. Músicas como ‘Bye Bye’, ‘The Candy House’, ‘Trophies’, ‘Dream Dollar’ e ‘Paprika Pony’ trouxeram ao palco uma sonoridade diferente, que transita entre o eletrônico, o indie rock, o noise e até o trap. Seu estilo vocal também chamou atenção: a artista utilizou a técnica conhecida como spoken word, que mistura performance sonora com leitura ou declamação, conferindo às canções um caráter quase narrativo ou poético.
Apesar da importância artística e política de sua presença, a proposta absurdamente experimental de Kim Gordon não conquistou grande parte do público do Popload, que reagiu com certa estranheza e indiferença. Ainda assim, sua participação foi um ponto marcante do festival, lembrando que a música também é espaço de provocação e protesto.

Logo após o encerramento do set de Kim Gordon, foi a vez da islandesa Laufey assumir o palco — sem dúvidas, a artista mais aguardada do Popload Festival 2025, chegando a ofuscar até mesmo a headliner Norah Jones. Ao longo do dia, era comum ver fãs caracterizadas com figurinos inspirados nos videoclipes e apresentações da cantora, evidenciando o fenômeno cultural que ela se tornou em tão pouco tempo.
Acompanhada por sua banda e por uma pequena orquestra, Laufey entregou uma performance impecável. Canções como ‘Dreamer’, ‘Falling Behind’, ‘Promise’ e ‘Lovesick’ foram entoadas em uníssono pelo público, que reagia como se estivesse diante de uma veterana da música pop mundial — algo comparável a presenciar shows de Madonna ou Beyoncé. No entanto, a artista tem apenas 26 anos, três álbuns lançados e sua primeira apresentação ao vivo ocorreu em 2021.
Durante o set, Laufey demonstrou não apenas uma voz suave e marcante, mas também domínio técnico em diversos instrumentos, incluindo violão, violino e piano. Sua sonoridade evoca a estética dos anos 1950, como se suas músicas tivessem saído diretamente da trilha sonora de um clássico do cinema da época, transportando a plateia a um universo atemporal e elegante. Além disso, a moça comentou que cresceu ouvindo Bossa Nova e usava elementos do estilo em suas composições.
O cuidado com a cenografia também impressionou: desde os figurinos retrô e a ambientação do palco até os efeitos visuais, tudo contribuía para criar uma atmosfera surreal. Laufey provou que a música contemporânea está em boas mãos — e deixou claro que, ao manter esse nível de entrega e conexão com o público, está no caminho certo para se tornar a próxima grande estrela pop a lotar estádios em turnês solo.

Após a atmosfera retrô e tranquila proporcionada por Laurey, St. Vincent incendiou o público com um set vibrante, que mesclava música eletrônica, rock alternativo e uma atitude marcadamente punk. Annie Clark mostrou uma presença de palco enérgica, embalando a plateia com um repertório dominado por faixas dos álbuns MASSEDUCTION e All Born Screaming, como ‘Big Time Nothing’, ‘Fear the Future’ e ‘Los Angeles’. Perto do encerramento, desceu até a plateia e cantou junto aos fãs, criando um momento de conexão intensa. Infelizmente, a iluminação do show foi excessivamente escura, o que dificultou a visualização em alguns pontos do espaço. Ainda assim, foi uma apresentação eletrizante e memorável.

Encerrando a nona edição do Popload Festival, subiu ao palco a nova-iorquina Norah Jones. Com um som suave, marcado por arranjos sofisticados e o apoio consistente de backing vocals, ela passeou por seu vasto repertório de sucessos atemporais, como ‘Sunrise’, ‘Little Broken Hearts’, ‘Running’ e ‘Paradise’. Durante a execução de ‘I Just Wanna Dance’, houve uma queda dos PAs, mas o problema foi rapidamente resolvido. Um dos momentos mais especiais da noite foi a participação de Laufey no clássico ‘Come Away With Me’. Ao som da voz doce de Norah interpretando ‘Don’t Know Why’ — originalmente de Jesse Harris & The Ferdinandos — o público se despediu de um dia repleto de boa música. Embora seu show não tenha exibido a mesma estética marcante do de Laufey nem a intensidade de St. Vincent, sua presença como headliner foi plenamente justificada pelo peso de sua trajetória e legado musical.
Comparado à sua oitava edição, o Popload Festival apresentou avanços notáveis. As filas gigantescas, que haviam sido alvo de críticas anteriormente, foram significativamente reduzidas, e a imprensa contou com uma sala dedicada, o que facilitou bastante o trabalho de cobertura. No entanto, um problema persistente foi a indefinição nos horários, que resultou em cortes em diversas apresentações — sendo o exemplo mais evidente o da banda Terno Rei, que teve duas músicas retiradas do setlist. Ainda assim, o festival se destaca por sua curadoria de alto nível e por oferecer atrações de qualidade internacional. O público paulistano é, sem dúvida, privilegiado por contar com um evento desse porte, que reflete um compromisso genuíno com a música.
Fotos: André Santos (credenciado pelo site Sonoridade Underground)
Texto: Guilherme Góes
Agradecimento especial: Maria Correia (Heavy Metal Online / Metal no Papel)