Em 2016, a banda estadunidense Pierce The Veil se apresentou no Brasil, protagonizando um show “meio que indiferente” no Carioca Club, durante a turnê disco Misadventures – um lançamento relativamente “morno”, que não conseguiu render nenhum single expressivo, cuja qualidade duvidosa foi apontada até mesmo por Vic Fuentes, frontman do conjunto. Em uma entrevista ao portal Rock Sound, o vocalista afirmou:
“Meio que representa nossas vidas pelos últimos anos que estávamos gravando este álbum. Todos os passos diferentes que foram tomados, os lugares diferentes que este nos levou. É uma daquelas coisas de quando você cria um plano e você sabe que às vezes as coisas não vão do jeito que você planejou. Meio que foi isso que aconteceu. Havia todas essas diferentes e inesperadas mudanças que apareceram no nosso caminho enquanto nós tentávamos encontrar o fim do álbum. É isso que o título representa.”
Quase sete anos após sua última visita a maior nação da América Latina, o grupo voltou ao país no último domingo (9) com um novo e elogiado material para apresentar: The Jaws of Life, lançado em fevereiro deste ano. O álbum é uma colaboração com figuras proeminentes do cenário alternativo, como Brad Hargreaves (baterista do Third Eye Blind), Paul Meany (vocalista do Mutemath) e a cantora indie Chloe Moriondo. Com influências de grunge, screamo e rock alternativo, o disco demonstra o amadurecimento musical do conjunto após um breve hiato nas atividades, chegando a receber nota “4/5” na revista Kerrang!, e nota “4,5/5” na Louder Sound.
Formado em San Diego, Califórnia, em 2006, Pierce The Veil foi um dos nomes mais bem sucedidos do cenário rock no início dos anos 2000. “Surfando” na onda do movimento emo ao combinar letras emocionais sobre amor, perdas, términos de relacionamentos e solidão com instrumental pop-punk e passagens screamo nos excelentes Selfish Machines (2010) e Collide with the Sky (2012), Pierce The Veil rapidamente recebeu visibilidade na mídia e conquistou uma base de fãs dedicada.
Até hoje, músicas como ‘King for a Day‘ e ‘Caraphernelia’ são conhecidas como verdadeiros marcos da cultura pop da década de 2010. Outra curiosidade que vale destacar: no Brasil, o conjunto se tornou extremamente entre seguidores da tribo urbana “From UK”, uma interpretação “abrasileirada” do estilo scene kids norte-americano/europeu.
No entanto, com o declínio do “hype” do emo, a banda tentou mudar para uma sonoridade hardcore/skate punk, sem sucesso, o que resultou em alguns lançamentos ruins. Além disso, uma série de polêmicas envolvendo o fundador Mike Fuentes acabou comprometendo a carreira do grupo, levando a uma breve pausa para reformulação.
No entanto, com a ajuda do aplicativo TikTok (a música ‘King for a Day’ se tornou viral em vídeos na plataforma em 2022) e um novo material competente, Pierce The Veil está conseguindo retornar aos poucos ao cenário mainstream. Para uma compreensão mais aprofundada da história da banda, recomendo o excelente vídeo do canal Punk Rock MBA.
Chegando no endereço do clube, a cena impressionava: uma multidão de pessoas formava em uma fila gigantesca, que se estendia desde a porta da Audio até o final da viela que dava acesso à estação de metrô Palmeiras – Barra Funda.
Além disso, era notável que a maioria dos presentes tinha menos de 25 anos, e que provavelmente conheceram a banda no aplicativo TikTok, demonstrando a importância da plataforma na definição de tendências culturais, musicais e de vestimentas. É como se a rede social fosse uma espécie de “MTV da nova geração”, ditando qual será a “moda da vez”.
Ao adentrar a casa, mais manifestações fervorosas de devoção. Uma hora antes do início da banda de abertura, as pistas e camarotes estavam completamente abarrotados, e os seguidores do grupo estadunidense exibiam cartazes personalizados com letras de músicas e mensagens de admiração aos seus ídolos.
Pontualmente, às 19h, uma sonora pré gravada de violinos anunciou a chegada do quarteto metalcore paulistano Gloria, que iniciou o set com ‘Vai Pagar Caro Por me Conhecer‘, um clássico de seu álbum homônimo. Para alternar com o “momento nostalgia”, veio ‘Karma’, presente em Acima do Céu, último registro full lenght com o guitarrista/vocalista Elliot na formação.
O show continuou com mais algumas músicas recentes, como ‘Voa‘ e ‘A cada dia‘, que são caracterizadas por riffs pesados com fortes influências de nomes como Trivium e Atreyu. Nesta ocasião, destaque para a presença de palco do vocalista Mi, que estimulou a galera o tempo todo a se digladiar no moshpit.
Aproveitando a ocasião especial, os rapazes divulgaram sua próxima turnê, que celebrará os 10 anos de lançamento do álbum (Re)Nascido. Assim, eles seguiram com ‘A arte de fazer inimigos‘, ‘Bicho do Mato‘ e a emblemática ‘Horizontes‘, onde o público acabou assumindo o refrão cantado por Lucas Silveira, da Fresno.
Questionando acerca de “Quem viveu a época do emo?”, Mi levou o público de volta ao ano de 2009 com os singles ‘Anemia‘ e ‘Minha Paz‘. “É assim que a cena se mantém viva: com você comparecendo aos shows”, comentou o frontman antes de encerrar o set com ‘Asas Fracas‘, que contou inclusive com um wall of death na pista.
Com um repertório especial repleto de hits de diferentes fases, Gloria protagonizou uma apresentação avassaladora, que acabou cativando todo o público. No entanto, imagino que a escolha da banda para a abertura do evento não foi a mais adequada, já que sua sonoridade metalcore é marcada por stomps e breakdowns pesados, ou seja: um estilo nada compatível com o último lançamento do Pierce The Veil.
Apesar disso, a banda foi extremamente competente e entregou uma performance de alta qualidade, evidenciando todo o talento dos músicos em cena.
Após a despedida dos integrantes do Gloria, os DJs mantiveram a energia e a ansiedade dos fãs com uma seleção precisa de alguns dos principais clássicos do movimento emo dos anos 2000, incluindo ‘All I Want’ do A Day To Remember, ‘First Date’ do Blink 182, ‘Ocean Avenue’ do Yellowcard e ‘The Middle’ do Jimmy Eat World.
Com 4 minutos de atraso em relação ao horário oficial, o bolero ‘El Rey‘ de Vicente Fernandez começou a tocar pelos alto-falantes, resultando em gritos ensurdecedores dos fãs. Aproveitando o clímax de total euforia, Vic Fuentes (vocal/guitarra), Tony Perry (guitarra), Jaime Preciado (baixo) e Loniel Robinson (baterista de turnê) subiram ao palco detonando tudo com ‘Death Of An Executioner’, a faixa de abertura de The Jaws of Life.
De forma apaixonada e intensa, os seguidores mostraram que estavam familiarizados com o novo disco, berrando cada palavra da faixa que apresenta uma base voltada ao indie/alternativo.
Sem perder o ritmo alucinante, o quarteto mandou ‘Caraphernelia’, um clássico do “screamo 2010″, que pode ser considerado como o segundo maior sucesso do Pierce The Veil.
Durante a música, Vic e Jaime realizaram alguns saltos sincronizados, que combinaram perfeitamente com as explosões dos lançadores de fumaça, criando um espetáculo visual de tirar o fôlego.
Os fãs mal tiveram tempo para respirar quando Loniel engatou as batidas iniciais de ‘Pass The Nirvana’, o principal single do novo material, que foi recebido com gritos ensurdecedores pelo público. Durante a performance desta faixa, o pessoal da pista organizou o primeiro circle pit expressivo da noite comandados pelos gritos do vocalista no refrão (um dos poucos gritados nesse novo disco).
A energia não diminuiu e a multidão continuou a moshar durante ‘Bulls In The Bronx’, que pode ser considerada uma das melhores músicas da fase em que a banda decidiu explorar o hardcore, apresentando excelentes viradas e um blast beat veloz.
Para acalmar os ânimos, a escolhida foi ‘Emergency Contact’, um popzinho meloso também presente em The Jaws of Life, que poderia facilmente ser usada como trilha sonora em um filme teen ou série romântica. Nesta ocasião, as luzes do cenário foram desligadas, e o público acompanhou ligando as lanternas de seus celulares.
Apesar de Vic ser o frontman, foi o baixista Jaime Preciado que roubou a cena no palco. Com uma energia incrível, ele corria de um lado para o outro, pulava dos amplificadores e pedia o máximo de reação dos fãs. Em ‘Stained Glass Eyes And Colorful Tears’, o maluco chegou a rolar pelo chão, o que resultou em uma cena hilária.
Para fugir do “mais do mesmo”, o conjunto decidiu apresentar algumas surpresas, como uma versão acústica de ‘Bulletproof Water’ e interpretações com bases diferentes em ‘Disasterology’ e ‘Circles‘, que se afastaram das suas versões originais.
Além disso, em ‘Hold On Till May’, Vic convidou uma fã ao palco para assumir o refrão da música. Após esse momento emocionante, que contou com uma salva de palmas geral, o set regular foi encerrado com ‘A Match Into Water’.
Depois de um breve intervalo, ‘Dive In‘ e ‘King for a Day‘ trouxeram uma atmosfera de show de estádio ao pequeno espaço da Audio. Para os atos finais, incluindo o maior sucesso da carreira, jatos de fumaça e um jogo de iluminação explosivo foram utilizados com maior intensidade, proporcionando uma experiência memorável. Completamente enlouquecidos, os fãs cantaram a plenos pulmões a canção que é a cara da adolescência dos anos 2000.
Assistir o Pierce The Veil em seu “retorno triunfante” foi uma experiência incrível, repleta de nostalgia e energia pura. A banda conseguiu criar uma atmosfera de estádio em uma casa de espetáculos de médio porte, saindo da “mesmice” e transformando sua apresentação em um evento realmente especial.
Ao observar a transformação exitosa do grupo em um show lotado em um dos principais clubes da cidade após quase uma década do auge de seu movimento, constatei que os californianos músicos excelentes, na qual os próximos passos certamente merecem ser acompanhados.
Setlists
Gloria
Vai pagar caro por me conhecer
Karma
Voa
A cada dia
Horizontes
A arte de fazer inimigos
Bicho do mato
Minha paz
Anemia
Asas fracas
Pierce The Veil
Death of an Executioner
Caraphernelia
Pass the Nirvana
Bulls in the Bronx
Emergency Contact
Stained Glass Eyes and Colorful Tears
Bulletproof Love
Disasterology
Circles
Hold On Till May
A Match Into Water
Bis
Dive In
King for a Day
Gloria
Pierce The Veil
Texto por Guilherme Góes
Fotos por Jefferson Marques