Lisboa, 9 de janeiro de 2025
Exmo. primeiro-ministro, Sr. Luís Montenegro,
Na condição de imigrante tenho o dever de reconhecer que o senhor, afinal, tem razão: Portugal nunca esteve tão violento!
A desregulação dos preços das rendas, os contratos de arrendamento com curta duração ou inexistentes, os juros elevados do crédito à habitação, com a banca e os especuladores lucrando como nunca, justamente com quem precisa de um teto para viver; a falta de alojamento estudantil e a condenação de um jovem a viver na casa dos pais até a fase adulta; ter que escolher entre pagar 900€ por um T0, ganhando menos de 1000€ de salário, ou comer e ser despejado sem alternativa digna de habitação, tendo que viver como vivem cerca de 15 mil pessoas que hoje estão em situação de sem abrigo neste país. O senhor primeiro-ministro tem razão, Portugal nunca esteve tão violento.
A violência que é a transferência de riqueza do Povo para os grandes grupos econômicos, que hoje possibilita que seletos privilegiados durmam todos os dias 32 milhões de euros mais ricos. Portugal nunca esteve tão violento!
O aumento do custo de vida para todos os portugueses. Os baixos salários e pensões, a precarização do trabalho, a caducidade da contratação coletiva e todas as normas gravosas para os trabalhadores, que só favorecem os patrões, e a política retrógrada e escravagista que, em pleno 2025 insiste em destinar aos trabalhadores imigrantes os trabalhos mais indignos. Além de atrasado, Portugal nunca esteve tão violento!
A falta de investimentos e a precarização propositada do transporte público, do Serviço Nacional de Saúde, da Educação, das forças de segurança, dos serviços da AIMA, da Segurança Social, e a forma como este governo trata os trabalhadores de todos os setores; os trabalhadores das artes, da saúde, os professores e todos aqueles que verdadeiramente geram riqueza para este país… É verdade, senhor primeiro-ministro, Portugal nunca esteve tão violento!
As privatizações de empresas estratégicas, a falta de incentivos à produção nacional, com a desindustrialização massiva em todo o país, a submissão à União Europeia e o desprezo pela soberania de Portugal e de outras nações, com o apoio e o financiamento de guerras e genocídios. O não reconhecimento da Palestina como Estado livre e soberano. Portugal nunca esteve tão violento!
A violência policial e da justiça, que sentiu na pele a Cláudia Simões, o assassinato de Odair Moniz e de tantos outros trabalhadores cujo único crime é a cor da pele ou a etnia. Portugal nunca esteve tão violento!
A promoção do ódio promovida pelo próprio governo, como forma de governar, inclusive com a instrumentalização das forças de segurança para jogar uma população contra a própria população. O esvaziamento propositado dos sentidos de comunidade, de pertencimento e de justiça são práticas tão distantes dos valores que Abril nos abriu, senhor primeiro-ministro, Portugal nunca esteve tão violento!
A presença de 50 fascistas na Assembleia da República e a normalização de forças reacionárias, racistas e xenófobas como partidos políticos. Portugal nunca esteve tão violento!
Se repararmos bem, pôr a polícia a procurar criminosos na rua Benformoso ou nas periferias de Lisboa e do país, lugares onde se vive uma maioria absoluta de trabalhadores, é instrumentalizar e tornar indigno o próprio trabalho das forças de segurança. Se este governo realmente quiser acabar com a violência, deve, sim, ir à Assembleia da República e lá ordenar à polícia que coloque contra a parede toda a bancada do PSD/CDS, PS, Chega e IL, bem como os acionistas dos grandes grupos econômicos que estas forças representam. Assim conseguirão alcançar aqueles que têm sido os únicos e verdadeiros protagonistas de violência contra o povo português, contra os imigrantes e contra a Constituição da República Portuguesa.
Aliás, senhor primeiro-ministro, permita-me com todo o respeito (que o senhor nunca teve com os imigrantes), dizer que V. Exª ficaria muito bem encostado à parede pela polícia. Quem sabe assim, aprenderia a respeitar e valorizar aqueles que, longe dos seus próprios países, geram generosamente grande parte da riqueza de Portugal.
NÃO NOS ENCOSTEM À PAREDE!
No dia 11 de janeiro, às 15 horas, em Lisboa, vamos sair à rua, da Alameda Afonso Henriques ao Martim Moniz, contra o racismo e a xenofobia, para exigir dignidade, direitos sociais e liberdade para quem vive e trabalha em Portugal. Queremos que as promessas de Abril se cumpram.
Texto por Jorge Filho, escritor, profissional de comunicação, ativista do movimento pelo direito à habitação Porta a Porta – Casa Para Todos, e outras organizações de imigrantes em Portugal.
