Ao menos para os fãs da face mais underground do metalcore — uma das vertentes mais relevantes da música pesada no século XXI — São Paulo se tornou o ‘centro do mundo’ nos primeiros dias de abril de 2025. Algumas semanas atrás, a cidade recebeu o show do The Amity Affliction, um dos gigantes do gênero, que se apresentou no tradicional Carioca Club. Já no último sábado, dia 12, foi a vez dos paulistanos conferirem ao vivo outra grande força da cena: os estadunidenses da Silent Planet, que subiu ao palco do clube City Lights. O evento foi organizado pela New Direction Production, produtora que amplia agora seu leque de atuações, até então voltado principalmente ao hardcore, emo e pop punk.
Formado em 2009 na cidade de Azusa, Califórnia, o conjunto combina influências de post-rock atmosférico com a agressividade do metal pesado. O grupo é reconhecido por suas composições intensas e letras profundas, que exploram temas como guerra, religião, psicologia e questões sociais – sendo até mesmo rotulado como ‘metalcore cristão’. Já o nome foi inspirado no romance Out of the Silent Planet, de C.S. Lewis. Ao longo da carreira, lançaram cinco álbuns de estúdio — entre eles Superbloom (2023), trabalho que marcou uma nova fase criativa após um grave acidente de van sofrido em 2022.
A abertura da noite dedicada ao metal pesado ficou por conta do Distant Shores. A banda apresentou uma sonoridade metalcore com influências perceptíveis de nomes como AXTY e Polaris, além de toques de djent que adicionam camadas atmosféricas ao som. Mesmo diante de um público ainda reduzido, os presentes demonstraram interesse e engajamento, com direito a moshpit ao longo do set.
Na sequência, subiu ao palco o Emmercia — nome criativo que vem conquistando cada vez mais atenção na cena atual. Com um som marcado pelo peso do metalcore, o grupo surpreendeu ao incorporar elementos de gêneros distintos em suas composições. Em faixas como ‘Speed x Drama’, ‘Cegueira Branca’, ‘Prapará’ e ‘Um Novo Jeito’, foi possível notar influências de pop, eletrônico e até mesmo MPB, com passagens pré-gravadas que incluíam violino e saxofone. O impacto da banda no underground paulistano já é evidente: fãs vestindo camisetas do grupo cantavam todas as músicas com entusiasmo na linha de frente do palco.
Encerrando o bloco de atrações nacionais, o Nations veio com uma sonoridade mais agressiva que as bandas anteriores, influenciada por elementos de hardcore beatdown. Em um set enxuto de apenas cinco músicas, o grupo incendiou o público com sessões intensas de crowdkilling — uma versão ainda mais extrema do moshpit. Um dos destaques foi ‘Reconnecting‘, faixa que aborda o período da pandemia da COVID-19 com certa carga emocional.
Devido à curta duração do set do Nations, houve um intervalo menor para a montagem do palco, o que fez com que a atração principal começasse alguns minutos antes do previsto. Antes da entrada dos estadunidenses, o produtor Bruno Genaro anunciou, em primeira mão, uma parceria entre a NDP e a marca ‘Banda da Casinha‘ para trazer ao Brasil a turnê do Tiny Moving Parts. Com a casa agora completamente lotada, Garrett Russell (vocais principais e guitarras), Mitchell Stark (guitarras, vocais limpos e teclados), Alex Camarena (bateria) e Nick Pocock (baixo) deram início ao show com ‘Offworlder‘ e ‘Collider‘ — duas faixas caóticas e intensas, recheadas de bases eletrônicas, breakdowns pesadíssimos e viradas explosivas com stomps no prato china. Desde os primeiros minutos, o público respondeu com rodas de pogo e stage dives.
Após o início destruidor, Garrett compartilhou a emoção de finalmente estar no Brasil após 15 anos de estrada, e emendou a fala com ‘Euphoria‘ — música que começa com uma introdução eletrônica quase dançante, mas que logo mergulha em uma atmosfera pesada. Durante a performance, projeções com nuvens de fumaça roxa criaram uma ambientação psicodélica. Em ‘Dreamwalker‘, a estética retrô tomou conta do palco com efeitos que simulavam gravações em fita VHS. Já em ‘Antimatter‘, o maior sucesso da banda, o público cantou em uníssono sob um cenário visual que remetia a uma Tóquio futurista e cyberpunk. Em ‘Panic Room‘, que trata de estresse pós-traumático, imagens inspiradas no famoso teste de Rorschach reforçaram o clima tenso da faixa. Apesar da produção simples, o Silent Planet apostou em efeitos visuais marcantes e bem executados, que dominaram a segunda parte do set.
Se o bloco anterior foi guiado pelo impacto visual, a reta final do show teve como destaque a conexão emocional entre banda e plateia. Em ‘:Signal:’ — faixa com presença marcante de sintetizadores e vocais guturais — Garrett dedicou a música a Isadora, manager responsável pela turnê na América Latina, e aproveitou para reforçar a importância da participação feminina na cena. Em ‘Anunnaki‘, a violência tomou conta com um wall of death que envolveu o público de ponta a ponta da casa. No extremo oposto, ‘Cornfield Chase’ trouxe um momento de introspecção: Garrett convidou o público a fechar os olhos e meditar brevemente, criando uma experiência inédita para os fãs. O set prosseguiu com ‘The Overgrowth’, ‘Mindframe’ e ‘SUPERBLOOM’. Entre as músicas, o vocalista aproveitou para criticar figuras como Jair Bolsonaro e Donald Trump, denunciando seus discursos autoritários e estratégias de divisão política.
Após um breve intervalo, o grupo retornou para o bis. A primeira foi ‘Native Blood’, que contou com invasão de palco e ainda mais caos. Em seguida, veio ‘Trilogy‘, momento em que Garrett emocionou o público ao revelar que já pensou em tirar a própria vida, mas que a música o ajudou a seguir em frente. Durante a canção, ele fez crowdsurfing e cantou abraçado pelos fãs, encerrando a noite com intensidade e emoção.
Algumas horas após o show, Garrett Russell afirmou em uma publicação na rede social X que a apresentação em São Paulo foi uma das melhores de toda a sua carreira — e destacou que jamais havia presenciado um público cantando mais alto do que a própria banda no palco. Um comentário que, por si só, já diz muito sobre o quão insana e inesquecível foi a noite.
Fotos: Gabriel Ramos (@gabrieluizramos) — Profissional credenciado pelo site Roadie Crew, que gentilmente compartilhou seu trabalho com a Hedflow
Setlists
Distant Shores
Intro
So Cold
Ego
Without You
Borderline
Ozymandias
Emmercia
Speed X Drama
Cegueira Branca
Prapará
Pescador de Tormentas
Um Novo Jeito de Se Machucar
Um Em Poucos Todos Nós
Nations
Arca
Identity
Reconnecting
Madness
Warship
Silent Planet
Offworlder
Collider
Euphoria
Dreamwalker
Antimatter
Panic Room
:Signal:
Anunnaki
Cornfield Chase The Overgrowth
Mindframe
Panopticon
SUPERBLOOM
Bis
Native Blood
Trilogy