Touché Amoré lota City Lights e prova que emoção é o combustível do hardcore

Quem esteve no clube City Lights no último sábado (10) presenciou mais do que um simples show: viveu um verdadeiro culto de devoção à música. A apresentação evidenciou que a cena independente pode ser tão impactante quanto o mainstream, reunindo fãs intensamente conectados à arte e à trajetória de seus ídolos.

Na ocasião, São Paulo recebeu o aguardado retorno do Touché Amoré, que não se apresentava na cidade havia mais de uma década. Formado em Los Angeles em 2007, o grupo é considerado um dos pilares do post-hardcore contemporâneo. Com letras confessionais e emotivas, aliadas a uma sonoridade que equilibra fúria e fragilidade, o conjunto construiu uma base sólida de admiradores ao redor do mundo. Álbuns como Stage Four (2016) — que trata da perda da mãe do vocalista Jeremy Bolm — e Lament (2020), produzido por Ross Robinson, marcaram a discografia da banda com uma honestidade brutal e uma constante evolução musical.

Nesta nova passagem pelo Brasil, a banda trouxe ao palco o repertório de seu mais recente álbum, Spiral In A Straight Line, lançado em 2024. O evento foi realizado pela NDP, produtora que, desde março deste ano, vem agitando a cena underground paulista com uma programação voltada para o que há de mais relevante na música alternativa.

Para a abertura da noite, duas bandas perfeitamente sintonizadas com a proposta do headliner foram escaladas. Com o público ainda chegando, quem deu início aos trabalhos foi o Janeiro Industrial, grupo de Sorocaba que apresentou um som com fortes influências de pop punk e emo. O setlist destacou faixas do EP Alteridade (2024), como ‘Meia Noite’, ‘Sorocaba, 2021’ e ‘Olvidar’. Para agradar os fãs mais nostálgicos, incluíram também um cover de ‘Whole’, da banda Basement, resgatando o espírito emo dos anos 2010.

Na sequência, já com a casa completamente lotada, subiu ao palco o De Carne e Flor, banda da capital em atividade desde antes da pandemia de COVID-19. Com uma discografia mais robusta — que inclui o EP ‘Teto Não Familiar‘ e um split com o grupo chileno Cienfuegos —, o quarteto apresentou um som caótico e visceral, marcado por influências de chaotic hardcore, linhas instrumentais dissonantes e uma performance vocal que alternava entre screamo, vocais limpos e guturais. Em alguns momentos, o vocalista Bruno Araújo parecia estar recitando poesia em transe, criando uma atmosfera intensa que cativou o público. A sintonia foi tanta que alguns fãs subiram ao palco para dividir o microfone com ele. A apresentação ainda contou com singles inéditos, para a alegria dos seguidores mais fiéis. Sem dúvida, foi um set intenso, aquecendo o clima com perfeição para a atração principal da noite.

Ao término das apresentações nacionais, foi feita uma breve pausa para a troca de cenário. Como já é tradição nos eventos da NDP, Bruno Genaro, idealizador da produtora, subiu ao palco para interagir com o público. Em sua fala, anunciou que a NDP em breve realizará um evento com uma banda completamente fora dos estilos habituais da marca. Mas tranquilizou os presentes: o hardcore, o emo e o pop punk continuam sendo pilares da produtora.

Com a casa lotada a ponto de dar a sensação de superlotação, Jeremy Bolm e companhia surgiram no palco — e, antes mesmo da primeira nota, o público já tomava o espaço com stage dives. A abertura com ‘~‘ transformou o ambiente em um verdadeiro pandemônio, energia que continuou com ‘New Halloween’ e ‘Nobody’s’, principal single do novo álbum Spiral In A Straight Line. O clima era tão intenso que uma assistente da produção chegou a pedir que o público pegasse leve por alguns instantes.



Mesmo com a energia levemente controlada, a euforia seguiu firme, seja nas faixas mais introspectivas como ‘Green‘ e o single ‘Reminders‘ (conhecido pelo videoclipe com pets), ou nas mais agitadas como ‘Praise/Love’, ‘Pathfinder’ e ‘And Now It’s Happening in Mine’. Curiosamente, dias antes do show em São Paulo, a banda passou mal após comer algo no Peru e os integrantes chegaram à cidade debilitados. Ainda assim, essa condição passou despercebida diante da entrega visceral dos músicos. Todos os integrantes se doaram ao máximo no palco, convocando o público a retribuir com a mesma intensidade.

O vocalista Jeremy, embora não falasse muito, dividiu o microfone com os fãs em vários momentos e se mostrava genuinamente feliz. O domínio do setlist foi exemplar, alternando entre lançamentos recentes e clássicos da banda, como ‘Just Exist’ e ‘Honest Sleep’. A resposta do público foi arrebatadora: cantavam cada verso com tamanha entrega que, por vezes, sobrepunham a própria voz do frontman — como se estivessem em um culto emocional coletivo. O encerramento veio com ‘Flowers and You’, fechando o set com 21 músicas em cerca de 1h15 de pura emoção.




A espera de quase 11 anos foi recompensada com uma performance arrebatadora, setlist afiado e uma conexão única entre banda e plateia. Um show de beleza ímpar — e, para muitos, inesquecível.

Fotos: Day (@a_meninadasfotos/Musicult)




Setlist

~
New Halloween
Nobody’s
Green
Amends
Praise/Love
Reminders
Hal Ashby
Home Away From Here
Disasters
Harbor
And Now It’s Happening in Mine
Uppers/Downers
Come Heroine
Just Exist
Pathfinder
Palm Dreams
Rapture
Limelight
Honest Sleep
Flowers and You

Texto: Guilherme Góes

Agradecimento especial: Maria Correira

Touché Amoré lota City Lights e prova que emoção é o combustível do hardcore

Por
- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.