Texto retirado, na íntegra, do perfil da atriz no Facebook.

“Você deveria fodê-la para fazê-la perceber que ela é gay.” Ele disse isso sobre mim durante uma apresentação de ‘meet and greet’ antes de começarmos a filmar ‘X Men: O Confronto Final’. Eu tinha dezoito anos de idade. Ele olhou para uma mulher que estava de pé ao meu lado, dez anos mais velha que eu, apontou para mim e disse: “Você deveria fodê-la para fazê-la perceber que ela é gay.” Ele era o diretor do filme, Brett Ratner.

Eu era uma jovem adulta que ainda não tinha me entendido por mim. Eu sabia que eu era gay, mas não estava absolutamente certa disso, por assim dizer. Eu me senti violada quando isso aconteceu. Olhei para os meus pés, não disse uma palavra, apenas observei como ninguém mais o fez. Esse homem, que me lançou no filme, iniciou nossos meses de filmagem em um evento de trabalho com essa alegação horrível e sem ser questionado. Ele me expôs sem consideração pelo meu bem-estar, com um ato que todos reconhecem como homofóbico. Eu continuei a observá-lo no set, no qual ele continuou a dizer coisas degradantes para as mulheres. Lembro-me de uma mulher caminhando pelo monitor enquanto ele fazia um comentário sobre sua “boceta beiçuda”.

Todos nós temos o direito de tomar consciência da nossa orientação sexual de forma privada e em nossos próprios termos. Eu era jovem – apesar de já atriz por longa data – e fui isolada de diversas maneiras, crescendo em meio a filmagens e longe dos amigos. Essa exposição pública e agressiva me deixou com sentimentos de vergonha por muito tempo, um dos resultados mais destrutivos da homofobia. Fazer alguém se sentir envergonhado do que é  trata-se de uma manipulação cruel, projetada para oprimir e reprimir. Foi tirada de mim a autonomia em relação à minha própria capacidade de me definir. O comentário de Ratner se repetiu em minha mente muitas vezes ao longo dos anos, quando me deparei com a homofobia e lidei com sentimentos de relutância e incerteza sobre a indústria cinematográfica e meu futuro nela. A diferença é que agora posso me afirmar e usar a minha voz para lutar contra a insidiosa atitude de ‘transfobia’ e ódio a ‘queers’ em Hollywood e além. Espero que, tendo a posição que tenho, eu possa ajudar pessoas que estão lutando para serem aceitas e para terem a permissão de ser quem elas são, para prosperarem. Jovens vulneráveis, que não têm as vantagens que tenho, são muitas vezes diminuídos e levados a acreditar que não têm opções para viver a vida que eles deveriam liderar com alegria.

Entrei em uma briga com Brett em certo ponto. Ele estava me pressionando, diante de muitas pessoas, para usar uma camiseta que tinha ‘Equipe Ratner’ escrito nela. Eu disse que não e ele insistiu. Eu respondi: “Eu não estou na sua equipe”. Mais tarde, os produtores do filme foram ao meu trailer e disseram que eu “não deveria falar assim com ele”. Eu estava sendo repreendida, mas ele não estava sendo punido nem despedido pelo comportamento descaradamente homofóbico e abusivo que todos testemunhamos. Eu era uma atriz que ninguém conhecia. Tinha dezoito anos e não possuía ferramentas para saber como lidar com a situação.

Tenho sido uma atriz profissional desde os dez anos de idade. Tive a sorte de trabalhar com muitos colaboradores honrados e respeitosos por trás e na frente das câmeras. Mas, o comportamento que eu descrevo é onipresente. Eles (abusadores) querem que você se sinta pequeno, para torná-lo inseguro, para fazer você se sentir como se estivesse em dívida com eles, para que suas ações pareçam as culpadas de suas investidas indesejáveis.

Quando eu tinha dezesseis, um diretor me levou para jantar (uma obrigação profissional muito comum no meio). Ele acariciou minha perna debaixo da mesa e disse: “Você tem que fazer o movimento, porque eu não posso.” Eu não fiz e tive a sorte de me afastar daquela situação. Foi uma descoberta dolorosa: minha segurança não estava garantida no trabalho. Uma figura adulta, de autoridade (para quem eu trabalhava), pretendia me explorar fisicamente. Fui assediada sexualmente em um aperto de mãos, meses depois. Um diretor solicitou que eu dormisse com um homem, de vinte e poucos anos, e que depois contasse a ele como foi. Eu não quis. Isso foi o que aconteceu durante o meu décimo sexto ano de vida, uma adolescente na indústria do entretenimento.


Pesquisem na história o que aconteceu com menores que já descreveram abusos sexuais em Hollywood. Alguns deles já não estão mais conosco, mortos devido a abusos de substâncias e suicídios. Seus vitimadores? Ainda estão por aí, trabalhando. Protegidos mesmo enquanto escrevo isso. Vocês sabem quem eles são; eles foram assuntos de discussões a portas fechadas, assim como Weinstein foi. Se eu, uma pessoa com privilégio significativo, permaneço relutante e correndo algum risco simplesmente por citar o nome de uma pessoa, quais são as opções para aqueles que não têm o que tenho?

Lembremos que a epidemia de violência contra as mulheres na nossa sociedade afeta desproporcionalmente as mulheres de baixa renda, particularmente mulheres de cor, trans, ‘queers’ e mulheres indígenas, que são silenciadas por suas circunstâncias econômicas e profunda desconfiança de um sistema de justiça que absolve culpados perante evidências esmagadoras e continua a oprimir pessoas de cor. Tenho meios para contratar seguranças, caso eu me sinta ameaçada. Tenho riqueza e seguro para receber cuidados de saúde mental. Tenho o privilégio de ter uma plataforma que me permite escrever e publicar isso, enquanto os mais marginalizados não têm acesso a esses recursos. A realidade é que mulheres de cor, trans, ‘queers’ e mulheres indígenas têm liderado essa luta por décadas (desde sempre, na verdade). Marsha P. Johnson, Sylvia Rivera, Winona LaDuke, Miss Major, Audre Lorde… Vêm à memória, só para citar alguns. Misty Upham lutou incansavelmente para acabar com a violência contra mulheres indígenas, trabalhadoras domésticas e indigentes. Misty foi encontrada morta no fundo de um penhasco há três anos. Seu pai, Charles Upham, fez recentemente uma publicação no Facebook dizendo que ela foi estuprada em uma festa por um executivo da Miramax. As mais marginalizadas foram deixadas para trás. Como uma cisgênero e lésbica branca, eu me beneficiei, e obtive os privilégios que tenho, por causa dessas figuras extraordinárias e corajosas que lideraram o caminho e arriscaram suas vidas ao fazê-lo. A supremacia branca continua a silenciar pessoas de cor, enquanto possuo direitos adquiridos justamente por causa dessas lideranças. Elas são às quais devemos ouvir e aprender.

Esses abusadores nos fazem sentir impotentes e dominados por seu império. Não vamos esquecer sobre um juiz da Suprema Corte e um Presidente dos Estados Unidos. Um acusado de assédio sexual por Anita Hill, cujo testemunho foi desacreditado. O outro descrevendo com orgulho seu próprio padrão de assédio a uma repórter do entretenimento. Quantos homens da grande mídia – titãs da indústria – precisam ser expostos para compreendermos a gravidade da situação e exigirmos segurança e respeitos fundamentais que são nossos por direito?


Bill Cosby era conhecido por ser predatório. Os crimes eram dele, mas muitos eram cúmplices. Muitos mais escolheram olhar para o outro lado. Harvey era conhecido por ser predatório. Os crimes eram dele, mas muitos eram cúmplices. Muitos mais escolheram olhar para o outro lado. Continuamos a celebrar o cineasta Roman Polanski, que foi condenado por drogar e violar (pela via anal) uma jovem, e que fugiu da sentença. Um fugitivo da justiça. Eu ouvi a indústria criticar o comportamento de Weinstein e se comprometer a impor mudanças significativas. Mas, vamos ser verdadeiros, a lista é longa e ainda protegida pelo ‘status quo’. Temos trabalho a fazer. Não podemos olhar para o outro lado.

Eu participei de um filme do Woody Allen e é o maior arrependimento da minha carreira. Tenho vergonha de ter feito isso. Eu ainda tinha que encontrar a minha voz e não era quem eu sou agora, e me senti pressionada devido a um “claro que você tem que fazer esse filme do Woody Allen!”. Em última análise, no entanto, é minha a escolha de quais filmes eu decido fazer e eu fiz a escolha errada. Cometi um erro terrível.

Quero ver esses homens enfrentando o que eles fizeram. Eu quero que eles não tenham mais poder. Eu quero que eles se sentem e pensem sobre quem eles realmente são, sem seus advogados, sem seus milhões, sem seus carros elegantes, sem suas mansões, sems seus status de ‘playboys’ arrogantes.

O que eu mais quero é que isso resulte em cura para as vítimas. Para Hollywood acordar e começar a assumir a responsabilidade de que todos nós temos desempenhado um papel nisso. Quero que reflitam sobre essa questão endêmica e como essa dinâmica de poder e abuso leva a uma enorme quantidade de sofrimento. A violência contra as mulheres é uma epidemia neste país e em todo o mundo. Como essa cascata de imoralidade e injustiça moldam nossa sociedade? Um dos maiores riscos para a saúde de uma mulher grávida nos Estados Unidos é o assassinato. As mulheres trans de cor neste país têm uma expectativa de vida de trinta e cinco anos apenas. Por que não abordamos isso como uma sociedade? Devemos lembrar as consequências de tais ações. Problemas de saúde mental, suicídio, transtornos alimentares, abuso de substâncias, só para citar alguns.

O que temos medo de dizer e por que não podemos dizer isso? As mulheres, particularmente as mais marginalizadas, são silenciadas, enquanto os abusadores poderosos podem gritar tão alto quanto eles querem, mentir tanto quanto eles querem e continuar a lucrar com tudo.
Este é um julgamento aguardado. Deve ser. É triste que os “códigos de conduta” tenham que ser aplicados para garantir a experiência da decência e do respeito humano, que são fundamentais. A inclusão e a representação são as respostas. Aprendemos que o ‘status quo’ viabiliza um comportamento injusto e vitimizador para se proteger e se perpetuar. Não permitam que este comportamento seja normalizado. Não comparem erros ou atos criminosos por seus graus de gravidade. Não se deixem adormecer nas vozes das vítimas que se apresentam. Não parem de exigir nossos direitos civis. Sou grata a todos os que falam contra os abusos e traumas que sofreram. Vocês estão quebrando o silêncio. Vocês são revolução.

Um desabafo revolucionário de Ellen Page emerge dessa onda recente de denúncias de abuso

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