Pra quem não acredita no poder da música como agente de transformação social, o festival Abril Pro Rock deste ano pode ter sido uma grande decepção… Ou não!
É melhor pensarmos que o final de semana serviu de alerta aos que ainda deliram e acham que tudo corre bem no Brasil.
O ‘Baile Perfumado’, casa de shows localizada na Zona Oeste de Recife, abriu suas portas para receber momentos de rebeldia, afronta e muita música de peso. Peso nos ritmos, nas letras e na atitude…
Em tempos onde a liberdade de criação corre sérios riscos, foi emocionante saber que não estamos sozinhos e que muitos músicos acreditam na possibilidade de fazer a diferença através de sua arte.
Na sexta-feira (19), o grito feminista da Pussy Riot mostrou qual seria o viés dessa edição do festival.
Sem cerimônias, as russas chegaram perguntando: “QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?” .
Lembrando que Mônica Benício, companheira de Marielle Franco, marcou presença no festival.
No sábado as bandas Eskröta e Manger Cadavre? reforçaram a pergunta entoando também gritos de liberdade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (considerado um preso político por grande parte da população brasileira).
“Com fascista não se dialoga… Fascista se esmaga!”, gritou a vocalista Nata de Lima.
Definitivamente, ‘metaleiros reacionários’ não tiveram espaço no Abril Pro Rock 2019!
Música e Ativismo
A mensagem do The Mist foi reta e direta. O líder, Vladimir Korg, exibiu uma faixa com a palavra ‘Hate’ (que também é o nome de uma das músicas da banda) questionando o público que, certamente, já sabia a resposta.
“Vocês sabem o que move este mundo? O ódio!”, exclamou Korg.
Os caras do Desalmado também fizeram de sua apresentação um ato político, com direito a previsões sobre o futuro:
“Bolsonaro vai terminar como Mussolini: morto nos braços do povo!”, afirmou Caio Augusttus, vocalista da banda.
O Nuclear Assault, de forma um pouco mais discreta, também nos lembrou que “fascistas de verdade devem ser identificados”.
E, obviamente, não iria faltar força, grito e contestação por parte do Ratos de Porão, banda que está comemorando 30 anos de lançamento do clássico álbum ‘Brasil’.
‘Foda-se Bolsonaro’ foi a faixa da vez, além de uma bandeira do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) que acabou se tornando pano de fundo para apresentações do RDP!
O Abril Pro Rock foi muito mais do que um festival de música. Foi um grito de resistência de todos nós, “crucificados pelo sistema”.
Convidamos a Carla Falcão França, do Coletivo Mulesta e Cozinha Abolicionista, para contar mais detalhes sobre o Abril Pro Rock.
A força do Nordeste
Eu já acompanho o Abril Pro Rock durante muitos anos e posso dizer que essa última edição ficará marcada na história.
Tivemos muitas bandas com representantes mulheres, e, a cada ano, isso aumenta mais; graças a exigência do público feminino (que ganha força no nordeste e em todo o Brasil).
A presença de grupos como Eskröta (SP), Manger Cadavre? (SP) e Malcuth (PE) são as provas vivas de tudo isso!
No sábado (20/04) a Exorcismo (banda criada em Recife e responsável por um thrash metal com pegadas de speed metal) nos deu boas-vindas com uma apresentação bem explosiva.
O Pesado (outro grupo ‘das antigas’ aqui de Pernambuco) teve a honra de tocar no palco principal, mostrando toda a força do metal nordestino!
Já a Eskröta foi uma grande surpresa pra mim, pois eu tive uma impressão diferente ao vivo. Achei a pegada das minas muito ‘monstra’! E o mais bacana é que, durante o show, a mulherada se manifestou com um coro importantíssimo: “se cuida, se cuida, se cuida seu machista, a América Latina vai ser toda feminista!”.
O Flageladör (RJ) é outra banda que acompanho desde o início. Foi a sexta vez deles aqui no Nordeste. E como sempre o show foi matador, levando o público a cantar música por música, em total sincronia sinérgica!
Sobre a apresentação da Manger Cadrave? sou suspeita para falar. Mas, posso resumir dizendo que teve até mina quebrando a perna! Foi mesmo um momento totalmente ‘destruidor’ e representativo!
O ápice sem dúvidas foi quando a vocalista, Nata de Lima, rasgou uma bandeira na qual havia o rosto de Bolsonaro com um símbolo nazista na testa.
As pessoas foram a loucura, endossando gritos de “Lula Livre”.
Esse sem dúvida foi um dos shows mais impactantes do festival, pois houve uma troca de energia muito grande entre público e banda.
Depois desse rolê todo, o Desalmado vai ter que incluir, COM CERTEZA, o nordeste em TODAS as turnês!
A galera cantou junto o tempo todo, principalmente na hora de mandar ‘Is Not Your Business’, música que representa o corre das minas e toda a nossa luta dentro e fora da cena musical!
O número de mulheres no festival é algo que merece destaque. Sem contar no ‘mosh gigante’ SÓ COM MULHERES que se abriu quando o quarteto paulista tocou ‘Bridges’!
Foi mina ‘voando’ para todos os lados. Lindo de se ver!
Vi muitas delas indo pro mosh, dando stage dive, assumindo o front e cantando junto com cada uma das bandas!
Fiquei orgulhosa de ver essas guerreiras ocupando o seu espaço em um evento tão importante para a nossa cidade e para todo o país.
30 anos de ‘Brasil’
Apesar do Ratos de Porão tocar aqui praticamente todo ano, os shows são sempre incríveis!
Acho que os hematomas dos meus braços e pernas corroboram bem esse sentimento! (Rss.)
O espetáculo foi intenso, principalmente por conta da comemoração de 30 anos de ‘Brasil’, álbum que marcou toda uma geração, e que até hoje é capaz de descrever o nosso país de um jeito muito verdadeiro e caótico!
Deixei todos os meus demônios na imensa roda que se formou aos gritos de “foda-se Bolsonaro!”. Ou seja: os caras cumpriram o seu papel!
Lembrando que os posicionamentos políticos de uma banda com o porte do Ratos, reforça e ajuda na resistência de todos nós!
Arte para todos!
O artista Alcides Burn, além de ser um dos produtores do Abril Pro Rock, também é o responsável por criar capas de discos de várias bandas regionais e nacionais.
O trabalho realizado por ele é de extrema importância no Recife, e em todo festival Burn faz questão de valorizar o trabalho de artistas locais!
Então, eu não podia deixar de destacar a exposição que rolou com várias obras realizadas por ele durante a ‘Feirinha Independente’, espaço também reservado à venda de artigos produzidos por pessoas que possuem algum tipo de ligação com o rock e com a música pesada.
Sai mais uma vez do Abril Pro Rock feliz da vida por testemunhar que o nordeste mais uma vez provou a sua importância dentro da história do rock pesado e da música extrema brasileira.
O nosso público com certeza é um dos melhores… E ver as bandas reconhecendo isso é muito gratificante e nos dá forças para continuar!
Texto por Stefani Costa
Fotos por Maya Melchers