Mustache e os Apaches: um bate-papo sincero com Rubens da Selva


Quando se trata de música, acabo vivendo de algoritmos. O que facilita a vida, mas dificilmente me traz algo novo. 

Interagir com pessoas no mundo real ainda é a melhor forma de sair da bolha. E foi assim que descobri a banda Mustache e os Apaches.

O grupo teve início em 2011, sendo 2013 o ano em que eles participaram de festivais independentes, lançaram seu primeiro álbum e fizeram uma turnê pela Europa com o apoio do extinto Ministério da Cultura, através do edital de intercâmbio cultural.

Formada por Pedro Pastoriz (voz, violão e banjo), Lumineiro (washboard, voz e bateria), Axel Flag (voz, percussão e violão), Tomás Oliveira (voz e baixo) e Fernando Lima (percussão), a banda já conta com 5 álbuns: Mustache e os Apaches (2013), Chuva Ácida (2014), Time is Monkey (2015), Single (2017) e Três (2018).




No último dia 7 de junho tive a oportunidade de assisti-los no Auditório Oscar Niemeyer. Apesar do frio, a lua nova decorava o céu e embelezava ainda mais o palco situado na parte interna do Parque Ibirapuera.

Caminhando sobre o tapete vermelho até a entrada, é impossível não sentir a magia do local. A assinatura de Niemeyer está por todos os lados, navegando através das curvas em vermelho vivo, num local onde celebrar a arte é uma regra.

Os músicos começaram a apresentação com uma canção que me fez recordar o tom consciente e político, poético e filosófico, incisivo e inteligente que sempre estiveram presentes em grandes monstros da música brasileira, como Raul Seixas, Cazuza e Chico Buarque.

Ouvir a música servindo como forma de protesto, expressão artística e cultural é algo que me encanta, despertando o meu interesse pelo trabalho daqueles artistas.

‘Impressionante’, talvez, seja uma palavra efêmera para descrever o que vi. Por isso prefiro escolher ‘inesquecível’.

A banda tem uma levada folk e bluegrass, misturada com música cigana. As letras são inteligentes e profundas. Mesmo as canções mais ‘leves’ possuem alguma mensagem importante.



Durante o concerto, os músicos não deixaram de sorrir e de dançar com seus instrumentos. Nem o peso dos objetos foi capaz de impedir a sensação de que a banda flutuava ao tocar.

Lumineiro parecia um menino se divertindo no quintal; não deixou de interagir com o público nem por um instante.

A conexão da banda com quem os assiste é quase palpável e esse é o tipo de liga que falta em alguns grupos que alcançaram o mainstream.

Nos momentos em que Pedro Pastoriz assumiu o microfone, a performance se tornou mais intimista, fazendo com que cada um ali se sentisse em um espetáculo particular.

A música não se trata apenas de acordes acertados, mas também da humanidade em cada um de nós, nos relembrando que, apesar das diferenças, somos pessoas que buscam conexão e uma razão para continuar.

Em 2019, onde os tempos são tão difíceis, manter a esperança parece ser uma forma de resistir. Por isso, quando olho para bandas e artistas tão inspiradores quanto eles, fico tranquila.

Grandes nomes já nos deixaram, mas o poeta continua vivo em muitos artistas do Brasil. Este caminho vem sendo lindamente percorrido por Mustache e os Apaches, além de tantas outras bandas e artistas. Se dermos sorte, o tempo ainda nos apresentará àquelas que ainda não conhecemos.

Confira agora uma entrevista exclusiva com Rubens da Selva, voz, guitarra, bandolim e mochofone do Mustache e os Apaches!




Dani (Hedflow) – A banda tem uma influência artística muito grande, inclusive circense. Isso ficou bem claro durante o show no último dia 07. Você poderia comentar um pouco a respeito disso?

Rubens – Nem todos da banda começaram diretamente na música, o Lumineiro tem formação circense, começou fazendo malabares nos semáforos em BH. Através dele tivemos contato e nos apresentamos algumas vezes em picadeiros, inclusive no circo Zanni. Axel é artista visual além de músico, ele expunha seus trabalhos no Brique da Redenção em Porto Alegre. Além disso, as jug bands e grupos ciganos que nos inspiraram tinham esse apelo meio circense, meio teatro de rua.

Dani (Hedflow) – De onde vocês se conhecem?

Rubens – Quase todos nos conhecemos em Porto Alegre, por um acaso do destino viemos todos parar morando na mesma casa (São Paulo), no começo dos anos 2000. Era uma espécie de república independente para artistas. A mantínhamos praticamente com o dinheiro do chapéu.

Dani (Hedflow) – Os anos de 2013 e 2014 foram bem especiais para a banda. Vocês lançaram o primeiro álbum em 2013, fizeram turnê pela Europa, teve entrevista no programa do Jô. De lá pra cá, qual foi a maior conquista?

Rubens – Creio que nossa maior conquista tenha sido gravar mais dois álbuns e dois compactos, principalmente o último álbum, o ‘Três’, de maneira independente, numa época trevosa.

Dani (Hedflow) – Sobre a turnê que vocês fizeram na Europa, entendo que foi possível por conta do apoio do Ministério da Cultura na época. Você acredita que ainda seria possível realizar algo tão importante com o cenário político atual?

Rubens – O ministério da cultura está extinto, nesse governo. O pensamento que impregna esses poucos no poder, é uma inversão de valores total, o artista que é favorecido seja pela lei Rouanet ou qualquer edital que seja, é criminoso. A arte, a cultura, são antídotos contra esses canalhas, eles abominam qualquer coisa que os faça refletir.

Dani (Hedflow) – A banda conta com 6 integrantes, e os 6 ganham destaque no palco. Há uma preocupação para que todos brilhem como indivíduos?

Rubens – Não nos preocupamos muito com isso, acho que rola naturalmente. Há espaço para individualidade sempre que alguém quer se impor, seja no palco ou desde as composições. É uma escola anarquista. Nessa tour estamos trabalhando com uma diretora artística, pela primeira vez, e ela tem ajudado a nos organizar como grupo, dado mais ênfase as nossas interpretações individuais.

Dani (Hedflow) – A internet é a principal ferramenta para divulgação do trabalho dos artistas, mas é um trabalho árduo também. Nós recebemos muita informação o tempo todo, e muitas vezes trabalhos de qualidade acabam se perdendo no meio desta enxurrada de informações. Vocês tem alguma estratégia para se destacar no meio disso tudo?

Rubens – Relutamos por um tempo para aceitar ter que lidar com esse bicho doido, mas vimos que se não o dominamos ele nos engole. Nossa estratégia básica é a divisão de tarefas e acompanharmos a atualização das interfaces, que elas sempre estão atualizando e dificultando. Não é sempre que temos grana pra terceirizar esse trampo, então temos que nos puxar.

Dani (Hedflow) – Sabemos todo o trabalho que há, desde a composição, horas de estúdio, muito suor e grana envolvido, e muitas vezes isso tem menor impacto que uma selfie, digamos. Mas que impacto tem uma selfie para nós?

Rubens – Nenhum. Então temos que relaxar um pouco e não querer competir ferozmente contra o trivial, não precisamos ser caçadores de visualizações ou curtidas desde que tudo o mais esteja rolando. Acho que a principal estratégia é não se deixar engolir pelos algoritmos em todos os sentidos. Eles ditam o ritmo até de sua respiração.

Dani (Hedflow) – Existem delícias e dissabores em ser um artista independente. Se puderem, citem dois momentos que tenham marcado vocês, um muito bom e outro não tão bom assim.

Rubens – Das delícias, foi quando conhecemos o Grupo Galpão (BH) de teatro, viajamos em caravana pelo Circuito SESC de Artes, vimos 9 apresentações deles e nos conhecemos, fizemos festa. Isso nos inspirou muito e mudou nossa percepção de palco. Dos dissabores, foi quando fizemos um show no Teatro Oficina, em plena votação do impeachment. Fizemos o show olhando pro telão, aquelas figuras grotescas, defendendo um golpe em nome da família e de deus. Saímos arrasados de lá. Foi o pior show da vida.

Dani (Hedflow) – Vocês convidaram Picanha de Chernobill, Santa Jam Vó Alberta e Teko Porã para tocar com vocês no auditório Oscar Niemeyer. Isso mostra que vocês são uma classe bem unida. Esta união ficou mais forte nos últimos tempos ou esta sempre foi uma característica do meio?

Rubens – Acho que ultimamente estamos nos unindo mais. Aqui e ali sempre tem umas panelas, uns focos mais fechados. Mas no geral, somos uma classe bem unida. Por pior que esteja o cenário político-social, isso despertou algo na sociedade como um todo, não somente na classe artística. Rola uma sensação de os parasitas terem tomado conta enquanto estávamos dormentes, numa bolha de excesso de confiança e comodismo. Temos que nos desvencilhar nas ruas, no face a face, desse plano cibernético, fascista e global.

Dani (Hedflow) – A letra de ‘Ah! Vida Errante’ tem o seguinte verso: 
“Suas armas, seus diamantes
E tudo que a terra há de engolir”

Estamos vivendo tempos difíceis em que a truculência, a ganância e a violência parecem não ter fim. Você acredita na música como forma de protesto?


Rubens – Sim, a música, assim, como o jornalismo, literatura e qualquer forma de manifestação cultural tem esse poder de denúncia, de ativismo. Quando fazemos simplesmente entretenimento estamos compactuando com o vigente.

Dani (Hedflow) – Falando em influência musical, quais são os primeiros nomes que vêm a sua cabeça?

Rubens – Temos das mais variadas. Desde The Memphis Jug Band a The Coasters, dos Mutantes a grupos da Nueva Canción Latino Americana como Inti Illimani e os Quilapayún.

Dani (Hedflow) – Se você pudesse indicar um livro, qual seria e por quê?

Rubens – “As veias Abertas da América Latina” do Galeano. Porque todo cidadão latino-americano tem que ter consciência sobre onde pisa, de onde veio e porque tudo está assim.

Dani (Hedflow) – Queria que vocês nos dessem nomes de 5 mulheres do mundo da música que vocês admiram.

Rubens – Só cinco é difícil, mas vamos lá: Nina Simone, Elza Soares, Yoko Ono, Mercedes Sosa, Violeta Parra.


Texto e entrevista por Dani Melo
Foto PeB por Cyndi Omoto

Foto de capa por Jonas Tucci

Mustache e os Apaches: um bate-papo sincero com Rubens da Selva

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