No livro ‘Guia Pussy Riot para o Ativismo’, escrito pela vocalista e ativista, Nadia Tolokonnikova, existem estas três regras:
• Faça você mesmo;
• Recupere a alegria;
• Seja um delinquente artístico.
Acredito que a banda Santa Jam Vó Alberta siga estas regras, mesmo que não seja intencionalmente.
À primeira vista eles nos lembram Mumford & Sons Brasileiros, porém, as semelhanças param nos instrumentos. Eles têm algumas vantagens sobre os gringos, entre elas, a brasilidade e a alegria contagiante!
Acredito que o papel da música seja conectar as pessoas, e a Santa Jam Vó Alberta faz isso como ninguém. Durante suas apresentações, é impossível não se sentir atingido. Manter os pés no chão enquanto eles tocam é quase um desafio.
Fui convidada pelo Ivan, que é vocalista da banda, para assistir a um ensaio na casa dele. O lugar é digno de uma descrição de Lewis Carroll.
Instrumentos musicais por todos os lados (alguns ainda em processo de fabricação, já que a casa serve também de carpintaria), livros, botas, discos, quadros, um Axl Rose dos anos 90 em uma parede, plantas, madeira e serragem dividem o mesmo espaço.
O lugar multifuncional recebe os músicos sempre, e dessa vez, me recebeu também.
Pude conhecer além do Ivan, Pedro Cury (violão), João Paulo (sanfona) e Pedro Ruivon (violoncelo).
Eles contam que tudo começou em uma marcenaria na Sumaré, São Paulo, onde eles recebiam os amigos para tocar. Os encontros evoluíram e viraram grandes festas. Depois de um tempo, a festa migrou para a casa do Dani, morador da Santa Cecilia, que batizou os encontros como Santa Jam.
Mas eles não perderam sua essência.
A banda continua se divertindo, mas não está para brincadeira.
Eles tocam versões de Beatles, Johnny Cash, Simon & Garfunkel e estão começando a investir no trabalho autoral também.
Quando digo que a banda faz versões, é porque eles vão além de um cover.
Posso dizer com a segurança de quem ama Beatles, que os caras trabalham com liberdade e respeito em cima dos clássicos, e nos trazem algo novo, algo tão bom de ouvir que possivelmente ganhariam a bênção dos grandes mestres.
Quanto ao trabalho autoral, a banda está para lançar um EP em breve, e deve vir coisa boa por aí.
Um gostinho da assinatura deles é a música ‘Royal Heart Blues’, composta por Bruno Motta, Dani Kowalski e Ivan Staicov.
Desde que banda surgiu, eles vêm se apresentando em São Paulo em diversas casas de música.
Participam de festivais por todo o Brasil, se apresentaram no TED e no TEDx em 2017, gravaram um Sofar e têm um documentário chamado Sinfonia Caipira, que está disponível em diversas plataformas digitais.
Dirigido por Denis Nielsen, o filme recebeu dois prêmios no Jukebox International Film Festival, realizado em Carson City, nos Estados Unidos em 2018.
Como não poderia deixar de ser, a Santa Jam Vó Alberta, que nasceu do encontro de muitos amigos, possui um núcleo fixo, onde todos são vocais e multi-instrumentistas.
São eles: Ivan Staicov (Zito), Danilo Ruiz (Dan – que precisa aprender a carregar o instrumento), João Paulo (Juju), Pedro Cury (Pedrinho), Pedro Marini (Magrão), Daniel Oliveira (Dani) e Bruno Motta (Bubba, que mesmo morando em outro país, ainda é parte da banda).
O outro núcleo é a órbita da Santa Jam: amigos músicos que estão sempre a postos caso haja a necessidade de substituições ou participações especiais. Neste último caso, por exemplo, quando a banda toca o especial Johnny Cash, quem faz a June Carter é a Lara, e Pedro Ruivon assume a guitarra.
Nós batemos um papo com Pedro Cury e Ivan Staicov. Confira!
Dani – Hedflow: Quando foi que a Santa Jam tomou forma e se tornou uma banda de verdade?
Pedro Cury/Ivan: Foi quando convidaram a gente pra gravar um Sofar. Ali a gente precisou organizar mesmo. Isso foi em Janeiro de 2017. No mesmo ano chamaram a gente pra tocar no TED, lá no Allianz. Aí a gente se deu conta que era uma banda. Ensaiamos mais, fizemos mais shows. Por causa do Sofar, pinta muito contato e contrato. No dia do TED tinha umas 100 mil pessoas no live e 12 mil pessoas no estádio. Olha que louco, né? Não é só o lance de quantidade de gente, mas é sobre atingir as pessoas com música, já vira uma loucura. Bateu uma responsa, aí não tinha mais como voltar atrás.
Dani – Hedflow: Sobre o Projeto Criançada da Roça, como surgiu? Vocês ainda estão tocando o projeto?
Ivan: Tem uma criançada lá no sul de Minas, em Sapucaí Mirim, que sofre com uma carência de cultura, e aí gente resolveu dar uma mobilizada pra dar aula de violão pra eles. Esse projeto rola até hoje, mas nem sempre a gente tá lá. Quando a gente vai pra lá, a gente dá uma checada e tal.
Pedro: A gente deu o pontapé inicial, fizemos um catado de violão aqui em São Paulo e levamos uns 20 violões pra lá. E deu certo. Tinha um professor que tava super a fim de fomentar esse projeto, e aí a gente ajudou com os violões e ele começou a dar aula lá. Assim as crianças vão pegando gosto pela música. O legal é que começa com um, e aí a banda toda abraça essas ideias.
Dani – Hedflow: Ainda sobre essas ações voluntárias, me contem um pouco sobre o projeto que rolou no Hospital das Clínicas.
Pedro/Ivan: Já faz um tempão que a gente não vai lá. Mas o que aconteceu, foi que em uma apresentação nossa, um garotinho que tinha um grau elevado de autismo acabou curtindo o som, e ele começou a balançar enquanto a gente tocava. A mãe dele ficou muito emocionada e veio falar pra gente que o filho não se comunicava há muito tempo. Nisso, uma pessoa viu a cena, e achou que seria uma boa ideia a gente tocar no HC. Teve uma festa de Páscoa lá, e a gente tocou na ala psiquiátrica. Nessa fase, muita coisa boa tava acontecendo com a banda, e a gente só queria dar um pouco do que estávamos recebendo. Foi bem legal.
Dani – Hedflow: Qual é a importância da música para vocês?
Ivan: Pra gente é muito importante sentir como a música se conecta com as pessoas. E quando a gente toca as versões de Beatles, por exemplo, a gente fica pensando nessa responsabilidade, se a galera vai se conectar, sabe? Nos shows, mesmo tendo setlist pronto, a gente vai muito pelo instinto também. Precisa fazer uma leitura de palco e leitura de público. Uma vez, em São Gonçalo lá em Minas, o som tava bem difícil de fazer por conta da infra, bem difícil de fazer mesmo. Aí no meio do show, a gente resolveu desligar tudo e tocar tudo desplugado no meio da galera. Foi massa. A galera pira quando a gente faz isso. E aí umas duas senhoras me chamaram muito a atenção porque elas ficaram com a cara fechada o tempo todo. Aí quando acabou, uma delas veio falar comigo “Ai, meu Deus, eu nunca vi uma banda no Brasil tocando Simon & Garfunkel, eu amei!”, só que ela amou do jeito dela, sabe?
João Paulo: A gente tocou num casamento uma vez, aí pediram pra gente ser ‘discretinho’, e no primeiro repertório já tinha copo quebrando, noivo chamando pra bate cabeça, noiva pulando. A reação das pessoas acaba sendo uma surpresa.
Dani – Hedflow: Ainda sobre como a música é capaz de conectar as pessoas, vocês têm alguma lembrança marcante?
Pedro Cury: Tem uma música que a gente toca sempre, que é Cecilia do Simon & Garfunkel. A gente tava num restaurante com uns amigos, e começamos a tocar essa música pra filhinha do Leo, que é amigo do Bruno, membro da banda. Enquanto a gente tocava Cecilia pra menina, ela ria, tava muito feliz. Aí a mãe dela começou a chorar, o Bruno começou a chorar, o Leo começou a chorar, eu comecei a chorar também sem saber porquê. Aí eu perguntei, “Bruno por que tá todo mundo chorando?”, aí ele falou, “É que a filhinha do Leo se chama Cecília, e ela colocou um aparelho auditivo pra conseguir ouvir ontem, cara.”
Dani – Hedflow: O que vocês entendem como sucesso?
Ivan: Sucesso pra gente não é uma palavra. A gente sabe o que a gente quer fazer, a gente sabe onde a gente quer chegar. A gente é uma banda de nicho. A gente quer entregar música na cara das pessoas, e estamos felizes demais com isso.
Dani – Hedflow: Se eu olhasse as playlists do Santa Jam, o que eu encontraria?
Pedro Cury: O João só ouve forró gravado com aparelhos precários. O Magrão é do rock`n roll pesado. Eu escuto muita música brasileira, Gilberto Gil, Caetano, essa linha de música. – gerou uma certa polêmica, mas Pedro confirmou gostar de Los Hermanos.
Ivan: Country, ragtime e jazz tradicional, pra caralho, tipo, 50’ pra trás.
Dani – Hedflow: Sobre o trabalho autoral, o que podemos esperar?
Pedro Cury: Tá no forno. No segundo semestre desse ano sai o primeiro EP, a gente lançou o primeiro single, Royal Heart Blues, no começo do ano passado. E logo mais tem mais coisa engatilhada. A gente fez o caminho inverso, né? Antes de ter um disco gravado, a gente tinha show marcado. É legal, é maravilhoso, mas a gente se viu num dado momento, com um tempo de banda, sem um disco gravado. E a galera falando, “Queria comprar um disco”, e aí eu falava, compra o do Metallica, é muito bom, vale a pena.
Dani – Hedflow: Contem um pouquinho de como surgiu essa ideia de fazer o documentário Sinfonia Caipira.
Pedro Cury: A gente conheceu o Denis que é diretor de cinema no casamento que a gente ia tocar. Ele viu e gostou. Disse que precisava filmar a gente. A história do documentário, é uma viagem que a gente fez pra tocar no festival Ibitiblues que acontece em Ibitipoca – MG , e mostra todo o perrengue e toda a alegria de tocar na Santa Jam. Nosso objetivo é fazer todo mundo aproveitar.
Dani – Hedflow: A Santa Jam surgiu como uma festa, o objetivo é levar esta festa pra onde vocês forem?
Ivan: Acho que sim, cara. Já que é pra fazer música a gente quer fazer pela catarse.
Pedro Cury: Minha intenção é sair de alma lavada no final do show, com a sensação de ter feito um negócio baita legal.
Ivan: A gente costuma falar isso quando anuncia um show: “Prepara a sua alma, que a vai chegar lavando ela com vap”.
Dani – Hedflow: Jogo rápido:
Dani – Hedflow: Johnny Cash ou Bob Dylan?
R: Johnny Cash, óbvio!
Dani – Hedflow: Um álbum dos Beatles:
R: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, pelo que ele representa no ponto de vista harmônico. É emblemático.
Dani – Hedflow: Como banda, qual é o maior sonho de vocês?
Ivan: Acho que é continuar tocando as pessoas, sabe?
João Paulo: Quando a gente lembra do senhorzinho na Argentina que chorou quando a gente tocou pra ele na rua, da Cecilia sorrindo, esse tipo de coisa significa muito, nosso sonho é continuar conseguindo fazer isso.
Dani – Hedflow: Se pudessem escolher um ídolo para conhecer, quem seria?
Pedro Cury: Gilberto Gil, tenho vontade de conversar com ele, é um dos meus maiores ídolos.
João Paulo: Qualquer um desses quatro, Gil, Caetano, Chico e Bethânia.
Pedro Ruivon: Tom Zé.
Ivan: Wynton Marsalis.
Dani – Hedflow: E quais são as mulheres da música que vocês mais admiram?
Ivan: A Bethânia, pra caralho. Alberta Hunter, que é quem batiza a banda, June Carter, sem dúvida.
Pedro Cury: Elza Soares, Elis Regina e Nina Simone
Texto por Dani Melo