Via Evandro Pimentel |Redbull – Não faz muito tempo, a cena rap no Brasil era basicamente feita de homens. No início dos anos 90, quando o movimento começou no país, poucas mulheres se aventuravam pelo estilo.
Mas foi justamente nessa época que Mayra Maldjian, hoje DJ do coletivo Rimas & Melodias, um dos maiores expoentes do rap feminino, começou a se interessar pelo gênero.
“Eu não tive aquela vivência de frequentar loja de disco no Centro [de São Paulo] quando era adolescente, isso era coisa de moleque, infelizmente. Então, minha escola foram os clipes, revistas e encartes de CD”, lembra. “O rap moldou não só a forma como eu me conecto com a música, mas com o mundo. Me fez olhar para questões sociais, raciais, e me fez entender meu lugar e minhas responsabilidades diante delas”, diz.
O coletivo Rimas & Melodias nasceu em 2015, com caminhos abertos por nomes como Negra Li, Dina Di, Rubia RPW, Sharylaine, Cris SNJ e Lurdez da Luz, e tem contribuído muito para dar visibilidade às mulheres dentro do rap nacional.
“Sabe o que me mata? Ver as artistas precursoras e que me inspiraram ainda suando muito pra gravar um single, fazer show, viver de arte”, desabafa Mayra. “E é algo tão, mas tão básico. Precisamos mudar isso para ontem. Ser mulher no rap é ter que ser duas, três vezes melhor para chegar aonde quero, é ser testada e questionada o tempo todo, mas desde que juntei forças com outras minas, têm sido mais inspirador e esperançoso seguir.”
Mayra foi uma das curadoras do Red Bull Music Pulso 2019, que aconteceu no Red Bull Station dias 2 a 28 de abril.
“Foi uma honra ter sido escolhida e espero contribuir no debate e na prática para que a cena independente avance cada vez mais”, diz a DJ, que chamou Alt Niss, Grou, Tatiana Bispo e Wesley Camilo para fazer parte de seu coletivo dentro da ocupação criativa.
“O futuro do rap para mim é ver as mulheres MCs e DJs, especialmente as manas negras, ocupando muito mais espaços e ver mais mulheres produzindo e entrando em estúdio, se profissionalizando e vivendo da música”, afirma Mayra.
Abaixo, a DJ faz uma seleção poderosa de raps nacionais feitos por mulheres que merecem sua atenção.
“A primeira vez que ouvi Monna Brutal foi na cypher “Homenagem de Março”. Fiquei em choque alguns dias. “11/11″ é desses raps cheios de linhas agressivas, de abrir muito a mente.”
“A Drik Barbosa tem um jeito muito peculiar de escrever e uma facilidade danada de alternar rima e canto. Essa é uma das músicas mais lindas sobre autoestima da mulher negra que já ouvi.”
“É muito bonito ver a forma como a Jéssica Caitano, que é de Pernambuco, incorpora a música regional a um emaranhado superfluido de linguagens artísticas. Uma pérola.”
“Não tem como não se arrepiar com esse manifesto feminista e antirracista entoado em Rimas e Melodias e encerrado por um texto potente de ninguém menos que [a pesquisadora e ativista] Djamila Ribeiro.”
“Punchline é com ela mesma. A Karol de Souza não tem medo de enfiar o dedo na ferida e traz à tona questões como o padrão de beleza opressor e irreal vendido pelas capas de revistas.”
“É normal sentir desconforto ao ouvir Yzalú. Tem que degustar com “gelo e limão, facilita a digestão”, como ela diz nesse som. Ela rima o que ela é, ela é o que rima, simples assim.”
“Se tem uma mina que nasceu pra ser MC, essa mina é a Stefanie. Ela é pesada na caneta e tem um flow inconfundível. Mulher MC já era hino antes mesmo de ser lançada em 2018.”
“O único problema dessa música é que ela é curtinha. Clara Lima, de BH, é um exemplo muito massa de uma MC de batalha que conseguiu fazer a transição pra estúdio.”
“Do Paraná, Bianca Hoffmann tem uma lírica sinistra e é uma MC versátil: rima bem no boombap, no trap, tanto faz. Gosto da forma que ela traz a questão do autoconhecimento pras rimas.”
“Afiada, Souto MC não economiza nas linhas de soco. Ela curte fazer aquele rap mais sujão mesmo, e que traz um montão de referências pra gente ficar destrinchando a cada ouvida.”
“A Tássia Reis deita e rola em tudo que se propõe a fazer. – taí ‘Shonda’pra provar. E não se engane com a voz doce: ela joga a real na sua cara sem cerimônia, sem perder a postura.”
“O hit é uma ode à liberdade de ser gordo. Issa Paz e Sara Donato são especialistas em detonar gente escrota gordofóbica, homofóbica, racista e machista com ótimas rimas.”
Foto em destaque por Nice Lima