No dia de maior público, o metal mostrou outra vez a sua força no Rock in Rio

O dia 4 de Outubro de 2019 foi considerado por muitos fãs de música pesada, o único dia de “rock” no Rock In Rio, por inclusão artística e oportunidades às bandas que figuram há tempos no underground, que apenas depois de, em média, 25 anos de atividades e militância, tiveram a chance de apresentar seus trabalhos ao grande público brasileiro.

A exceção da longevidade existencial entre as bandas nacionais foi o power trio Nervosa, que iniciou os trabalhos no Palco Sunset. Com metade da idade das demais bandas, as garotas estão num processo de ascensão desde os primeiros lançamentos, conquistando seu espaço no underground nacional, posteriormente na Europa, e, atualmente, com desdobramentos e visitas ao norte da América. O ápice da carreira se consolidou durante a apresentação no Rock In Rio, sem contar que serão uma das atrações do maior festival de música pesada do mundo, o Wacken Open Air 2020, na Alemanha.



Há quem diga que o sucesso decorre da presença de palco forte e pulsante, ou quem fale sobre o posicionamento político contestador feminista, em apoio às minorias e admiração particular de algumas integrantes ao MST; o fato é que as garotas amadureceram e estão praticando um thrash/death metal digno das melhores bandas do estilo atualmente, pertencente a nova safra da música extrema mundial.

Durante a curta e visceral apresentação, antes de ‘Raise Your Fist’, sobrou tempo para a vocalista e baixista, Fernanda Lira, relembrar a figura emblemática de Marielle Franco, pedindo aos presentes que erguessem seus punhos contra a impunidade e a sensação de injustiça que assola o inconsciente coletivo no país.


Em seguida, tomaram o palco as bandas veteranas paulistas, Torture Squad e Claustrofobia, acompanhados pela lenda do metal mundial Chuck Billy, vocalista do Testament, banda estadunidense de thrash metal.

Os irmãos D’angelo e Rafael Yamada (ex-Project 46) que juntos formam a Claustrofobia, mostraram como a estrada solidifica, une e traz novas possibilidades. Tocando um ‘metal maloka’, o trio ‘vomitou’ um repertório de 5 músicas praticamente na velocidade da luz. Entre elas, ‘Vira Lata’ e ‘Peste’, somando 20 minutos de pancadaria sonora. 

Um ser azul tomou o palco numa performance em movimentos bruscos e sensuais, com adereços típicos da cultura indiana. Era a representação de Maha Kali, deusa hindu, esposa de Shiva, que representa a Mãe Natureza. Ela interagiu com a vocalista Mayara Puertas, dando início a apresentação da Torture Squad. Mais uma representante feminina, May detêm uma força e potência gutural apesar de tenra idade. Passaram pelos 28 anos de carreira com ‘Blood Sacrifice’, ‘Raise Your Horns’ e ‘Horror and Torure’.

Chuck Billy foi chamado ao palco e, junto aos brasileiros, emocionou os presentes com os clássicos ‘Disciples of the Watch’, ‘Practice What Your Preach’ e ‘Electric Crown’, encerrando, momentaneamente, o Sunset para a abertura do Palco Mundo, onde estava o Sepultura.

Mayara Puertas e Chuck Billy no Palco do Rock in Rio – Foto: Gil Oliveira



Nota-se que que as manifestações políticas presentes em praticamente todo o festival, no dia mais “pesado”, foram tímidas perto do data anterior, quando a banda Francisco El Hombre denunciou o fascismo bolsonarista ao mundo com dizeres: “bolso dele sempre cheio, Bolsonaro tem que cair” ou “quem não pular é miliciano”, dentre outros lemas que inflamaram o público presente.

Quando o Sepultura abriu seu concerto o sol ainda brilhava, e com um repertório pautado em músicas do grande disco ROOTS, de 1996, obra que denunciou os abusos, as queimadas e as invasões que os latifundiários promoveram às terras demarcadas dos povos originários. Dedicado a falar sobre o genocídio praticado pelos invasores europeus e a tentativa de extinção da cultura indígena, o trabalho cita e enaltece, até mesmo, a figura do grande Chico Mendes. Os brasileiros fizeram uma apresentação burocrática, com destaque para a homenagem ao icônico maestro da música pesada, André Matos, que faleceu neste ano. Eles tocaram os primeiros acordes de seu grande sucesso ‘Carry On’.

Rock in Rio 2019 – Foto: Gil Oliveira



Homenagem mais do que justa sendo que Eloy Casagrande, atual baterista do Sepultura, tocou na banda solo do André quando tinha apenas 17 anos.

Ostentando uma camiseta com o símbolo da Anarquia, Kisser polemizou e confundiu alguns fãs que, erroneamente, interpretaram que a “música está acima da política”, sendo que a Anarquia é um sistema político que nega o patriarcado, o capitalismo, ou, até mesmo, uma forma de dominação cultural. Ou seja, tudo aquilo que a banda já defendeu outrora, servindo, inclusive, de inspiração para uma de suas maiores obras: ‘Roots Bloody Roots’.

Voltando ao Palco Sunset, os estadunidenses do Anthrax iniciaram o show com extrema pontualidade e grande adesão por parte do público. Digno de atração para o Palco Mundo, foi a primeira apresentação da banda no Rock In Rio. Em entrevista, o guitarrista Scott Ian contou que há 35 anos assistiu a primeira edição do festival e sonhava em participar.

Do disco Among the Living, iniciaram com ‘Caught in a Mosh’, passando por vários clássicos como ‘Madhouse’, ‘I am the Law’ e ‘Antisocial’. Antes da derradeira música, o baterista, Charlie Benante, mencionou o genocídio indígena norte-americano, fazendo referência ao atual e crítico momento na Amazônia brasileira. Em seguida, fecharam o repertório com o clássico ‘Indians’, que diz mais ou menos: “Chorar pelos índios, morrer pelos índios, em reservas, uma situação sem esperança, respeito é algo que você ganha, nossos irmãos indígenas estão sendo queimados…”.

Anthrax no Palco do Rock in Rio – Foto: Gil Oliveira



Correndo para o Palco Mundo, foi a vez do Helloween se apresentar pela décima primera vez em terras brasileiras. Uma atração providencial, pois o Megadeth, banda originalmente anunciada, teve que cancelar devido a um câncer na garganta de Dave Mustaine. Não foi a estreia dos alemães no festival que, em 2013, tocaram no palco Sunset lotado. O repertório foi calcado no clássico disco duplo ‘Keeper of the Seven Keys’, ressaltando a interação entre os três vocalistas das várias fases do grupo: Andi Deris, Michael Kiske e Kai Hansen.

Mais uma vez no Palco Sunset, para encerrar as apresentações no local, e também no Brasil, era a hora da prometida ‘Final World Tour’ do Slayer.

A exemplo das outras bandas, os pioneiros do thrash metal priorizaram os discos clássicos ‘Reign Blood’ e ‘Season in the Abyss’, mobilizando muitos fãs que queriam presenciar a última’ passagem do grupo por terras brasileiras. Mesmo com o “sangue novo” dos recentes integrantes, Gary Holt e Paul Bostaph, a pausa (pois o grupo há tempos refere-se à música como um negócio) fará bem à banda que acumula acusações sobre opiniões controversas, como ser a favor do porte de armas de fogo ou por declarações ligadas à religião. Depois que Tom Araya se definiu como um homem “cristão conservador”, a declaração ajudou a desgastar a imagem da banda. Tocaram clássicos como ‘Dead Skin Mask’, ‘Black Magic’ e finalizaram com ‘Angel of Death’, predominando em todo momento rodas e mosh pits.

Gary Holt – Foto: Gil Oliveira



Caminhando para parte final do ‘dia do metal’, foi a vez dos ingleses do Iron Maiden tomarem o Palco Mundo. A tour ‘The Legacy of Beast’ inspira os adereços da apresentação que, inclusive, tem um game no mesmo tema. A banda também participou da lendária edição do festival de 1985, e passeou por toda a história do grupo ignorando o mais recente trabalho, The Book of Souls. A cada música, uma vestimenta diferente, um palco diferente; uns todos trabalhados e inspirados na II Guerra Mundial, outros com menos conteúdo. O destaque foi ‘Where Eagles There’, música de abertura do disco ‘Piece of Mind’, de 1983, cuja introdução foi tocada com maestria por Nicko McBrain, que longe do auge seu físico, executou essa intrincada música com o vigor dos seus 67 anos.

Como de costume, o público cantou em uníssono ‘Fear of the Dark’, passando também por ‘Flight of Icarus’ e fechando a apresentação com o clássico ‘Run to the Hills’.

Finalizando a edição de 2019 do Rock In Rio, o Scorpions teve a árdua tarefa de tocar depois da atração principal, o Iron Maiden. Os alemães, que também participaram da edição de 1985, porém em duas noites consecutivas, fecharam as performances do Palco Mundo com um show energético e baseado nos grandes hits das rádios FMs. O guitarrista, Matthias Jabs, usou a mesma icônica guitarra da edição de 1985, presenteada a Roberto Medina na ocasião e, depois de 34 anos, se tornou protagonista de um dos pontos altos do festival. Auxiliados por Mikkey Dee (ex- Motörhead), a banda se mostrou longe da aposentadoria, mesmo prometendo isso durante praticamente toda a última década. Passaram por baladas como ‘Send Me An Angel’, ‘Wind of Change’ e, pra deleite dos ‘mais jovens’, terminaram o concerto com ‘Rock You Like a Hurricane’.

Scorpions – Foto: Gil Oliveira



Que o Rock In Rio figura entre um dos maiores festivais do mundo, é indiscutível, porém, algo latente no âmbito organizacional foi a forte terceirização dos serviços básicos e seus consequentes desdobramentos.

A negritude é predominância entre esses trabalhadores que, por serem terceirizados, nem sempre possuem o preparo ou disposição para atuarem, principalmente se tratando dos profissionais da segurança, que mesmo identificando o fã de ‘música pesada’ como o mais tranquilo, dependendo da situação, agiam com truculência desnecessária.

É evidente a “manutenção do estilo de vida da classe média branca”, e, consequente, a exploração da classe trabalhadora doméstica não branca, imposta ‘inconscientemente’ pelos países imperialistas e potencializada pelos mais recentes ataques aos direitos de todos.

Mesmo assim, com tanta adversidade, vemos em alguns trabalhadores da limpeza, não só o sorriso no rosto, mas a vontade de prestar um bom serviço, apesar do cansaço da maratona de 2 semanas de festival e a certeza da situação do trabalho sazonal.

Trabalhadores no Rock in Rio 2019 – Foto: Ângelo Henrike




Texto por Gil Oliveira
Fotos por
Gil Oliveira e Ângelo Henrike

No dia de maior público, o metal mostrou outra vez a sua força no Rock in Rio

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