Atuação do MASSA! na eleição dos Conselhos Tutelares em Santo André


Quando alcançamos uma vitória coletiva nos perguntamos: o que a motivou? Quais concepções orientaram o seu percurso? Quais estratégias levaram a tal resultado?

No último dia 6 de Outubro, durante as eleições para os Conselhos Tutelares de Santo André, estas perguntas foram motivadas por uma vitória importante para o MASSA! (Movimento de Ativistas Sociais de Santo André), no que tange à defesa da criança e do adolescente.

O MASSA! agrega um coletivo que nasceu a partir do movimento de pessoas que têm em si o desejo da transformação, de sair da inércia por meio da ação. O nome do Movimento, depois de uma longa discussão sobre qual seria a sua identidade, teve como principal objetivo ter a massa e o protagonismo do povo no centro de suas discussões.

Partindo do ponto de que essa seria a ideia central, o Movimento passou a incidir sobre as pautas da cidade. Primeiro, na participação ativa contra o Projeto de Lei nº 299/2017, apresentado na Câmara dos Vereadores e que pretendia amordaçar os professores e incutir a moral religiosa no currículo escolar. Depois, em outro Projeto de Lei, também de cunho conservador e retrógrado, que propunha instalar creches em templos religiosos. A última ação não foi tão incisiva, afinal, a proposta não teve aderência nem do Poder Executivo, nem da Câmara em sua maioria, porém, foi objeto de atenção do Movimento, já que poderia interferir em princípios fundamentais como o respeito à diversidade e à laicidade do Estado.

A vitória contra o PL da mordaça foi desafiadora e o MASSA! teve importante contribuição mobilizando as redes sociais por meio de uma moção de repúdio que recolheu 1200 assinaturas de pessoas da sociedade civil, na maioria professores da rede municipal, estadual e privada e outros segmentos, como empregadas domésticas, mães de alunos, profissionais autônomos, estudantes, assistentes sociais, advogados, artistas, produtores culturais, metalúrgicos, jornalistas, psicólogos, dirigentes sindicais, pró-reitores, médicos, professores universitárias da USP, UFABC e Fundação Santo André e 21 instituições e coletivos, como universidades públicas, grupos de pesquisa, Campanhas em Defesa da Educação, Movimentos de Alfabetização, Fóruns de Educação Municipais, Estaduais, Nacionais e Sindicatos.

A moção de repúdio foi protocolada na Câmara e enviada a todos os vereadores por e-mail e contou com a contribuição de dois professores da rede municipal.

Para a ocupação da Câmara, observou-se que, partidos políticos de orientação progressista, assim como os estudantes secundaristas, também compartilharam chamadas em suas redes sociais, contribuindo para ampliar o número de presentes na Câmara. A presença física de professores e movimentos sociais foi importantíssima. Como resultado, tivemos 8 votos do lado da democracia e 7 favoráveis ao projeto reacionário. Vitória apertada, ainda assim, de inegável relevância.

Esse dia fica marcado no histórico de luta da cidade e na vida de cada um dos presentes. A expressão das pessoas depois da votação era de esperança renovada, pois, apesar do momento sombrio em que passa o país, ainda é possível acreditar.

Foi interessante perceber que a pauta contra o obscurantismo constituiu objeto de aproximação entre movimentos sociais, estudantis e de professores, todos juntos, entoando um coro uníssono contra a censura e a favor da liberdade de cátedra.

Os estudantes, que vestiam camisas com os dizeres “Tira a mão da minha escola” e puxando gritos de guerra, como “Vereador, preste atenção, a nossa luta é pela educação!”, foi crucial para o alcance da vitória. Vale lembrar que, na primeira votação vitoriosa do projeto na Câmara, somente vereadores progressistas se posicionaram contra. A Comissão de Educação e Justiça também já tinha anunciado um consentimento verbal do mesmo.

A outra causa que o MASSA! ‘abraçou’, foi a articulação em defesa das crianças e adolescentes na eleição dos Conselheiros Tutelares. O cenário era preocupante. Candidatos ligados às igrejas neopentecostais ou a cargos eletivos se lançaram à disputar o pleito. Parte dos candidatos tinha como mote de campanha “zelar pelos valores da família tradicional”, o que na prática significa fiscalizar as escolas, caso resolvam ensinar conteúdos relacionados à orientação sexual ou igualdade entre homens e mulheres.

Como chegamos ao ponto de ver candidatos a uma função tão importante relacionando o dever de proteção à criança e adolescente com a vigia das práticas docentes? Entendemos que é necessário ter imparcialidade para uma boa atuação no órgão.

Mesmo constituindo prática ilegal, instituições oficiais ofereceram transporte gratuito aos votantes, induzindo-os ao voto, prática proibida pela Resolução 476/2019 do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente de Santo André. Mediante vídeos circulados na internet, o Movimento protocolou um pedido de esclarecimento ao Ministério Público da cidade, solicitando averiguações do caso. Muitos desses votantes não tinham ideia de quais seriam as reais atribuições de um conselheiro tutelar.

Ciente dessa problemática, o MASSA! organizou diversas ações com o intuito de eleger pessoas que tivessem real compromisso com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, realizou pesquisas das biografias, dialogou pessoalmente com parte dos candidatos e buscou referências no meio social.

Finalizada a caracterização do grupo, o Movimento declarou apoio à Ingrid Limeira, advogada, professora de Direitos Humanos, defensora das crianças pobres, ativista em prol da igualdade racial, da causa LGBT e militante em assuntos relacionados à intolerância religiosa; Angela Maria Alves, Ativista de movimentos sociais e defensora da comunidade  negra, além de atuante em diversos outros setores como saúde pública e segurança alimentar; Valdete Brito, militante do Movimento de Defesa dos Moradores de Núcleos Habitacionais de Santo André, defensora de políticas públicas para crianças e jovens das comunidades e Stefano Souza, estudante de Ciências Políticas, defensor das crianças e jovens das periferias e do atendimento humanizado dos Conselhos Tutelares.

Boa parte da campanha ocorreu pela internet, veiculando vídeos que destacavam a importância do Conselho Tutelar, reforçando também a necessidade dos candidatos serem imparciais em relação à fé religiosa e aos cargos eletivos, além de contar com explicações das normativas para a realização do pleito, tratando das documentações necessárias e dos locais para a votação.

Ocorreu assim uma ampla divulgação com os devidos compartilhamentos dos candidatos apoiados.

Muitos pedidos foram feitos ao MASSA! para indicações de candidatos. Nem tanto pelo próprio nome do Movimento, que ainda é muito novo, mas, sobretudo, pela confiança creditada aos membros (ativistas, professores e demais engajados em causas sociais) que fazem parte dele.

Obra ‘Peace on Earth‘ de Margaret Keane



A eleição para os conselheiros foi bastante problemática, não somente em Santo André, como em todo o ABC. Filas numerosas, ausência dos nomes dos munícipes nas listas de votação, problemas técnicos nos computadores e falta de estrutura.

Ocorreu boca de urna, sem a devida fiscalização. Uma professora, que atua como coordenadora na rede estadual,  Keila Mércia Maldonado, foi votar com o marido e apontou o problema “fui em três escolas para ver se fugia da fila, pois tinha coisas a resolver, todas elas numerosas. Uma pena que não votamos, o conselho perdeu dois votos“. Além desses problemas, Keila identificou, nos arredores da escola, um candidato de terno, abordando pessoas e pedindo voto para a candidata com quem fez ‘dobrada’.

Mesmo com toda essa problemática, o resultado das eleições foi uma importante vitória às crianças e adolescentes da cidade.

Dos quatro candidatos apoiados pelo Movimento três foram eleitos: Ingrid Limeira, Angela Maria Alves e Stefano Souza. A que não foi eleita, Valdete Brito, foi muito bem representada com 389 votos.

Quanto ao resultado final do Conselho, dos 15 candidatos eleitos, pelo menos metade, pertence ao campo progressista. Neste sentido, o Movimento pretende estar próximo ao mandato daqueles que tenham como objetivo o real interesse em defender o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A ideia é apoiar o Conselho durante o mandato para que possam resguardar os direitos daqueles que são historicamente vilipendiados: as crianças e os adolescentes vulneráveis.

Percebe-se que o Brasil tem um importante desafio a enfrentar: a defesa da laicidade do Estado em contraposição à hegemonia das igrejas neopentecostais. O setor está envolvido em todas as pautas sociais relatadas acima, fazendo retroagir o Estado Democrático de Direito, colocando a fé religiosa no campo de disputa para dominar a população.
Ao impedir a discussão crítica nas escolas, prepondera o senso comum e assim, a massa não reclama. É mais fácil controlar quem segue um líder religioso, do que quem questiona esse líder.

Finalizamos esta escrita com a frase do professor Fabio Konder Comparato, jurista e defensor dos Direitos Humanos: “precisamos saber quem somos, o que queremos e contra quem lutamos“.

Nesse sentido é preciso que os movimentos sociais repensem as suas articulações, questionem a sua identidade e revejam o que de fato querem; direcionando melhor os focos de suas lutas.

Só assim, é possível definir quais são os procedimentos realmente necessários em prol da democracia nesta atual conjuntura.

O MASSA! tem dado ainda os seus primeiros passos em uma longa trajetória com o objetivo de combater toda e qualquer forma de opressão, propondo políticas públicas que visam o bem comum.

Fica então o convite àqueles que têm sede de mudança e não sabem muito bem como concretizá-la! Juntem-se a um movimento social… E, se estiverem em Santo André, juntem-se a nós!


Texto por Isabel Rodrigues
Edição: Stefani Costa
Foto em destaque por Edu Guimarães


Atuação do MASSA! na eleição dos Conselhos Tutelares em Santo André

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