Vidas negras importam

Cada morte afeta, em média, cinco familiares próximos à vítima, as chamadas ‘vítimas ocultas’ (pessoas que ficam com o ônus e o sofrimento pelas vidas precocemente ceifadas).

Na madrugada de domingo, dia 1 de Dezembro, mais uma tragédia: nove jovens foram mortos pisoteados depois de um provável cerco policial em violenta “ação de controle de distúrbios civis” improvisada, em um baile funk na comunidade de Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo.

Nenhuma das vítimas era da comunidade, evidenciando a truculência e a crueldade da ação. Os jovens não conheciam as vielas e foram covardemente encurralados e açoitados com cacetetes, bombas de efeito moral e spray de pimenta. No tumulto, alguns caíram e foram pisoteados até a morte, alguns mortos à cacetadas e outros asfixiados.

Outro caso que chamou a atenção, primeiramente dos moradores e dos movimentos sociais do ABC Paulista, depois dos jornalistas sensacionalistas, foi o desaparecimento do menino Lucas. O garoto saiu para comprar refrigerante e sumiu, após deixar a casa em que vive com o irmão mais velho, a cunhada e a mãe, na Favela do Amor, Vila Luzita, periferia de Santo André. Infelizmente um dos corpos encontrados num local classificado como de ‘desova’, próximo ao Parque do Pedroso, é o do garoto. A identificação aconteceu por análise de DNA dez dias depois do sumiço. Em meio ao velório, ouviram-se ‘tiros de alerta’ para o alto.

Já em Belo Horizonte, na Vila Pica-Pau, bairro Jardim Vitória, tivemos outra ocorrência gravíssima na periferia, um garoto morreu depois de abordagem policial com o uso abusivo de força física. Os meninos saíram da Igreja, em que trabalhavam capinando a grama para o pastor, e foram interceptados por policiais.

Qual é a semelhança entre os casos? A cor da pele, o fato de viverem na periferia e o racismo institucional são as respostas para essa pergunta.



A Polícia Militar reprime violentamente os jovens nas periferias e isso não é novidade. As pessoas que foram mortas na desastrosa ação ‘policialesca’ de Paraisópolis, tinham de 14 a 23 anos, e eram vidas que foram vividas predominantemente dentro da periferia. O baile funk é uma cultura periférica que se tornou um reflexo da falta de política sociocultural, combinadas com as poucas opções de entretenimento que deixam lacunas que acabam sendo ocupadas de forma legítima.

Victor Melo ao se referir às favelas em seu livro, ‘Lazer e minorias sociais’, de 2003, diz: “[…]não cabe […]chegar à comunidade com preconceitos e acreditando que exista uma ligação direta entre pobreza e infelicidade; nem tampouco acreditar que o processo de dominação cultural se dá de forma completa, anulando definitivamente todas as suas manifestações culturais”.

E é dessa forma que, infelizmente, as autoridades vêem essa população, com distanciamento e desprezo.

A comunidade, como um todo, também se beneficia da grande movimentação e da alternativa cultural; percebe na festa uma oportunidade e opção de comércio; o aglomerado de jovens faz com que alimentos e bebidas sejam consumidos. E essas festas costumam durar por várias horas a fio.

Nada justifica o massacre ocorrido! Por meio de imagens dos celulares e das denúncias anônimas da população, conseguimos chegar a duras conclusões: permeando a imagética da pobreza e da violência, os jovens das classes menos favorecidas são tratados como um ‘problema social’ pelos discursos oficiais.

“A política de segurança pública no Estado de São Paulo, não vai mudar”, disse João Dória, atual governador, afirmando que o Estado de barbárie não terá fim. Jovens negros na periferia continuarão sendo mortos e a resistência por suas vidas, que importam, se faz a cada instante e a cada momento mais do que necessária.


Texto por Gil Oliveira
Foto em destaque por Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

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