O mundo é cheio de coincidências, uma coisa leva a outra e quando você se dá conta, percebe que se não fosse por um movimento, hoje não estaria onde está neste momento.
Para que esta introdução faça sentido, começo contando que há 6 anos ouvi Cole Vosbury, um participante do programa The Voice dos EUA, cantando ‘Let Her Go’. O hit é do Michael David Rosenberg, mais conhecido como Passenger, que começou sua carreira como cantor de rua.
Passenger é autor de outra canção chamada ‘I Hate’. Em um dos versos ele diz : “And I hate the X-Factor, for murdering music, you bunch of money grubbing pricks”. O fato é, se não fosse por um X-Factor da vida, neste caso um The Voice, talvez não tivesse conhecido Passenger. Porém, concordo com o músico.
Em março de 2019 e em dezembro do mesmo ano, Passenger fez shows no Brasil, e, para a abertura dos shows, ele convidou o amigo Stu Larsen, que também é cantor e compositor. E eu estava lá, foi assim que conheci o trabalho dele.
Stu Larsen é australiano e há anos vive como um músico nômade. Possui quatro álbuns lançados, The Black Tree (2009), Vagabond (2014), Resolute (2017) e Marigold, que foi lançado neste conturbado ano de 2020. Sem endereço fixo, ele viaja pelo mundo e o mundo viaja por ele. Muitas de suas composições retratam a forma como ele enxerga a conexão com as pessoas, a passagem do tempo, as dores e os amores, as chegadas e as partidas. E como uma boa música folk, porque é isso que ele faz, ele consegue partir seu coração e remendá-lo ao final de cada canção.
De uma forma ou de outra, foi essa indústria corrompida da música que me fez conhecer um músico avesso aos arranjos capitalistas do mundo moderno.
Fique abaixo com a entrevista na íntegra que ele concedeu exclusivamente à audiência da Hedflow:
Dani | Hedflow: Se você pudesse enviar uma mensagem para o passado, o que diria ao Stu Larsen de 11 anos, o menino tímido que já estava escrevendo canções?
Stu Larsen: O engraçado é que eu meio que sinto que recebi uma mensagem do futuro Stu quando eu era mais jovem… E era algo tipo: ‘não tenha pressa, aproveite a jornada e abrace cada momento.’
Dani | Hedflow: Você foi criado em uma fazenda na Austrália. Acredita que ter crescido na natureza, convivendo com os animais, teve de fato uma grande influência em suas composições e na forma que você vê o mundo?
Stu Larsen: Talvez, sim… Acho que ter estado naquele espaço aberto provavelmente me moldou de diversas formas. Atualmente estou em uma pequena ilha no oeste da Escócia e sinto a mesma coisa, é realmente muito pacífico e vasto; traz sentimentos de liberdade.
Dani | Hedflow: Seu álbum ‘Vagabond’ (de 2014) conta muito sobre a sua jornada pessoal enquanto descobria o mundo. Imagino que viver essa vida como um músico itinerante o levou a deixar muita coisa pra trás. Mas, o que sentiu ter mesmo deixado pra trás que nunca mais vai voltar?
Stu Larsen: Deixar para trás posses, conforto, segurança e rotina era algo assustador. Só que, ao mesmo tempo, foi algo maravilhosa de se fazer. Viajar e explorar por aí sem ter nada me arrastando de volta para “casa”. Não ter pra onde voltar é realmente tão libertador. Acho que terei todas essas coisas novamente um dia. Porém, sei que vou apreciá-las de maneiras muito diferentes de agora.
Dani | Hedflow: Você é um entusiasta de uma vida bastante simples. Como músico, que tipo de efeitos você acredita que o capitalismo causa na indústria da música e nos artistas em geral?
Stu Larsen: Para mim, viver uma vida simples é a melhor coisa. Certamente, quanto mais dinheiro, coisas, poder e responsabilidade você tem, mais os seus dias se ocupam tentando equilibrar todas essas coisas. Também acredito que se o dinheiro ou a fama são a prioridade número um, isso certamente influenciará a arte que você cria. Penso que precisamos de mais artistas criando arte pelos motivos certos e não apenas fazendo parte da ‘máquina’.
Dani | Hedflow: Em dezembro de 2019 você se apresentou com o Passenger, em São Paulo. Em um ponto durante aquele show, você disse que tinha escrito uma música para uma pessoa por quem estava apaixonado e que o Passenger o aconselhou a não dar essa música de presente. Você se lembra que música foi? E … As pessoas que você conhece são as suas maiores fontes de inspiração?
Stu Larsen: A música foi a ‘Thirteen Sad Farewells’, que não é uma das minhas melhores… Mas, de todo o meu trabalho até então, essa certamente recebeu a maior atenção. E… Eu não estava apaixonado, não, mas definitivamente gostava muito dela. As pessoas que conheci e os lugares que visito me dão sempre muita energia. Eventualmente, meses/anos depois, essas coisas podem acabar inspirando uma música, nunca se sabe.
Dani | Hedflow: O planeta está experimentando uma enorme onda de ódio e medo. Com todas essas coisas acontecendo agora, como você vê o papel dos músicos na tentativa de tornar o mundo um lugar melhor?
Stu Larsen: Acho que James K Baxter já falou melhor sobre isso nos anos 60: “se o poeta romper com a sociedade e partir para o deserto, no habitual estilo romantizado, ele perde então a fraternidade com todos, exceto com os párias semelhantes. O que a Justiça exige é algo mais difícil: que ele permaneça como uma boa célula de vida em uma sociedade corrupta e, nesta situação, por escrito e pelo exemplo tente mudá-la.”
Dani | Hedflow: Falando um pouco mais sobre o passado, em 2011, no EP ‘Ryeford’ encontramos uma faixa chamada ‘Seaforth Mackenzie’ que diz: “encontrei um lar onde quer que estejam.” Você descobriu isso em todos os lugares que visitou até agora?
Stu Larsen: Encontrei um lar em todos os lugares que fui. Para mim, o lar está no sorriso do rosto de um estranho, no final de uma caminhada pelas colinas, ao redor de uma mesa de jantar com amigos ou nos braços do meu amor. O lar não é um lugar, é um sentimento e pode ser encontrado em muitos lugares.
Dani | Hedflow: Em 2013 ficamos totalmente satisfeitos com a sua parceria com Natsuki Kurai, que resultou no EP ‘Stu Larsen & Natsuki Kurai’. Tem gaita, que é um instrumento que gosto muito; há um quê de alegria nela. O que você aprendeu com Natsuki nesse trabalho em específico?
Stu Larsen: Aprendi muitas coisas com o Natsuki Kurai. Ele é um mestre, não só na gaita, mas também na vida. Ele é o ser humano mais incrível que já conheci. Sou inspirado e motivado por ele de diversas maneiras, que eu talvez nem saiba ao certo, em tantas outras áreas da minha vida. Ele é uma bela alma e mostra essa alma tão bela àqueles ao seu redor.
Dani | Hedflow: A música ‘Music is My Mistress’ (do álbum ‘The Black Tree’) foi influenciada pela biografia de Duke Ellington? A propósito, houve algum livro em especial que teve um impacto real em sua vida?
Stu Larsen: De forma alguma, só encontrei essa conexão alguns anos depois de lançar essa música. Um livro que li alguns anos atrás que realmente me impactou foi ‘A Estrada’ de Jack London. É muito inspirador.
Dani | Hedflow: No álbum ‘Vagabond’, uma faixa chamada ‘King Street’ nos fala sobre a solidão. Ela me lembrou de algo que li em um livro intitulado ‘Read and Riot: A Pussy Riot Guide to Activism’ da Nadya Tolokonnikova, no qual ela fala sobre se sentir tão sozinha ao ponto de jogar no Google: “O QUE FAZER URGENTEMENTE MORRENDO DE SOLIDÃO”. Foi aí que ela descobriu que a solidão é o maior mal da atualidade. Como você lida com a solidão?
Stu Larsen: A solidão é debilitante. Acho que todos nós sentimos isso em momentos diferentes, de maneiras diferentes e em níveis diferentes. Acho que a solidão pode aparecer com essa mesma facilidade quando estamos cercados de pessoas ou até mesmo quando estamos completamente sozinhos. Penso que isso acontece quando não nos sentimos valorizados por aqueles que estão próximos de nós. Eu não lido muito bem com isso na maioria das vezes, geralmente tento conseguir o que preciso sem falar sobre isso. Aí em seguida me sinto incompreendido, depois recuo em minha própria tristeza por um ou dois dias até que passe… E que bom que costuma passar.
Dani | Hedflow: Na letra de ‘I Will Be Happy and Hopefully You Will Be Too’ você disse: “eu quero visitar a América do Sul.” Agora, que já até esteve no Brasil, qual a melhor coisa daqui que guardou consigo?
Stu Larsen: Meu tempo no Brasil foi muito curto, nas duas vezes em que fui aí! Passei todas as horas livres caminhando pelas ruas de São Paulo, vendo coisas, conhecendo pessoas e tirando fotos. Foi uma experiência maravilhosa pra mim. Só que o Brasil é muito grande… Eu realmente quero visitar novamente e conhecer mais do país, se possível.
Dani | Hedflow: Eu vejo ‘Marigold’ (o álbum lançado este ano) como uma grande expressão de amor e de como ele vem e vai. Neste período de pandemia, como diz a letra de ‘Movement & Time’, você ainda acredita que o tempo vai curar todas as dores?
Stu Larsen: Eu realmente acredito que o movimento e o tempo curam todas as dores. A menos que realmente queiramos apenas nos agarrar a essa dor… O que pode acontecer. Sou culpado disso às vezes. Acredito que se pudermos seguir em frente lentamente (passo a passo, combinando isso com o passar dos dias/semanas/meses/anos e a boas decisões ao longo do caminho), então as coisas farão sentido novamente.
Dani | Hedflow: Para finalizar: este ano de 2020 pegou todos nós de surpresa e nos obrigou a mudarmos completamente os planos e rotinas diárias por conta do Coronavírus. Por ser este o ano do lançamento de ‘Marigold’, e, vendo você como um artista que realmente escolheu viajar pelo mundo, como a sua vida foi diretamente afetada por essa pandemia?
Stu Larsen: Minha vida é bem diferente da maioria. No começo não ter uma casa para voltar parecia muito estranho. Cada um estava indo pra ‘casa’. Então, pra onde eu deveria ir? Para a casa de minha mãe na Austrália… Ou, talvez, à casa do meu irmão… Ou para a da minha irmã? Quem sabe, até mesmo, ir para a casa de algum dos meus amigos Europa afora? Ou então… Para um país em que o vírus tenha um impacto menor? De alguma forma, acabei vindo para a casa da família da minha namorada, na zona rural da França. Fiquei lá um tempo. Gostei de encontrar um novo ritmo e uma nova rotina de vida, até o meu visto expirar. Estou na Escócia agora, vagando, até ter um plano mais duradouro para o próximo ano… Quem sabe até mais, pra esperar e ver como será o futuro. Venho dizendo ao longo dos últimos cinco ou seis anos que, depois de 2020, a vida seria diferente pra mim. Eu não sabia por que sentia isso e não sabia o que esse ”diferente” realmente significava… Só sabia que um novo capítulo iria começar pra mim. Eu ainda não sei o que 2021 trará, mas o Coronavírus definitivamente trouxe a mudança que eu esperava.
Para conhecer mais sobre Stu Larsen, você pode visitar o Tumblr do músico, lá ele compartilha novidades sobre os próximos lançamentos, compartilha os vídeos do canal do Youtube e posta fotos lindas de registros por onde passa.
Grande parte das fotos são feitas por Jarrad Seng, fotógrafo e amigo pessoal de Larsen.