Entrevista com a banda De carne e Flor: “Músicas tristes sempre são as mais belas”

Confira entrevista com os integrantes da banda De carne e Flor. Neste bate-papo, os meninos comentaram sobre o processo de produção do excelente split com a banda chilena Cienfuegos, planos para o ano de 2021 e muito mais:


Guilherme – Olá, Eliton, Dan, André, Bruno e Folha! Primeiramente, obrigado pelo tempo cedido para essa entrevista. Por favor, apresentem a banda para aqueles que ainda não conhecem o trabalho.

Eliton e Bruno: Nós que agradecemos o espaço aqui na Hedflow.

O primeiro ensaio, mesmo, foi na cidade de Cotia, em 2016. Cada um mora em um canto de São Paulo e estávamos acostumados a marcar em estúdios espalhados, afinal, já passaram alguns integrantes pela banda e usamos isso como um critério na hora de ensaiar. Costuma sempre chover também, parece uma coisa. Ficamos um tempo considerável para batizar a banda. É o nome de uma faixa da Viva Belgrado (post-rock/screamo) da Espanha. Havia pouca noção do tipo de som que faríamos, então essa banda parecia certa porque assim como eles cantam em idioma latino, para que as pessoas entendessem nosso drama, nós deveríamos cantar em português.

O Bruno trouxe letras que relacionavam Neon Genesis Evangelion com situações pessoais e vividas em sua família. Assim, ele tematizou nosso primeiro EP, Teto Não Familiar – nome do segundo episódio do anime – trazendo para um contexto pessoal, e também uma reflexão sobre migração e adversidades vividas pelos pais no ponto de vista de um filho. Fizemos o primeiro show somente em novembro de 2018 com este lançamento.

Em 2019, nos dedicamos aos eventos e apresentamos a nossa banda ao vivo. Nós tocamos em espaços públicos como a Casa de Cultura do Butantã, espaços tradicionais como o Rock Together, a Casa do Mancha e festivais como o No Gods No Masters (Peruíbe-SP), além de passagens pelo interior do estado (Campinas e Jacareí). Devemos mencionar o Breshow, que é organizado pelo @olhostortos e o dia que levamos o gerador para Av. Paulista junto com o Hiroshima Bunker e O Bicho de Três Cabeças.

Foram cerca de 15 apresentações até a chegada da pandemia e os shows se tornarem impossíveis. Durante o último ano, nos dedicamos à produção de um split a convite da banda Cienfuegos (Chile) que está disponível nas plataformas digitais.

Guilherme – Quais são as principais influências da De carne e Flor?

André: Eu busco referência nos anos 90 em bandas como Sunny Day Real Estate, Hum, Superheaven e Nirvana. Tem bandas atuais que buscam essas mesmas referências e eu digo que, de todas as bandas que toco, a De Carne e Flor é a que eu faço uma pegada “meio Basement”.

Gosto da melodia e melancolia dessas bandas, com característica dessa pegada ‘noventista’, e os timbres de guitarra também me agradam, pois são distorções mais leves, combinando com a proposta do som, sempre deixando um clima levemente carregado. Ainda se percebe todas as nuances harmônicas nos riffs. Músicas tristes sempre são as mais belas.



Guilherme – Como funciona o processo de composição da banda?

Eliton e Bruno: A maior parte dos sons da banda surgiram nos ensaios, geralmente em cima de um riff trazido de casa. Temos alguns trechos que surgem de improvisação.

No split, a gente resgatou uma base que o Bruno guardava e que se tornaria uma música da BLACK CLOVD (banda que tinha com o Guix, guitarrista na fase do EP Teto Não Familiar); a faixa que se chamava ‘Cringeworthy, e foi renomeada para se tornar ‘Vergonha’. As letras também são trazidas de casa pelo Bruno, ele tem uma fábrica no bolso e consegue ser bem produtivo.

Ao menor sinal que vai sair um som, ele costuma ter a letra já no esquema. Mesmo no único ensaio realizado em 2020 até a chegada da pandemia, conseguimos compor uma das músicas do split em um único dia. Gravamos no TASCAM que o André levou. Desde que o Dan entrou para a banda, agregou com os arranjos que são escritos no Guitar Pro, afinal, ele escreve muito bem.

Durante a gravação, o Folha teve que pegar a linha de uma hora para outra e gravar de maneira remota com o produtor sem nem ao menos ter se reunido conosco. Ou seja, uma loucura que tem nos provocado a renovar as estratégias que usamos até aqui.

Guilherme – Recentemente, vocês lançaram um Split com a Banda chilena Cienfuegos. Como rolou essa parceria? E como negociaram a gravação do material?

Eliton: Desde que saímos na coletânea El basurero del emo v.2, deste blog argentino de mesmo nome, algumas bandas começaram a prestar atenção. É louvável esse tipo de iniciativa que menciona bandas e veículos que, mesmo sem medir seu impacto, no fim acabam fazendo tomar conhecimento do que acontece além das fronteiras e criam mesmo um sentido de integração.

Bastaram algumas mensagens inbox e aprofundamos o contato com a banda Cienfuegos, do Chile. Gravar duas músicas parecia razoável, mas mal sabíamos que levaríamos o ano inteiro para isso. Couberam algumas conversas para cultivarmos a paciência e a confiança entre nós.

A continuação chegou mesmo quando recuperamos interfaces para realizar a produção de maneira remota. Outra distância a superar foi com o Igor Porto, que através de chamadas de vídeo, conseguiu orientar os ajustes técnicos e dirigir os takes, além da produção nas nossas faixas. Chamamos o Folha, e ele prontamente se envolveu para gravar o baixo.

Em dezembro, nos comunicamos bastante para definir o lançamento e a arte da capa foi anunciada pela Jimena Soto Rodríguez (obrigado!). Outro diálogo também foi feito com a No Funeral Records lá do Canadá, que ofereceu a prensagem das fita K7 e colaborou muitíssimo com a divulgação. As fitas estão disponíveis no site deles.

Guilherme – Particularmente, achei o resultado maravilhoso. Como tem sido o feedback até o momento?

Folha: A resposta ao split tem sido a melhor possível!

As mensagens que recebemos são muito positivas sobre ambos os sons. Comentam que sentem uma evolução sonora na banda e elogiam muito a produção das músicas, responsabilidade do Igor Porto, que foi nosso produtor.

Recebemos mensagens de todos os cantos, pessoas que acompanham a gente desde o EP ou que conheceram através do split, bandas amigas compartilhando e comentando os sons e até chegamos a receber elogios de pessoas que admiramos musicalmente.

Também chegaram muitas respostas de pessoas de fora do Brasil. Comentários do Chile, país da Cienfuegos, com quem dividimos o Split e até mesmo outros países da América do Sul como a Argentina e etc.

A nossa parceria com a No Funeral Records, selo canadense que lançou o split em k7 por lá, nos proporcionou aparições em sites gringos como BrooklynVegan dos EUA e uma entrevista para a IDIOTEQ, isso nos trouxeram feedbacks mega importantes e positivos.

Todo esse carinho que recebemos contou muito pra gente e tem servido de impulso para começar a pensar em nossas próximas músicas.


Guilherme – Quase três anos se passaram desde Teto não familiar para o novo split. Você poderia explicar os principais motivos para o espaço entre os lançamentos?

Dan: Quando eu entrei pra tocar guitarra no lugar do Guix, a banda tinha passado o ano fazendo shows, compondo material novo e estreitando os laços entre si. Eu precisei de um tempo pra correr atrás disso tudo e alcançá-los, o que talvez tenha adicionado alguns meses aí no intervalo entre um lançamento e outro. E aí veio 2020 e, né… Ainda assim o split chegou a ficar pronto no finalzinho do ano, mas preferimos esperar um pouquinho por uma data menos afogada para lançamentos.

Guilherme – Além disso, a banda recentemente passou por uma troca de formação. Como tem sido os ensaios com o novo baixista?

Folha: Devido a pandemia, ainda não consegui ensaiar com a banda, mas estou muito ansioso para isso e provavelmente será a primeira coisa que vou fazer quando acabar o isolamento!

Além de ser amigo de todos os membros há muito tempo, já era fã da banda desde quando ouvi o EP pela primeira vez, então dá pra imaginar como fiquei quando me fizeram o convite para fazer parte da De Carne e Flor. Foi uma grande responsabilidade entrar gravando dois sons para um split logo de cara sem ter participado de ensaios ou algo do tipo, mas, era algo que eu queria muito fazer e topei sem pensar duas vezes.

Esse processo todo aconteceu durante as pausas das gravações do álbum da minha outra banda (Navio) e isso foi algo que me ajudou, pois, estava em contato com a gravação remota e praticando o baixo diariamente. Com isso, enquanto o Dan e o André gravavam as linhas das guitarras, eu treinava as duas músicas do split direto. Quando chegou a minha hora de gravar o Igor deu todo o suporte e confiança para fazer tudo com tranquilidade.

Pessoalmente, foi algo muito importante de ser feito durante esse momento de pandemia, conseguir realizar um projeto há distância que ao mesmo tempo é coletivo ao lado de amigos de longa data. 

Guilherme – Anteriormente, o Eliton havia comentado comigo que a banda não realizava apresentações ao vivo há mais de um ano. Além da falta de shows, quais outros desafios vocês enfrentaram durante a pandemia?

Bruno: O clima de incerteza invadiu várias esferas, então quando a pandemia bateu, a gente sentiu uma falta grande da validação que os shows e ensaios traziam pro clima e pro andamento da banda, fora o desânimo que foi ver estúdios, casas e outras iniciativas fechando as portas. Toda a preocupação em simplesmente tocar a vida também se impôs, visto que alguns integrantes seguiram tendo que trabalhar fora de casa, alguns morando com os pais no grupo de risco, mas a banda e os planos continuavam ali, incógnitos.

Nisso, a banda acabou parando por uns meses, até que isso acelerou alguns conflitos, que resultaram na mudança na formação. Mediante tudo isso, tivemos que aprender a aceitar as condições que a situação impunha e enfim voltamos aos planos do split (as baterias foram gravadas durante o carnaval, uma ou duas semanas antes de tudo acontecer, e desde então só voltamos a agir por volta de setembro).



Guilherme – Vocês poderiam indicar outras bandas similares ao som do De Carne e Flor da cena nacional?

Bruno: Desventura, Vida Cinza, Sivie Sue Mori e Sonhos Tomam Conta. Se tiver valendo banda própria, eu também canto na Ravir, que mistura emo violence com um tiquinho de pós-punk, eu diria. Vale citar também a Jovem Werther, que está inativa mas me influenciou muito na época que começamos a banda.

Guilherme – Quais são os planos para o resto de 2021?

Bruno: Desde o processo de gravação do split, já vem fervendo em nossas mentes a ideia de lançar um álbum full. Além da conexão com a Cienfuegos para lançar uma colaboração marcante, o split foi a oportunidade perfeita para que a gente pudesse incluir nossos sons com mais peso e velocidade em um formato apropriado.

Temos outros sons escritos que exploram mais texturas, variações de tempo e, pouco antes da pandemia, até perdi o medo de incluir vocais limpos (pra mim é muito mais intimidador manter uma nota do que berrar, requer um grau muito maior de confiança), elementos que caberiam melhor em um registro com mais espaço.

Tenho uma mania de atar tudo que a gente lança em temáticas, então tô esperando a anteninha captar algo legal pra juntar e continuar o que a gente começou, além de juntar mais material pra fechar um disco.

Fico feliz de ter algo pra ruminar na cabeça enquanto todo mundo tenta sobreviver a esse caos até a hora de se reencontrar. Agora, se rolar a imunização, provavelmente a gente vai primeiro jogar tudo pro alto e ensaiar e puxar cadeira em um bar por um mês!

Guilherme – Novamente, obrigado pela atenção. Agora, digam algo aos nossos leitores! 🙂

De carne e Flor: Não vamos deixar que se apague a chama. Todo apoio que foi oferecido ao split certamente nos encoraja a trabalhar ainda mais para entregar um som atrativo. O impacto de canais de comunicação, bandas em atividade e espaços é o que mantém vivo sonhos e devaneios de que a gente viva num mundo repleto pela arte. Então, antes de mais nada agradecemos pelo seu trabalho de divulgar o que fizemos e também por não deixar de acreditar. Abraço a todos e se cuidem, logo tudo isso vai passar.

Entrevista com a banda De carne e Flor: “Músicas tristes sempre são as mais belas”

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- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.