O vocalista da banda Bayside Kings revelou mais detalhes acerca de #livreparatodos – novo material de sua banda. Além disso, o frontman comentou sobre as dificuldades que enfrentou durante a pandemia, os desafios em gravar um videoclipe inédito em animação e suas visões pessoais acerca da cena hardcore.
Confira a entrevista com o vocalista Milton Aguiar feita pelo jornalista Guilherme Góes:
Guilherme | Hedflow – Olá, Milton! Primeiramente, gostaria de agradecer pela atenção e tempo cedido para revelar mais alguns detalhes sobre o novo material do Bayside Kings aqui na Hedflow!
Em breve, a banda irá lançar um novo álbum. O disco #livreparatodos será o primeiro material desde o EP/Split Yin-Yang (2018). Por favor, poderia começar essa entrevista comentando sobre a ideia em compor apenas em português neste novo trabalho? Quais questões motivaram essa mudança radical na carreira do grupo?
Milton: Obrigado demais pela oportunidade de bater esse papo.
O que nos motivou a girar a chave pro PTBR foi um acúmulo de sinais que ao longo desses 10 anos sempre apareceram nas nossas vidas e a gente desviou por algum receio. Porém, destacamos todo retrocesso sócio político de 2018 e nosso desejo de abrir mais comunicação e encontrar mais pessoas para ser nossos pares, além do problema da língua inglesa não ser acessível a todas as pessoas, fazendo com a comunicação seja restritiva e algumas colaborações em português como a minha participação em ‘Aliança 2’ da banda John Wayne, são coisas as quais, eu principalmente fui “pressionado” todos os dias, em vez de bom dia eu recebia de várias pessoas “quando sai as músicas em português do BSK”, foi pressão da galera, pressão dos meus companheiro de banda para “alcançá-los no corre”, foi um inferno, mas eu acredito que foi um dos meus maiores aprendizados, de me reencontrar, me resgatar e trazer um “novo eu” junto com meus amigos de banda, trazendo o melhor deles em cada competência atribuída.
Guilherme | Hedflow – Outro passo radical para a banda é que este novo material será distribuído pela Warner Music. Como vocês entraram em um acordo com a gravadora? Além disso, poderia comentar sobre como o apoio de uma grande gravadora irá influenciar o trabalho do Bayside Kings a partir de agora?
Milton: Para nós, esse é um passo muito importante, já que somos uma banda de hardcore punk, com os mesmos valores e um desejo de fazer mais pela nossa comunidade e de furar bolhas, novas collabs, quebrar padrões internos e nos comunicar novas formas. Esta parceria se inicia por parte da Olga Music que é um dos braços da Warner Music e ADA Music no Brasil. Entramos como uma das apostas da Olga, temos o título de “banda mais pesada” do cast, então temos esse peso de fazer um trabalho diferente para quebrar o nicho. Acreditamos que esta parceria irá nos ajudar a estreitar o laço com outros universos e pessoas que talvez por nós mesmos não seria possível hoje, então estamos plantando uma semente de longo prazo.
Guilherme | Hedflow – Devido às diversas privações causadas pela pandemia, suponho que gravar um álbum full length foi uma tarefa extremamente desafiadora. Como foi o processo de produzir um disco durante esse período tumultuado?
Milton: Agora, em 2021, eu vejo o nosso processo interno da seguinte forma: “certo, porém, em linhas tortas”. O que aconteceu foi o seguinte: ensaiamos como nunca nessa vida, temos um estúdio para a banda, o que nos possibilitou produzir como nunca e, na semana que íamos gravar as músicas, foi o final de semana que se iniciou o lockdown, nos fazendo recuar e ver o que aconteceria. Foi o tempo necessário para rever o planejamento, fazer modificações e firmar a parceria, esperamos a situação dar uma aliviada e com o conhecimento necessário e cuidados, meses depois gravamos no Estúdio TOTH, as duas primeiras partes das quatro que compõem o álbum #LIVREPARATODOS.
E só conseguimos os fundos necessários para pagar essas gravações, devido ao apoio da nossa comunidade que comprou muito merch nesse período off de shows, já sabendo dessa necessidade, se não fosse essa galera (underdogs!), nenhuma música nova teria sido lançada.
Guilherme | Hedflow – Igualmente, os novos desafios causados pela pandemia (desemprego, distanciamento social, queda de renda etc.) afetaram algum membro da banda? Quando se trata de questões pessoais, como fizeram e estão fazendo para seguir com as atividades e ajudar uns aos outros?
Milton: Sim, todos nós tivemos e ainda temos danos emocionais e financeiros. Nós perdemos amigos e parentes. Na parte financeira, um dos meus trabalhos (estava empreendendo em tatuagem), foi encerrado temporariamente, pois não conseguia misturar os fundos com meu trabalho CLT. Então, racionalmente, tive que dar este passo para trás, absorver os danos e quando tudo tiver mais certeza, voltar com esta atividade.
Infelizmente, muitas atividades e coisas que eu estava entrelaçado precisaram ser revistas, pois eu precisava sentir se ainda eram necessárias e se eu tinha a mesma paixão por elas ou era comodismo. Um dano emocional que deixei para trás, era o lance de me olhar, não me aceitar e não me reconhecer e tive que mudar. Eu ainda estou neste processo para ser feliz comigo mesmo, porque felicidade é o caminho e não a linha de chegada. No entanto, inclui exercícios físicos e mentais para validar o meu papel do meu compromisso do “eu comigo mesmo”.
Guilherme | Hedflow – Levando em consideração algumas informações reveladas até o momento acerca de #livreparatodos, é possível observar que a banda mudou um pouco a temática das composições. Nos lançamentos anteriores, boa parte das letras do grupo abordavam questões relacionadas a conflitos pessoais, além de mensagens relacionadas a filosofia Straight Edge e a cena hardcore em geral. No entanto, é nítido que, neste novo material, muitas composições apresentam reflexões sobre temas políticos. Como o período que estamos vivendo atualmente no Brasil influenciou essa reviravolta nas composições?
Milton: O #LIVREPARATODOS é como uma jornada do herói. Para facilitar, vamos imaginar que ele é uma série da Netflix, que possui um tema central e é dividida por temporadas. Cada “temporada” é um EP, e esses EPs tem os seguintes temas em ordem: EXISTÊNCIA, TEMPO, DUALIDADE e (R)EVOLUÇÃO. Cada tema tem músicas que conversam sobre o tema específico de diversos pontos de vista, criando narrativas de buscas, questionamentos e ações.
Tudo que acontece nisso é político. Sendo assim, toda luta, todo comportamento é político e o retrocesso que estamos vivendo, infelizmente cria camadas que precisam de abordagem para criar campos de diálogos e tentar evoluir na defesa dos preceitos básicos da humanidade e não na segregação do diferente.
Guilherme | Hedflow – Já em termos musicais, quais foram as principais influências neste novo material?
Milton: Desde do nosso álbum Resistance (2016), nós atingimos uma personalidade como banda na qual podemos falar agora: isto é BSK. Com isto, estamos explorando novas possibilidades dentro desta personalidade que mistura agressividade e melodia – o que chamamos carinhosamente de “melodicamente agressivo”. Nossas influências são as mesmas do começo da banda lá atrás, em 2010, dó que a diferença é que agora não queremos parecer nada que já emulamos, mas sim nós mesmos.
Guilherme | Hedflow – Recentemente, o Bayside Kings também lançou um webclipe para o single ‘Existência’. Fale um pouco sobre o trabalho do animador e a mensagem que tentaram transmitir com esta produção.
Milton: Este vídeo foi um grande acerto da banda que nasceu em uma das revisões de planejamento devido ao lockdown. Nós queríamos gravar um clip live action, mas não seria viável devido às condições de segurança. Por sorte, conheci o trabalho do Arthur da “Filmes da Baia”. Em seguida, criamos esta história, que irá contar com 4 episódios, onde o tema central é mostrar que nós pertencemos a uma “célula de revolução”, e que “revoluções” não necessitam de rostos, deixando-as livre para todos.
Guilherme | Hedflow – Além disso, considerando que boa parte dos videoclipes anteriores do Bayside Kings são compostos por filmagens da banda atuando ou tocando ao vivo, poderia comentar sobre o quão desafiador foi produzir um clipe em animação?
Milton: O maior desafio foi acreditar e entender que esse trabalho precisa passar por um processo demorado, cujo planejamento demanda tempo. A principal dificuldade foi essa: entender que leva um tempo e segurar a ansiedade.
Guilherme | Hedflow – Bayside Kings já se encontra em atividade há mais de 10 anos. Vocês já participaram de diversos eventos, festivais e turnês com renomadas bandas internacionais. Com base na sua experiência no movimento, quais as principais diferenças e mudanças que observa entre a cena hardcore atual com o cenário do início da década passada?
Milton: Hoje em dia, nós temos mais acesso, mais tecnologia, mais conhecimento de como funciona o mundo da música e de como encontrar nossos pares. Além disso, contamos com mais poder para a autogestão. Sendo assim, a diferença é que hoje é possível impactar os pares, caso tenha um bom storyteller capaz de captar atenção.
Agora, falando do lado comportamental, hoje temos mais senso político devido estarmos passando por um turbilhão de mudanças. Igualmente, contamos com um olhar mais apurado, que nos possibilita “entender os porquês”.
Guilherme | Hedflow – Já em sua vida pessoal, como enxerga a influência da música e cena hardcore? Você considera o movimento como uma mera ‘subcultura adolescente’, ou algo realmente importante e transformador?
Milton: O hardcore punk foi o que forjou tudo que sou e acredito. Muitas das coisas que acredito e vivo, aprendi lendo zines, indo em shows, lendo as letras, trocando ideias com as pessoas da comunidade. São coisas que eu nunca aprenderia indo na igreja, na escola ou dentro de casa. Então, para mim, tem sido uma transformação constante.
Guilherme | Hedflow – Felizmente, parece que estamos avançando rumo ao controle da pandemia e reabertura das casas de shows nos próximos meses. Sendo assim, quais os principais planos da banda logo após a normalização?
Milton: Meter uma tour monstra em todos os cantos do Brasil, seja para 10 pessoas ou 1000, com a mesma intensidade e continuar com o plano de abrir mais diálogo e inclusão, trocar ideias e aprender mais sobre a singularidade de cada um dentro da comunidade.
Guilherme | Hedflow – Ainda comentando sobre a pandemia, você imagina que haverá alguma mudança significativa no comportamento do público quando os clubes retornarem suas atividades?
Milton: Eu ainda não tenho uma certeza sobre o futuro, já que a cada hora eu crio idealizações de futuro – que variam entre o otimismo e o pessimismo – e sigo assim. Hoje, por exemplo, estou otimista e acho que todo show de qualquer banda será sold out, e espero estar certo no futuro próximo.
Guilherme | Hedflow – Para finalizar: há alguma banda ou artista que você tenha ouvido recentemente e gostaria de recomendar?
Milton: Eu to esperando muitos álbuns de bandas de amigos da comunidade, acredito que geral está esperando a situação melhorar a ponto de cair na estrada. Tenho ouvido muito outros tipos de sons, muito Hip Hop, bandas de artistas mais melódicos por estar estudando muito canto para apresentar um novo eu, mas vou aproveitar o espaço para divulgar bandas que acredito que todo mundo deveria dar uma atenção: Mee, Escombro, Institution, Mais que Palavras, Superbrava, Bullet Bane, Pense, Glória, One true reason, Zander, Plastic Fire, Paura, Questions, Apto Vulgar, NDR, Circus, Manual, Dead Fish, Garage Fuzz, CPM22, Violet Soda, Metade de Mim, Colligere, Wakelate, John Wayne… são diversas bandas legais, para todos os gosto, uma pequena parcela de um grande cenário que acontece aqui no Brasil
Guilherme | Hedflow – Milton, novamente, obrigado pela oportunidade. Vemo-nos nos shows em breve, assim que tudo voltar ao normal. Por favor, mande uma mensagem aos nossos leitores.
Milton: Obrigado demais pelo espaço e principalmente que esteja lendo até aqui, obrigado demais pelo espaço de coração e continue acompanhando o BSK nas mídias, vai valer a pena e continuem se cuidado para logo menos estaremos todos juntos, força para todos e todas. Não estamos sós.