Molchat Doma encerra turnê pela América Latina com apresentação inusitada em São Paulo


Sinceramente, quais seriam as chances de um grupo que surgiu em um dos menores países do leste europeu, escreve canções acerca de temas pesados como depressão, tristeza e arquitetura soviética, em um idioma que é incompreensível até mesmo para grande parte dos povos eslavos? A Molchat Doma, que pertence a uma ramificação do rock nada carismática conhecida como ‘pós-punk, conseguiu lotar completamente uma das principais casas de shows paulistanas no primeiro dia útil da semana, sem absolutamente nenhuma exposição ou publicidade na grande mídia. Até mesmo grandes nomes populares nacionais do funk, samba e sertanejo iriam encontrar enormes dificuldades para realizar tal feito.

Em algum momento da sua vida como fã de música, já imaginou que tal ‘maluquice’ poderia acontecer no mundo real? Pois foi exatamente isso que o Molchat Doma fez na última segunda-feira (11/04) ao reunir centenas de pessoas na Audio Club.

O trio bielorrusso, que se tornou um enorme fenômeno na internet devido à popularidade que conseguiu captar através do aplicativo de vídeos TikTok, finalmente desembarcou no Brasil, assim encerrando a turnê latino-americana do álbum Monument, lançado em 2020. Além da genialidade ao utilizar as mídias sociais como marketing estratégico para suas canções, a banda fortemente influenciada pela sonoridade e estética de Kino – que é até hoje o grupo de rock mais relevante da Europa Oriental – também possui reconhecimento por ser o primeiro conjunto musical de um país pós-soviético a conquistar o mercado ocidental desde a dupla pop t.A.t.u.

A abertura da casa ocorreu às 20h, e foi acompanhada por uma longa fila que dobrava alguns quarteirões do bairro Barra Funda. Nitidamente, era possível observar que o público da noite era composto por uma curiosa fusão entre punks, jovens universitários com camisas sociais e góticos fantasiados com coturnos e maquiagens sombrias, deixando claro que o trabalho da apresentação principal do evento era capaz de unir os mais diversos tipos de tribos urbanas.

Em seguida, os fãs foram se acomodando no enorme espaço da Audio Club. Alguns decidiram curtir as atividades interativas da casa (barraca de merch com camisetas, canecas e outros produtos exclusivos, além de selfies em um mural digno de cinema, que destacava o pôster oficial da turnê). Já a outra parcela do público, resolveu aproveitar a discotecagem da pista principal, que contou com uma tracklist composta com músicas do próprio Molchat Doma e do grupo siberiano Ploho.



Alguns minutos antes das 21h, Jenni Sex iniciou a primeira apresentação ao vivo da noite. Em um set curto, o power-trio apresentou seu trabalho ímpar, que combina a atmosfera sombria da música gótica com passagens dançantes. Apesar da falta de diálogo com o público, o grupo cativou os presentes com as músicas de seu EP Songs through your tongue, entre elas: ‘Shadows’, ‘Treasure e Alone’. Em diversos momentos do show, o baixista Danilo Lima tentou engajar a plateia ao solicitar palmas entre as passagens de suas canções. Antes de deixar o palco, o vocalista Helders mencionou que a banda irá lançar um novo álbum full length no segundo semestre deste ano.

Após uma troca de instrumentos relativamente rápida, o todo poderoso Molchat Doma subiu ao palco pontualmente às 22 horas. Logo de cara, o trio mandou ‘Kletka‘, um dos b-sides mais populares do álbum Etazhi (2018), segundo trabalho full lenght da banda. A voz cavernosa e extremamente grave do vocalista Egor Shkutko chocou a plateia, chegando a causar uma leve sensação de que os auto-falantes do espaço poderiam explodir a qualquer momento.

Em seguida, o grupo removeu a tensão do ar e levou o público à loucura com os animados singles ‘Zvezdy, Lyudi Nadoeli’, além das faixas secundárias ‘Toska’ e ‘Otveta Net’, que foram enfeitados com incríveis trabalhos de iluminação da casa. Durante a música ‘Ya Ne Kommunist’, o guitarrista Roman Komogortsev e o baixista Pavel Kozlov fizeram uma curiosa dança sincronizada com seus instrumentos, que recordava uma marcha militar, resultando em gargalhadas e urros alucinados dos presentes na pista. Contudo, de forma ligeira, os integrantes recuperaram a postura séria e mostraram que a banda não se esconde somente atrás de beats eletrônicos e sintetizadores através de extenso solo conjunto de guitarra e contrabaixo ao término da canção ‘Lenindgradskiy Blues’.

Salvo agradecimentos ocasionais com um breve “Spasibo” (obrigado, em russo), o envolvimento de Egor com os fãs brasileiros foi praticamente nulo. No entanto, a falta de diálogo “artista-público” aumentou a atmosfera sombria do show, assim enriquecendo a experiência geral. Além disso, o frontman compensou a ausência de conversa dançando incansavelmente durante as músicas ‘Obrechen, Volny’, ‘Doma Molchat’ e ‘Kryshi’.

Após apresentar a grande maioria de suas músicas b-sides de três álbuns, o grupo dedicou a última parte do set aos seus principais hits, entre eles: ‘Tantsevat’ (que contou com uma breve introdução de ‘A forest’, da clássica banda The Cure), ‘Discoteque’ e ‘Na Nde’.



Depois de um curtíssimo intervalo, que sequer chegou a durar 2 minutos completos, os rapazes retornaram ao palco, o vocalista Egor lançou um enigmático “Are you ready?” e a banda engatilhou o poderoso hit Sudno‘. A canção, que atualmente possui mais de 100 milhões de streamings na rede Spotify, levou a multidão à loucura total e encerrou o set com o público lançando toda a energia restante após quase duas horas de apresentação.

A Molchat Doma fez o improvável: destruiu barreiras linguísticas e encantou o público através de uma performance livre de falhas. Sem dúvidas, a apresentação do grupo bielorrusso foi a prova mais concreta de que a música não possui fronteiras.

Galeria de fotos por Edi Fortini

Molchat Doma encerra turnê pela América Latina com apresentação inusitada em São Paulo

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- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.