No auge do sucesso, Gloria Groove se tornou uma das Drag Queens mais influentes e respeitadas no Brasil. Antes de iniciar a sua turnê pela Europa, a artista conquistou o certificado de disco de platina triplo pelo álbum Lady Leste, ao atingir a marca de 500 milhões de streams nas plataformas digitais. Mesmo de regresso a Portugal, para Groove dessa vez está sendo diferente, com ‘gostinho’ de primeira vez.
“Esses dois anos de pandemia representaram várias viradas importantes na minha carreira, em diversos aspectos. Isso fez com que a minha vida se tornasse ainda mais emblemática e sinto que agora muitas pessoas me conhecem e eu posso conversar com mais gente”, conta a artista que, além de Portugal, também fará concertos no Reino Unido, Espanha, Suíça, e França.
Trazendo na bagagem o seu mais recente álbum de estúdio, Daniel Garcia, o artista que dá vida à Gloria Groove (e outras personas), lembrou do quanto a sua mãe teve um papel fundamental para a sua construção como artista. Nascido e criado na zona leste de São Paulo, no bairro da Vila Formosa, Daniel relembrou com carinho da sua maior referência.
“Eu tenho uma mãe chamada Gina Garcia, uma mãe solo, cantora, backing vocal, solista e que já trabalhou no pagode, na noite, nos navios, nos bares, nos bailes… Ela fez de tudo que uma cantora faz para conquistar repertório, para viver e ter essa experiência. Além disso, eu tive uma grande rede de apoio vinda dela. É como se a minha mãe fosse o motivo de tudo que eu sou hoje, pois ela foi, ao mesmo tempo, a minha rede de apoio e a minha maior inspiração como artista”, recorda Daniel, que dividiu com os jornalistas as dificuldades vividas pela sua mãe e o quanto vivenciar esses momentos fizeram com que o seu trabalho se tornasse algo tão diverso e cheio de atitude.
“Eu vi a minha mãe entrando e saindo de casa, tendo que se arrumar para sair e trabalhar. Mesmo o dia tendo sido horrível e catastrófico, ela tinha que se manter bem para estar apresentável durante o trabalho. Isso me fez criar um respeito muito grande por esses momentos, onde você personifica algo e entra em cena. Para mim, ela entrava em cena quando saia da porta de casa, porque ali ela já estava diferente”, relata com emoção, lembrando ainda das influências do repertório que a sua mãe lhe propiciou ao longo dos anos 2000, citando Mariah Carey como um dos exemplos. “Além do talento, minha mãe me deu um repertório, né? E conhecer o universo musical dela foi algo muito rico para a minha construção como artista.”
Com status de uma das maiores representantes da comunidade LGBTQIA+, Gloria Groove sabe da importância de se levantar bandeiras contra o preconceito e a intolerância. Hoje, ao lado de Pabllo Vittar, Groove diz que esse fenômeno é absolutamente explicável. Depois de emplacar um single em uma trilha sonora de novela e de alcançar, pela primeira vez, o Top 200 da parada global da Billboard com o hit ‘A Queda’, a cantora quer sentir agora o tamanho do seu poder de alcance no velho continente.
“Eu fico pensando em todas as coisas que tiveram que acontecer para que hoje a cena Drag pudesse chegar ao mainstream. Da boate para fora, né? Esse é o caminho que pessoas como a Pabllo e eu vimos acontecer. De sair da boate, passar a frequentar grandes espaços e chegar à televisão. Eu vejo como uma questão de amor, dedicação e de identificação. Porque foi através da identificação com essa cultura que eu conheci as Drag Queens, as Travestis e pude ver do que se tratava esse universo e o quanto de arte existia na linguagem, no vestuário e no dia a dia. Acompanhar tantas divas me fez descobrir como canalizar tudo aquilo que eu sempre gostei”, explica.
Sem medo de se posicionar, Gloria Groove é uma das artistas que mais se manifesta contra o atual governo. Para ela, é fundamental que se fale sobre política publicamente, principalmente em um país que, só no último ano, teve um aumento de 88% nos casos de estupro e violência contra pessoas LGBTQIA+. Segundo os dados divulgados pelo Anuário de Segurança Pública, os estupros saltaram de 95 para 179 entre os anos de 2020 e 2021, além dos 35% no aumento de casos de lesão corporal intencional e 7% de assassinatos entre pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, queers, intersexuais, assexuais e outras identidades de género.
“Eu me sinto fazendo o impossível e o improvável todos os dias. E é incrível como eu faço de uma forma leve, cheia de amor e carinho com todo mundo que faz isso comigo. Eu só paro para reparar o peso, a importância e a responsabilidade que eu carrego quando eu me deparo com esses fatos, pois para mim o meu trabalho é a coisa mais apaixonante do mundo. Eu jamais iria levá-lo como uma missão na qual eu tenha que ser a responsável em transformar essa parte do problema”, relata.
Gloria Groove ainda reforçou o quanto o seu trabalho é capaz de movimentar absolutamente tudo através do que ela mais gosta de fazer: música.
“O que eu gosto de notar é que eu consigo mexer com todas essas estruturas tirando da minha cabeça as coisas que são reais pra mim. Coisas que eu sinto que saem do meu coração. Quando você faz isso, você gera um canal de identificação tremendo e absoluto. E dadas as circunstâncias que o meu país vive neste momento, eu me sinto, de verdade, uma das pessoas mais invejadas do mundo, pois todo dia eu acordo e não acredito no que estou vivendo. Sempre foi muito improvável uma bicha afeminada como eu estar onde eu estou. Há oito anos atrás, ver o nosso trabalho sendo algo palpável, era inimaginável. Mas, mesmo assim, nós sempre fomos estrelas”, finaliza.