No último sábado (23), a banda paulistana Dance of Days celebrou 25 anos de carreira na Fabrique Club. Em conjunto com a comemoração, o evento também marcou o retorno do quinteto aos palcos depois da normalização da pandemia, além de ser a primeira apresentação do grupo após a vocalista Nenê Altro passar por transformação de gênero e se reconhecer como mulher.
Formada em 1996, a Dance of Days lançou 9 álbuns completos, 3 DVDs, além de uma infinidade de EPs, splits e coletâneas. Embora tenha conquistado certo espaço no mainstream em meados dos anos 2000s, com participações em programas de TVs e em grandes festivais durante o auge do movimento emocore no Brasil, a banda nunca recebeu a devida visibilidade por parte da mídia tradicional. No entanto, tais fatores nunca os impediram de ter uma agenda de shows ativa e uma legião de seguidores fanáticos.
Devido ao clima extremamente agradável que abençoava a tarde de sábado na capital paulista, a Rua Barra Funda se tornou um point perfeito para a ‘socialização pré-show’. Todos os bares do logradouro foram tomados por fãs, que destacavam sua devoção pelo grupo com camisetas e tatuagens com logos, artes das capas de discos e frases das composições da Nenê Altro.
Em razão de um pequeno adiantamento no horário de abertura (segundo o flyer oficial do evento, a casa iria abrir às 17h), uma parcela desinformada do público acabou perdendo boa parte do set do Gangorra. O grupo paulistano composto por quatro jovens pertence ao selo Repelente Records, cujo catálogo é administrado por Badauí e Phil Fargnoli , da banda CPM 22.
Durante a apresentação, os rapazes destacaram alguns de seus singles, como: ‘O que é bom pra mim?’, ‘Nada para provar’ e a inédita ‘Desconstruir‘ – que foi disponibilizada nas plataformas digitais um dia antes do evento. Próximo ao fim do concerto, o grupo mandou um cover de ‘Regina Let’s go’, composição que pertence ao CPM 22.
Em seguida, a Metade de Mim subiu ao palco para realizar sua segunda apresentação na cidade de São Paulo. Formada em 2019, a banda é uma das revelações mais interessantes do cenário independente atual, e vem ganhando cada vez mais popularidade entre admiradores de rock alternativo devido aos ótimos EPs Depois de Tudo que eu Passei e Volte/A Chuva/Acabou. O set contou com todas as principais músicas que o grupo disponibilizou até o momento, incluindo os singles: ‘Sem ar’, ‘Ainda’ e ‘Você não vale o trampo que dá’.
Por volta das 18h30 e com maior público presente na pista, foi a vez de Putz – projeto paralelo liderado por Cyro Sampaio (Menores Atos) e Gi Ferreira. O concerto do quarteto soft-grunge contou com as músicas ‘Grave’, ‘Mergulhar’ e ‘Fantasma-solidão’ – setlist similar à apresentação que ocorreu no início do mês de Julho, no Centro Cultural Butantã, em conjunto com a banda capixaba Dead Fish.
A apresentação foi acompanhada de pouca iluminação no palco, combinando perfeitamente com as guitarras calmas e efeitos delays que marcam as composições do grupo. Ao término do set, Gi Pereira recordou a necessidade de votar no candidato Luiz Inácio Lula da Silva em outubro, assim evitando a reeleição do atual presidente, Jair Bolsonaro.
A última banda escalada para abertura foi um nome que surgiu e cresceu junto à atração principal. Formada no final de 1995 pelas irmãs Isabella e Elisa Gargiulo, a Dominatrix foi uma das precursoras do movimento Riot Grrrl no Brasil e uma das principais influências nacionais no hardcore feminino.
As meninas apresentaram um setlist que englobou faixas de todos os discos da carreira do grupo, desde o EP Quem defende pra calar’ (2009), cujas letras abordam pautas feministas de maneira direta e crua, até o primeiro álbum com composições em inglês Girl Gathering (1997), que conta com a emblemática canção ‘My New Gun’ – um dos primeiros registros da música riot no cenário independente brasileiro.
Durante a canção ‘Meu corpo é meu‘, Elisa recordou de alguns casos sexistas que chocaram o país no último mês, como: o estupro de uma mulher sedada durante o processo de parto, a decisão partidária de uma juíza ao negar aborto a uma garota de 11 anos que havia sofrido abuso sexual e ataques de ódio por parte do público contra a atriz Klara Castanho, que doou legalmente uma criança após ser vítima de um estupro. A vocalista afirmou ainda que “o nosso país regrediu décadas em questão de direitos humanos durante esse último governo”.
Já com a casa completamente abarrotada (embora nenhuma nota oficial tenha sido divulgada por parte da agência Sobcontrole, do clube Fabrique ou assessoria de imprensa Tedesco Mídia, era possível observar que aquele tinha sido o evento com bandas nacionais que reuniu o maior o público desde que a casa voltou a sediar shows de rock com a normalização da pandemia), a Dance of Days subiu ao palco pontualmente às 19h30. Após a vocalista Nenê Altro recitar um poema acerca da vitória do amor sobre as coisas e a importância da auto aceitação, o grupo iniciou o set com a música ‘Vinde a mim‘, e seguiu com ‘Um dia comum‘.
Após Nenê comentar que era “uma enorme satisfação observar tantos rostos familiares dos adolescentes que vi crescer, e mesmo depois de adultos, continuam a acompanhar os meus shows”, o guitarrista Adriano Parussulo levou os fãs à loucura com o riff inicial de ‘Se essas paredes falassem’ – primeiro hit da banda a elevar a sua popularidade no cenário underground devido a participação no programa de auditório Musikaos (TV Cultura).
Em seguida, o grupo manteve a promessa mencionada nas redes sociais e apresentou um setlist com todas as principais faixas dos álbuns A história não tem fim (2001), Cavalo de Tróia (2002), A Valsa das águas-vivas’ (2004) e Insônia’ (2008). Entre as canções, o público pôde curtir ‘Esta Música Me Diz Tanto Que Nem Sei Como Não Tem Meu Nome’, ‘Me leve às estrelas’, ‘Pregos, Cruzes e Um Saco de Moedas’ e ‘Interlúdio Para Um Bar de Estrada Por 33 Anos Fora do Mapa‘.
O concerto também contou com ‘Corona Australis‘ e ‘Teorias de viver’, músicas que foram executadas em pouquíssimas apresentações da banda. A plateia também foi presenteada com a participação do ex-guitarrista Marcelo Verardi durante a ‘Balada do Corcel Verde Velho‘, deixando claro que saiu da Dance of Days devido a questões profissionais e que ainda possui uma relação amigável com a colega na qual dividiu os palcos por mais de 20 anos.
Em diversos momentos da performance, Adriano se jogou no público, abraçou os presentes que se encontravam próximos ao palco e até foi à pista com sua guitarra para se divertir. Nenê Altro também não se mostrou incomodada em abraçar e beijar os fãs que adentravam em sua ‘área de trabalho’, mesmo embora a postura de alguns de seus seguidores fanáticos fosse bastante evasiva.
Próximo ao término do show, Nenê comentou que, um pouco antes da pandemia, ela havia escrito diversas composições e que a Dance of Days iria entrar em estúdio para gravar um novo álbum. Porém, devido aos recentes acontecimentos que ocorreram em sua vida, ela decidiu abandonar o projeto e escrever um novo disco. Logo depois, foi a vez de apresentar ‘Clareia Noite’ – canção que estará presente no futuro material.
Como de costume, o set foi encerrado por uma ‘dobradinha’ das faixas ‘Correção’ e ‘A Vitória (ou coisa que o valha)’. Ao término, Nenê clamou “Fora Bolsonaro” e afirmou que “o amor vai superar o governo fascista”.
Foi impressionante observar que, após tantos anos de carreira, a Dance of Days ainda é capaz de arrastar multidões aos seus shows. A banda está mais viva do que nunca, e observar dezenas de pessoas entoando canções que foram idealizadas há mais de duas décadas, é a prova viva de que “a história não tem fim”.
Galeria de fotos por Mavinho Acoroni e Patrick Szymchek (Tedesco Mídia)
Texto por Guilherme Goés
Edição por Stefani Costa