Temos muito que agradecer à modernidade.
Imagine, por exemplo, como é sublime poder escutar a voz de quem já não está mais aqui. Colocar um disco pra tocar, ou talvez um áudio curto gravado e salvo nas nuvens. Local, quem sabe, ocupado por esses que já se foram.
E tem ainda a magia do audiovisual, da imagem e do som eternizados.
Penso no privilégio de ver e ouvir Ariano Suassuna (de quem tenho saudades) sem ao menos ter o conhecido pessoalmente. Perpetuado por suas palavras, o escritor fala num desses vídeos sobre o frenesi que acontece quando algo novo surge. As pessoas juram que será eterno, mas, depois que o frenesi passa, ninguém se lembra do que era prometido.
De vez em quando o moderno e o clássico se encontram, se abraçam e atravessam a ponte do tempo. Acho que esse é o caso de Rubel.
Tenho a impressão de que o músico está atravessando essa ponte e se divertindo com tudo que cruza o seu caminho. Não há mal nenhum em dançar com o efêmero, e ele faz isso muito bem.
Em As Palavras, o seu mais recente disco, escutamos as vozes de pessoas importantes pra ele. Quando Rubel canta, parece fazer uma oração do tipo que nos leva a acreditar que existe algo mágico em toda canção feita com afeto, como o caso da sensível ‘Amor de Mãe’.
Lembro de Gal Costa alegre, completamente seduzida pelo jovem solto que, mesmo sendo ainda uma grande novidade, nos faz pensar em como deve ter sido bom ter vivido a experiência de sentar-se na mesa de um bar com os rapazotes Chico Buarque e Caetano Veloso.
A nostalgia que Rubel traz é bonita, porque é cheia de esperança num futuro melhor, de quadris soltos e céu azul. Uma mensagem com a confiança de quem acredita que junto com a alegria, vem a tristeza, e que essa é a beleza de saber viver.
O músico canta a malandragem, mostra que gosta do Brasil do forró e do funk, pois o puritanismo não está com nada.
A faixa com BK, Gabriel do Borel e Mc Carol não dá espaço para desavisados e faz a gente ter vontade de dançar com a batida. Isso me lembrou uma canção de Raul Seixas que diz: “quem te fez com ferro, fez com fogo”.
O jovem Rubel, que se pronuncia Rúbel, e não Rubél (passei todos esses anos chamando-o de forma errada), me fez refletir sobre como é bonita a língua portuguesa e quão divertido é brincar com ‘As Palavras’, canção que nomeia seu novo álbum.
Ouvir cada sílaba ecoando por aí até virar música (algo que achava ser dom exclusivo de Arnaldo Antunes), me ajudou a enxergar que Rubel sabe brincar. É réu confesso, se permite dançar e fazer música com maestria.
Um disco bonito do começo ao fim, com parcerias tão diversas quanto cada nota que compõe o o novo trabalho. Um álbum que te faz ter vontade de dançar numa festa, de sentir saudades de um amor que se foi para se declarar ao novo que está aqui. É como acontece na canção em que Milton Nascimento é o convidado.
Que bonito, Rubel. No final, talvez seja a lua a pensar que nós é que somos as pequenas garrafas olhando pra ela.
Foto em destaque por Bruna Sussekind