Wu Tang Clan faz show histórico em SP e dedica música às periferias brasileiras


O dia 02 de abril sem dúvidas ficará marcado para sempre na história da cena hip hop brasileira. Após quase três décadas desde o lançamento de Enter the Wu-Tang (36 Chambers), o Wu Tang Clan, lendário grupo de rap estadunidense, finalmente veio ao Brasil.

Apesar de terem anunciado que a banda iria destacar todos os membros da formação original para a apresentação, GZA e Methodman não compareceram. Originalmente, o show estava marcado para acontecer na Arena Open Air, porém, na semana do evento, o espetáculo foi transferido ao Espaço Unimed.

Para a abertura, foram escalados o duo Tasha & Tracie, o rapper BK’ e a banda carioca Planet Hemp.

Formado em 1992 em Staten Island, bairro da periferia de Nova Iorque, Wu Tang Clan conquistou o mundo logo no primeiro lançamento com uma mistura única de batidas pesadas e letras inteligentes, se tornando um dos nomes mais influentes e respeitados da cultura hip hop.


Fotos: Gustavo Diakov/Hedflow



Composta de nove membros originais fantásticos por artes marciais (daí o nome: uma referência ao filme ao filme “Shaolin e Wu-Tang”), o conjunto também ficou conhecido por sua habilidade em combinar diferentes estilos musicais em suas canções, além de ser pioneiro em incluir sonoras de filmes e entrevistas entre as faixas, criando um som único e inovador que ajudou a definir a cara do rap dos anos 90. Até hoje, o grupo continua a inspirar novas gerações de artistas em todo o mundo.

Durante a semana que antecedeu o show, surgiu um boato nas redes sociais de que a venda de ingressos havia sido extremamente baixa, sequer chegando a 40% do total, o que gerou preocupação em relação ao sucesso do evento. No entanto, ao desembarcar na estação de metrô “Palmeiras – Barra Funda”, foi possível constatar que o rumor não passava de uma balela sem fundamentos.

Por volta das 15h, uma hora antes da primeira atração subir ao palco, a Rua Tagipuru já estava completamente tomada por fãs com adesivos e bandeiras da banda. Em um estacionamento próximo, um grupo de entusiastas exibia fuscas “tunados” e personalizados com o logo do Wu-Tang Clan, enquanto centenas de pessoas se reuniam para tirar fotos. Foi interessante notar a devoção exclusiva do público em relação à banda, com praticamente todos os presentes ostentando camisetas com o logo, demonstrando admiração implacável, quase que como uma seita religiosa.

Como de costume em eventos organizados pela 30E, os fãs tiveram a oportunidade de tirar uma foto em um pôster interativo com a arte oficial da turnê. Além disso, a Vans marcou presença com um estande de jogos, oferecendo um cenário “Instagravel” e uma máquina caça-níquel, onde os presentes podiam tentar a sorte e ganhar um tênis da marca.




Às 16h25, com um pequeno atraso de 10 minutos, as irmãs gêmeas Tasha & Tracie deram início à sessão de música da noite. Acompanhadas de uma intérprete muda no palco, as representantes do segmento “Expensive Shit” (algo como “hip hop ostentação voltado ao público feminino”) encantaram o público com uma apresentação dinâmica que incluiu algumas faixas do álbum Diretoria, coreografias de trap/funk e uma seleção de singles de sucesso lançados em 2021.

Os destaques do set foram as músicas ‘Amarrou’ (que contou com um emocionante discurso introdutório em homenagem às outras cantoras que inspiraram as gêmeas a cantarem rap) e ‘Sou Má’, single que conta com a participação da funkeira Ludmilla. Antes de iniciar a execução desta faixa, as irmãs comentaram que a idealização de um trabalho com a artista carioca era a realização de um sonho, e que gostariam que tal feito servisse de inspiração para “outras minas que estão no corre da arte”.

Apesar de terem se apresentado logo no início da gig, o show contou com um espetáculo de luzes e efeitos que não deixaram nada a desejar aos headlines, tornando a performance uma experiência emocionante tanto para o público quanto para as cantoras.




A festa continuou com a apresentação do rapper carioca Abebe Bikila Costa Santos, mais conhecido como BK’. Seu show começou com uma introdução de pick ups, seguida por ‘O Próximo Nascer do Sol‘, música do seu primeiro álbum Castelos & Ruínas, lançado em 2016.

Durante a execução da faixa, imagens do skyline noturno do centro do Rio de Janeiro foram projetadas no telão, deixando o palco com uma estética impressionante. Logo em seguida, ele apresentou na íntegra ‘Lugar na mesa‘, um single que produziu em colaboração com os músicos L7NNON e JXNV, que conta com synths de trap music mais expressivos.

Para homenagear a cidade maravilhosa, durante a execução de ‘Julius’ e ‘Quadros‘, o cenário foi enfeitado com imagens do principal ponto turístico da metrópole: o Cristo Redentor sob um céu estrelado e belas artes em movimento. Nesta ocasião, as cantoras de backing vocals tiveram a oportunidade de se destacar um pouco mais no palco.




Em ‘Se eu não lembrar‘, uma das cantoras de apoio assumiu praticamente o protagonismo do show ao interpretar o refrão de Marina Sena. Encerrando, o rapper convidou todos os seus colegas de trabalho para frente do palco em ‘Universo’, fechando o set de forma emocionante.

Com efeitos visuais extraordinários e uma banda de apoio afiada, BK’ ao público old school do rap a nova cara do movimento –  tanto em termos de som quanto de estética – e mostrou o porquê de ser considerado como um dos principais nomes da cena hip hop atual.




Com um novo disco no repertório, intitulado Jardineiros, o icônico grupo Planet Hemp subiu ao palco com a missão de aquecer a pista para o Wu Tang Clan. Antes de Marcelo D2, Bnegão e companhia subirem ao palco, um vídeo mesclando cenas de entrevistas da banda, uma homenagem ao rapper Sabotage e críticas à violência policial foi exibido.

Ao término da introdução, o conjunto surgiu no cenário com Bnegão já agitando todo mundo em ‘Distopia’, um das faixas do no disco, que conta com uma referência a música ‘Pela Paz Em todo Mundo‘, do grupo punk paulistano Cólera. Ainda seguindo com o novo lançamento, ‘Marcelo Yuka’ destacou um riff punk rock, enquanto os telões projetavam efeitos de chamas em movimentos, chegando a causar a impressão de que o palco realmente estava pegando fogo.

Depois, o set seguiu com uma mescla de sucessos antigos e faixas inéditas, como ‘Puxa Fumo’, ‘Dig Dig Dig (hempa)’, e ‘Jardineiro’, canção que leva o nome do novo material. Nesta ocasião, a iluminação baixa no palco prejudicou a visualização dos integrantes da banda.

Entre as surpresas vale mencionar ‘Hip Hop Rio’, uma música que combina bases pré-gravadas de cavaco com instrumental rock’n’roll, apresentada pela primeira vez em 20 anos, ‘021’, que exibiu cenas de diversas paisagens do Rio de Janeiro (de novo!!!) e ‘O Ritmo e a Raiva‘, que conta com a participação do rapper Black Alien. Durante a execução desta última faixa, D2 prestou homenagem às bandas Dead Kennedy’s e Sonic Youth.






Próximo ao fim do show, Marcelo D2 levantou uma camiseta com uma arte em alusão ao Dia Mundial da Conscientização do Autismo, celebrado em 02 de abril, e, em seguida, apresentou ‘Onda Forte‘, uma colaboração com a funkeira MC Carol, acompanhada por projeções psicodélicas no telão. Na sequência, o conjunto destacou com hitsContexto‘, ‘A culpa é de quem?‘ e ‘Mantenha o respeito‘, esta última com imagens captadas no meio do público durante o mosh, exibidas no telão principal, resultando em cenas de tirar o fôlego da plateia.

Planet Hemp foi uma escolha certeira para abrir um show tão importante como o Wu Tang Clan. Foi impressionante notar como eles ainda conseguem abordar temas importantes e atuais, mesmo após tantos anos de carreira. A mensagem do grupo é tão relevante hoje quanto era no início dos anos 90. Além disso, foi possível observar que, como o novo álbum “Jardineiros“, o conjunto conseguiu manter suas raízes e ainda assim apresentar algo novo.

WU TANG CLAN

Após o encerramento do set do Planet Hemp, a expectativa geral se voltou para o próximo show: o tão aguardado Wu Tang Clan. Um DJ estrangeiro, arriscando algumas palavras em português, anunciou a chegada iminente da lendária banda de hip hop, mas não antes de apresentar algumas músicas que incluíram até clássicos nacionais como ‘Ela partiu’ (Tim Maia), ‘Na rua, na chuva, na fazenda’ (Hyldon) e ‘Pontos de Luz’ (Gal Costa).

Com a pista completamente lotada, pontualmente às 20h30, as lendas do hip-hop RZA, Ghostface Killah, Masta Killa, Raekwon, Cappadonna, Inspectah Deck, U-God e DJ Mathematics subiram ao palco em completo clima de descontração, dançando e bebendo champagne. O set começou com‘Killa Bees On The Swarm/Clan in da Front‘ e ‘Bring da Ruckus’, com a plateia entusiasmada gritando de maneira ritmada “Wu Tang, Wu Tang!”





A festa continuou em ritmo acelerado enquanto RZA jogava champagne na multidão emDa Mystery of Chessboxin’, um single especialmente querido pelos fãs brasileiros devido a constante exibição do videoclipe no programa “YO! MTV”. Na música seguinte, ‘One Blood Under W’, os instrumentos tradicionais ganharam destaque, especialmente a guitarra. Entretanto, as batidas pesadas logo tomaram conta da cena com ‘Shame On a Nigga’, ‘Can It Be All So Simple’, ‘Clan In Da Front’ e ‘Uzi (Pinky Song)’, a única faixa do álbum Iron Flag que foi incluída no repertório.

“Nós dedicamos essa música ao povo da periferia e das favelas brasileiras. Nós vivíamos no gueto, lá nos Estados Unidos, e a nossa realidade foi parecida com a realidade que vocês vivem”, comentou Masta Killa antes de ‘C.R.E.A.M’, que pode ser considerada como o maior sucesso do grupo. Mantendo a empolgação da plateia, os rappers seguiram com ‘Method Man’, outra canção de destaque do disco ‘Enter the Wu-Tang (36 Chambers)’.

Ao término dos hits explosivos, o setlist seguiu com uma mescla de músicas do Wu Tang Clan , como ‘For Heavens Sake’ e ‘Tearz‘, além de outras das carreiras solos dos artistas, entre elas: ‘Run’ (Cappadonna), ‘Ice Cream’ (Raekwon), ‘Got Your Money’ e ‘Shimmy Shimmy Ya’, de Ol’ Dirty Bastard (integrante da formação original falecido em 2004).

Embora a acústica tenha sido perfeita durante todo o show, os efeitos especiais projetados no telão foram bastante repetitivos, destacando apenas imagens com versões alternativas do logo do grupo, cenas de videoclipes e recortes do filme Shaolin e Wu-Tang. Nesse aspecto, a atração principal deixou a desejar em comparação com as bandas de abertura, que apresentaram projeções originais em suas performances. Entretanto, houve uma exceção próximo ao encerramento do set regular, durante a música ‘Triumph’, quando uma história em quadrinhos com os membros da banda em um cenário cyberpunk foi exibida, assim surpreendendo a plateia.




Depois de um breve bis, os mestres do hip hop retornaram ao palco e mandaram ‘Reunited’, uma música do álbum Wu Tang Forever. Em seguida, RZA provocou os fãs brasileiros dizendo que eles não tinham superado os chilenos e que aquela era a última oportunidade para eles mostrarem que eram os melhores. Como resposta, centenas de pessoas pularam e cantaram alto ‘4th Chamber’, uma música original de GZA.

Originalmente, o setlist já havia sido concluído. Entretanto, para a surpresa de todos, os integrantes do Wu Tang Clan fizeram um mashup com ‘Smells Like Teen Spirit’ e improvisaram uma performance freestyle original. Logo após, eles ainda seguiram com a icônica ‘Protect Ya Neck’, mas já havia passado das 22h e o som foi abruptamente cortado no meio da música.

Demorou muito, mas a espera valeu a pena! O show do Wu Tang Clan em São Paulo foi simplesmente surreal. O conjunto trouxe um repertório matador, destacando os principais sucessos, além de outras músicas emblemáticas da carreira solo de seus rappers.

Já a plateia, composta por fãs fiéis, realizou um espetáculo à parte, cantando todas as letras e dançando sem parar.  Além disso, a performance dos músicos foi impecável e mostrou que o hip hop é uma forma de arte complexa e sofisticada. Uma experiência única e memorável, que evidenciou o legado da banda e justificou o porquê de ser venerada como uma entidade divina.





Texto e vídeos por Guilherme Góes
Fotos por Gustavo Diavok

Wu Tang Clan faz show histórico em SP e dedica música às periferias brasileiras

Por
- Estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança e participante do cenário musical independente paulistano desde 2009. Além da Hedflow, também costuma publicar trabalhos no Besouros.net, Sonoridade Underground, Igor Miranda, Heavy Metal Online, Roadie Crew e Metal no Papel.