“Xenofobia em Portugal só é crime no papel”, diz mais uma brasileira vítima de agressão em Lisboa

Mais um caso envolvendo xenofobia contra uma brasileira em Portugal. Dessa vez, a vítima foi uma pesquisadora paulistana de 42 anos. O ataque aconteceu nesta segunda-feira (4), no Rossio, região central de Lisboa. Carolina (nome fictício) conta que estava no ponto aguardando a chegada do ônibus quando foi destratada aos gritos: “A senhora não é portuguesa, não deve cá estar!”. A brasileira diz ainda que a agressão só parou quando conseguiu soltar as sacolas no chão para gravar os insultos.

“Cheguei ao ponto de ônibus do Rossio, onde passa a linha 732, e essa senhora estava sentada em uma ponta do banco. Do outro lado, ao invés de eu sentar e continuar segurando desconfortavelmente as sacolas, resolvi apoiá-las para aliviar o peso e a dor nas mãos. Em seguida, chegou um senhor e sentou ao meio e ela começou a reclamar comigo de modo grosseiro, pois, segundo a senhora, ele havia sentado perto dela porque eu estava ocupando o local com as minhas sacolas. A partir desse desentendimento banal, ela aproveitou para fazer os ataques xenófobos”, relatou.

Carolina afirma que ligou para a polícia, mas a atendente disse que só seria possível registrar a queixa se ela fosse até a delegacia com os dados da agressora. Ao argumentar que não era possível ter os dados da pessoa que a agrediu, apenas a gravação, a vítima perguntou à atendente se xenofobia era crime em Portugal e a mesma respondeu que sim. “A seguir, ela disse que se a senhora voltasse a proferir tais palavras, era para eu telefonar novamente. Questionei se a polícia não poderia intervir quando o ato xenófobo já havia sido praticado, mas a atendente ficou muda e não soube responder”, explicou a brasileira, que faz doutorado em Filosofia.

Vivendo em Portugal desde 2019, Carolina, que possui cidadania portuguesa, achou melhor não divulgar a sua identidade por ter uma filha pequena e por não se sentir protegida diante do crescimento de ataques xenófobos e racistas no país. “Acredito que divulgar o vídeo será muito útil. Essas pessoas se acham livres para tentar constranger sob a impunidade da lei. Infelizmente, a xenofobia aqui só é crime no papel, pois, no fim, a gente denuncia e nada acontece”, desabafou. 

A bolsista revelou ainda que a primeira vez que sofreu agressão xenófoba em Portugal ficou “paralisada” e que teve medo de conversar sobre isso em público. “Agora estou mais esperta, não caio mais nessa, pois o ataque dela não foi só contra mim. Foi contra toda a comunidade brasileira”, ressaltou.




Quando a xenofobia vira violência física

Na última quarta-feira (28/11), a jornalista e estudante de pós-graduação Grazielle Tavares, de 49 anos, foi agredida com um soco na boca e chutes na barriga pelo português João Bernardo Mendes, dentro da Universidade do Minho, em Braga. O agressor, além de abrir uma queixa-crime contra a vítima, disse ao Blog do Vicente que “apenas reagiu à agressão” que lhe foi desferida por Grazielle.

“A única pessoa que me socorreu e ficou ao meu lado a todo instante foi uma professora, que me amparou e repreendeu o segurança da universidade que tentou, a todo momento, dizer que eu era a culpada pelo que tinha acontecido. O tempo todo ele me perguntava o que eu tinha dito ao João Bernardo para ele me agredir daquele jeito”, revelou a carioca, que está em Braga há menos de dois meses.

Depois de deixar o cargo como jornalista na assessoria de comunicação social da prefeitura de Quissanã, no interior do Rio de Janeiro, Grazielle escolheu Portugal para fazer uma pós-graduação em comunicação. Mesmo estando extremamente abalada, a brasileira afirma que irá até o final por justiça. “Levei um socão absurdo na boca, um chute enquanto estava no chão, e foi ele que abriu uma queixa-crime contra mim. Eu nem sei o que dizer. Não consigo nem dobrar o meu pulso.”, desabafou.

João Bernardo Mendes agrediu a brasileira Grazielle Tavares com um soco a boca dentro da Universidade do Minho, em Braga, Portugal



Na noite da agressão, a Guarda Nacional Republicana (GNR) se limitou a pegar o relato da vítima e sequer a levou para fazer exame de corpo de delito. Grazielle revelou que teve de pedir ajuda a um amigo para que a acompanhasse até um hospital a fim de comprovar, por meio de exames, a agressão que havia sofrido. “Cheguei faz pouco tempo e podia imaginar qualquer coisa, menos isso. Eu vim do Brasil, do Rio de Janeiro, uma cidade extremamente violenta. Porém, sou uma mulher forte.”

O fluxo de brasileiros em Portugal cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Especialistas em imigração afirmam que a comunidade brasileira já representa entre 6% a 8% da população do país europeu. Segundo o balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, desde 2017, as denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% no país.

Grazielle já está sendo acompanhada por uma advogada e o caso será resolvido na Justiça. A Universidade do Minho abriu um processo disciplinar para apurar o caso e disse que o aluno será afastado até a conclusão das investigações.

“Xenofobia em Portugal só é crime no papel”, diz mais uma brasileira vítima de agressão em Lisboa

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- Latino-americana, imigrante e jornalista. @sttefanicosta