Uma das piores consequências do liberalismo com a sua sustentação capitalista é o empoderamento de pessoas carregadas de racismo e xenofobia. Um dos ‘melhores’ exemplos dentro do nicho da música pesada é o vocalista do Disturbed, David Draiman.
Desde a operação promovida por grupos de resistência palestinos no dia 7 de outubro de 2023, o líder da banda, que se declara judeu, vem externando o seu apoio ao massacre promovido pelo sionismo (movimento político ideológico para a criação de um estado judaico).
Em entrevista ao canal Linda Advocate (transcrita pelo site Blabbermouth), é perceptível na fala de Draiman o mesmo comportamento de personalidades da extrema direita mundial, tais como Donald Trump, Javier Milei e Jair Bolsonaro.
Ataques a Roger Waters
É notória a ausência de qualquer explicação construída por uma linha lógica de raciocínio. São apenas externados xingamentos, intenções violentas e acusações falaciosas: um típico discurso de ódio. A mesma narrativa de ‘fobia’ aos árabes e muçulmanos, que substituíram os judeus como alvo neste ressurgimento da extrema direita (leia-se nazi-fascismo) ocidental.
“Ele é um covarde, um hipócrita. É um defensor de ditadores e regimes ditatoriais pelo mundo. Ele ‘passa pano’ para o Putin e para qualquer pessoa que esteja do lado errado da história” vociferou Draiman contra o músico Roger Waters durante o podcast.
Se existem dois adjetivos que não cabem de jeito nenhum ao ex-Pink Floyd, são ‘covarde’ e ‘hipócrita’. Há muito tempo o músico tem sido solidário às causas das minorias, sem se abster de opiniões críticas (e bem embasadas) que muitas vezes são julgadas como sensacionalistas, desnecessárias ou radicais. No mainstream isso exige coragem, ainda mais em uma sociedade virtual na qual para muitas (sub) celebridades o mais importante é manter milhares de seguidores e seus likes do que compreender fatos políticos e sociais. Waters nunca fingiu ou falseou a sua visão de mundo. A interpretação de Draiman é bem típica de quem passou uma vida ouvindo ‘Wish You Were Here’ achando que se tratava de uma balada romântica.
Efeito manada
É risível como alguns líderes de bandas famosas de heavy metal do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental, da noite para o dia e após várias turnês de sucesso na Rússia, se tornaram tão críticos e odiosos a Vladimir Putin. Um outro exemplo, além de Draiman, é Sharon Den Adel (Within Temptation), que tem se colocado em um pedestal pelos seus posicionamentos em defesa da Ucrânia, sem citar uma única vez a OTAN ou o Batalhão de Azov, no qual, inclusive, integrantes utilizam simbologia nazista.
Não espere de Draiman ou Sharon qualquer crítica aos presidentes e governos estadunidenses que, com apoio das potências europeias, mataram mais de 4,5 milhões de pessoas desde o 11 de setembro de 2001, segundo o Watson Institute International & Public Affairs, da Brown University.
Sob a cortina da ‘democracia liberal’, quem não concorda com as intenções do Império são automaticamente julgados como regimes ditatoriais.
“O cara é um bully e ele nem ousaria se envolver comigo porque não se trata de lógica, raciocínio, fatos e realidade para pessoas como ele. É tudo sobre a sua narrativa antissemita alimentada pelo ódio, apenas cheia de rancor, de que eles continuam a alimentar esta narrativa de demonização do nosso povo, do Estado de Israel, da sua incapacidade de aceitar que existimos. Ele é um monstro”, exclama Draiman.
Chega a ser ‘tragicômico’ quando o líder do Disturbed cita “lógica”, “raciocínio”, “fatos” e “realidade” quando o assunto é o genocídio promovido pela ocupação israelense na Palestina. A real lógica nisso é que o governo de Israel impõe um processo de limpeza étnica com práticas comparáveis às da Alemanha nazista.
É fato que também existe um apartheid, com todas as semelhanças possíveis deste mesmo tipo de regime que assombrou por décadas a África do Sul de Nelson Mandela. E a realidade que temos visto nas redes sociais é a de um genocídio transmitido ao vivo, cujas maiores vítimas são idosos, crianças e mulheres palestinas.
Draiman fala de narrativa antissemita sem sequer ter ciência do conceito de antissemitismo (aversão aos semitas – que englobam várias etnias, como hebreus, arameus, fenícios, árabes e assírios).
As três grandes religiões monoteístas (islamismo, judaísmo e cristianismo) possuem raízes semitas, e não apenas o judaísmo. Ou seja, os palestinos, independente de crença, antropologicamente falando, podem se considerar mais semitas que os judeus israelenses, que em sua maioria descendem do Leste Europeu (judeus asquenazes).
Sendo assim, não deveria haver nenhum espanto ao afirmarmos que a obliteração promovida pelo exército de Benjamin Netanyahu é, definitivamente, uma prática antissemita. Outra curiosidade sobre o primeiro ministro de Israel: ele é filho de um polonês chamado Benzion Mileikowsky, cujo sobrenome foi alterado. Na época, era uma prática comum para os imigrantes sionistas adotar um nome hebraico. Nathan Mileikowsky (pai de Benzion e avô de Benjamin) começou a assinar alguns dos artigos que escrevia como Netanyahu (versão hebraica do seu primeiro nome) e seu filho o adotou como nome de família, talvez para que soasse mais judeu.
No mais, David Draiman insistiu sobre haver uma “narrativa de demonização do nosso povo, do Estado de Israel, da incapacidade de aceitar que existimos”. Que o ódio aos judeus existe, isso é um fato incontestável. Porém, associar esse preconceito aos que defendem a soberania do povo palestino é um misto de ignorância e mau-caratismo.
Os povos mais demonizados do século XXI têm sido os árabes e muçulmanos como consequência da guerra ao terror iniciada por George W. Bush em 2001. O Estado de Israel foi uma criação da Liga das Nações (instituição que antecedeu a ONU) sem consultar o povo palestino, que vivia em paz até a invasão dos britânicos pós Primeira Guerra Mundial. Ou seja, Israel é fruto de uma política colonial em que europeus brancos mais uma vez invadiram territórios já habitados por diferentes povos.
A incapacidade de aceitar a existência de um povo partiu de israelenses. Desde 1947, com apoio das potências ocidentais, sionistas promovem massacres nas aldeias, vilarejos e cidades palestinas a fim de imporem a sua autodeterminação.
É explícito que a vertente ideológica de extrema direita tem como uma de suas principais características o racismo. Portanto, quem se posiciona a favor do que Israel tem feito na Faixa de Gaza e na Cisjordânia está apoiando uma política neofascista.
O sionismo se escora no judaísmo para se vitimar através de um suposto antissemitismo e, assim, convencer o maior número de pessoas (como o próprio David Draiman) de que Israel, posto em termos infantes, é o verdadeiro ‘mocinho’ dessa história e não o ‘vilão’.
Esse discurso reacionário e violento acaba sempre sobrando para gente como Roger Waters, que está realmente ao lado daqueles que lutam há décadas por paz, justiça e liberdade neste mundo.
Texto por Pedro Valença.