Quem diria que o emo continuaria relevante mais de duas décadas após sua chegada ao Brasil
Ridicularizado por muitos críticos musicais e pela velha guarda do rock, o estilo enfrentou forte preconceito quando surgiu e dominou o mainstream, sendo rotulado como uma “modinha adolescente”. No entanto, em pleno 2025, o emo se reinventa com novos artistas, enquanto bandas veteranas seguem na ativa com lançamentos e turnês. Prova disso é o festival I Wanna Be, que acontecerá em agosto no Allianz Parque, em São Paulo, e no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, mostrando que os nomes da cena podem ocupar o mesmo espaço de grandes artistas do pop atual após tanto tempo de seu auge.
No início de junho, o público testemunhou mais uma vez a força desse movimento. O Festival Polifonia apresentou sua maior e mais especial edição, intitulada Emo Vive. Em formato de turnê, o evento passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, trazendo três bandas internacionais ao lado do principal representante brasileiro do gênero. A Fresno se uniu aos norte-americanos Anberlin, Emery e MAE para apresentações especiais, nas quais álbuns clássicos do emo foram executados na íntegra. Em São Paulo, a banda Hateen ainda fez dois shows distintos: um com repertório em português e outro focado na fase em que cantava em inglês. Representantes da Hedflow marcaram presença na segunda noite da festa na capital paulista, realizada no domingo (8), no Clube Audio.
No dia do evento, a festa começou dando espaço a novos representantes da cena emo nacional. A banda Morro Fuji, vinda diretamente do ABC Paulista, mostrou ao público uma nova fase do estilo. Com faixas como ‘Cisma Insone’, ‘Céu Cor de Rosa’ e ‘Cores e Luzes’, o grupo apresentou um som marcado pela fusão de influências que vão do shoegaze ao indie e ao rock atmosférico — um reflexo da evolução estética e sonora do emo contemporâneo.

Na sequência, foi a vez do Hateen subir ao palco. Mesmo tendo se apresentado no dia anterior, a banda retornou para levar o público de volta aos anos 2000 com uma seleção de hits que marcaram gerações e fizeram parte da programação de canais como MTV e Mix TV. O repertório foi fortemente baseado no clássico álbum ‘Procedimentos de Emergência’, com músicas como ‘Não Vá’, ‘Uma Vida Sem Saudade’, ‘Inferno Pessoal’, ‘Se Um Dia Lembrar de Mim’ e ‘Quem Já Perdeu um Sonho Aqui?’. Também houve espaço para canções da fase mais recente da banda, como ‘Não Vai Mais Ter Tristeza Aqui’, ‘Coração de Plástico’ e ‘Obrigado Tempestade’, do álbum homônimo.

Entre os momentos mais marcantes da apresentação, destacou-se a participação especial de Esteban Tavares na execução do sucesso atemporal ‘1997‘. Em relação ao repertório, uma parte do público se frustrou com o foco excessivo no disco de 2006, esperando um repertório mais equilibrado com músicas de outros álbuns em português. Ainda assim, foi uma oportunidade poderosa de reviver com intensidade a nostalgia da era de ouro do emo brasileiro.
MAE, banda estadunidense de Norfolk, Virgínia, formada em 2001 e finalmente estreando no Brasil, manteve a energia da plateia em alta e deu início ao bloco de atrações internacionais. O grupo já havia se apresentado no dia anterior, mas voltou ao palco com a mesma intensidade.
Executando na íntegra o álbum The Everglow, os músicos entregaram uma sonoridade mais próxima do indie rock e do alternativo do que do emo tradicional. Canções como ‘We’re So Far Away’, ‘Someone Else’s Arms’, ‘The Breakdown’ e ‘The Ocean‘ foram marcadas por passagens extensas de teclado, vocais suaves e guitarras harmônicas — características que deram ao show um clima mais contemplativo e atmosférico.
Apesar do estilo mais sereno, o público respondeu com entusiasmo, cantando junto diversas faixas e celebrando o momento com devoção. No entanto, um ponto levantado por parte da galera foi a longa duração do set, que passou de 1h15 — o mais extenso do festival, exceto pelo show principal. Alguns criticaram a gestão de tempo, sugerindo que a organização poderia ter distribuído melhor os horários, permitindo que outras atrações também tivessem mais espaço no palco.

Representando o screamo e a face mais reflexiva do emocore — com letras marcadas por temáticas cristãs e outros temas metafóricos — , a banda Emery, vinda diretamente de Rock Hill, Carolina do Sul, fez seu aguardado retorno ao Brasil após 19 anos, entregando um dos sets mais animados de todo o festival.
Originalmente, a apresentação seria centrada no disco ‘The Weak’s End’ (2004), mas acabou dando lugar ao álbum ‘The Question’, que completa 20 anos em 2025. A mudança não gerou incômodo: pelo contrário, o público recebeu de braços abertos a celebração de um dos trabalhos mais admirados do conjunto.
Mesmo sem o tecladista Josh Head — figura fundamental por suas passagens marcantes no instrumento — , o Emery entregou um show explosivo. Faixas como ‘So Cold I Could See My Breath’, ‘Playing With Fire’ e ‘In a Win, Win Situation’ mostraram toda a vitalidade da banda, com os integrantes correndo pelo palco, alternando vocais limpos e gritos guturais, enquanto a plateia acompanhava com fervor.
O set ainda contou com um momento acústico, incluindo as emocionantes ‘The Weakest’ e ‘The Terrible Secret’. Na reta final, vieram ‘The Ponytail Parades’ e ‘The Party Song’, mas o ápice foi com ‘Walls’ — um dos maiores hinos do screamo — que contou com a participação especial de Esteban Tavares. A faixa desencadeou o moshpit mais intenso do festival, em um verdadeiro pandemônio.
Apesar da curta duração do show, com apenas 10 músicas, a apresentação foi suficiente para satisfazer os fãs que esperaram quase duas décadas por esse momento.

Na reta final do festival, o palco recebeu mais uma atração de peso do cenário emo: os estadunidenses do Anberlin, retornando ao Brasil após uma década — foi a primeira vez do conjunto aqui desde a turnê de despedida anunciada em 2014. Desta vez, a banda contou com Matty Mullins, vocalista do Memphis May Fire, substituindo Stephen Christian, que está temporariamente afastado das turnês.
A apresentação foi dedicada ao álbum ‘Never Take Friendship Personal’ — o trabalho comercialmente mais bem-sucedido da banda — executado na íntegra. O show foi uma verdadeira avalanche de hits: ‘Paperthin Hymn’, ‘Stationary Stationery’, ‘(The Symphony of) Blasé’, ‘The Runaways’ e, claro, o hino ‘The Feel Good Drag’ incendiaram o público. Centenas de fãs cantavam, pulavam e se jogavam no moshpit, embalados por uma nostalgia intensa.
Matty surpreendeu positivamente, entregando uma performance à altura do vocal original e imprimindo sua própria energia ao repertório. A banda também demonstrou entrosamento impecável, com destaque para o baterista Nathan Young, que apareceu no palco vestindo uma camiseta do Corinthians — detalhe que reforçou a conexão com uma parte da plateia paulistana.
A sonoridade do álbum apresentado lembrou, em muitos momentos, os primeiros trabalhos da Fresno, evidenciando a forte influência que o Anberlin exerceu sobre a cena emo brasileira. Um ponto negativo, porém, foi a iluminação do show: em diversos momentos, os músicos ficaram quase invisíveis, aparecendo apenas como silhuetas no palco — o que prejudicou a experiência visual.
Que o Anberlin não demore mais dez anos para retornar ao Brasil. Com uma discografia repleta de hits, ainda há muito que pode (e merece) ser celebrado ao vivo por aqui.

Encerrando o festival com chave de ouro, a Fresno subiu ao palco com um setlist especial, celebrando a fase da carreira que os fãs carinhosamente apelidaram de “Velho Testamento” — os álbuns ‘Quarto dos Livros’, ‘O Rio, A Cidade, A Árvore’ e ‘Ciano’. Embora hoje a banda desfrute de uma carreira consolidada no mainstream, suas raízes estão fincadas no emo underground, e esse show foi um retorno direto à essência.
O repertório não apresentou os discos na íntegra, mas destacou os principais hits dessa fase marcante: ‘Teu Semblante’, ‘Stonehenge’, ‘Onde Está?’, ‘Duas Lágrimas’, ‘Alguém Que Te Faz Sorrir’ e ‘Quebre as Correntes’ embalaram o público em um momento de pura catarse coletiva. O show contou com um cuidado visual especial, com artes no telão de LED remetendo às capas e estéticas dos álbuns homenageados — um detalhe que somou à carga emocional da apresentação.
Hoje, o som da Fresno se aproxima mais do pop, além de exibir passagens de eletrônico e indie, e os shows da banda costumam acontecer em grandes festivais. Por isso, essa performance teve um sabor especial: foi uma oportunidade rara de reviver como eram os shows da banda durante o auge do emo nacional, nos anos 2000, quando tudo ainda era mais intenso e íntimo.

O Emo Vive foi, sem dúvidas, um sucesso absoluto. Mais do que apresentações impecáveis, o festival proporcionou uma atmosfera acolhedora e vibrante, unindo diferentes gerações da cena alternativa. Seja em festas revival em casas improvisadas, em clubes médios ou em megaeventos em estádios, o emo segue vivo — forte, renovado e mais diverso do que nunca. Que venham mais iniciativas como essa para manter acesa a chama de um movimento que marcou e ainda marca tantas vidas.
Fotos: Danilo Costa (Credenciado pelo site Music On The Road, que gentilmente compartilhou seu trabalho com a Hedflow)
Setlists
Hateen
Não vá
Uma vida sem saudade
Coração de plástico
Passa o tempo
Inferno pessoal
Minha melhor invenção
Se um dia lembrar de mim
Você não pode desistir
Quem já perdeu um sonho aqui?
1997 (com Esteban Tavares)
Obrigado tempestade
MAE
Embers and Envelopes
Prologue
We’re So Far Away
Someone Else’s Arms
Suspension
This Is the Countdown
Painless
The Ocean
Breakdown
Mistakes We Knew We Were Making
Cover Me
The Everglow
Ready and Waiting to Fall
Anything
The Sun and the Moon
Emery
So Cold I Could See My Breath
Playing With Fire
Studying Politics
The Weakest
The Terrible Secret
Listening to Freddie Mercury
In a Win, Win Situation
The Ponytail Parades
The Party Song
Walls
Anberlin
Never Take Friendship Personal
Paperthin Hymn
Stationary Stationery
(The Symphony of) Blasé
A Day Late
Time & Confusion
The Runaways
The Feel Good Drag
Audrey, Start the Revolution!
A Heavy Hearted Work of Staggering Genius
Dance, Dance Christa Päffgen
The Resistance
High Stakes
Godspeed
Fresno
Teu semblante
Se algum dia eu não acordar
Stonehenge
Onde está?
Evaporar
Duas lágrimas
Verdades que tanto guardei
A resposta
Alguém que te faz sorrir
Absolutamente nada
O que hoje você vê
Cada poça dessa rua tem um pouco de minhas lágrimas
Quebre as correntes
Texto: Guilherme Góes
Agradecimento Especial: Maria Correia