Como profissionais da cultura estão encarando os impactos da Covid-19 nas indústrias de Portugal e Brasil

Via É@gora – No dia 10 de Abril, especialistas se reuniram e publicaram um artigo no The New York Times para discutir quais serão as possíveis medidas necessárias após o pico da crise mundial no intuito de que as populações possam voltar a circular nas ruas. Segundo Zeke Emanuel, diretor do Healthcare Transformation Institute da Universidade da Pensilvânia, vice-reitor de iniciativas globais e especialista em bioética, os grandes eventos só devem voltar no segundo semestre de 2021, sendo bem otimista.

“Reuniões maiores – conferências, shows e eventos esportivos – quando as pessoas dizem que vão adiar estas conferências ou eventos de formatura para Outubro de 2020, eu não tenho ideia de como elas acham que essa é uma possibilidade plausível. Acredito que essas coisas serão as últimas a voltarem. Realisticamente, estamos falando da primavera de 2021, no mínimo”, afirma.

Tentando perceber os impactos da pandemia em Portugal, falamos com Luis Salgado (produtor de um grande festival de música no país, o Vagos Metal Fest. Ele também é responsável pela Amazing Events. Foi então apurado que o governo ainda não apresentou nenhuma medida suficiente o bastante para ajudar o setor de maneira efetiva, esse que foi um dos primeiros a paralisarem suas atividades. Luis reforçou ainda que as propostas estão aquém do que é necessário para que, futuramente, os profissionais da área sejam levados mais a sério.

“As primeiras propostas são, de facto, insuficientes para um mercado já de si frágil. Aqui a minha preocupação será primeiro para bandas, técnicos e pequenas empresas. Como já referido, fomos dos primeiros sectores a fechar e tudo indica que seremos o último a abrir, e depois ainda vamos depender da confiança das pessoas, e, claro, doutros sectores (por exemplo, o da aviação) para assegurar o regresso à normalidade”, afirma Salgado.

Luis Salgado durante o Vagos Metal Fest 2019 – Foto: Victor Souza



Já para a psicóloga e também produtora de eventos, Rita Limede, será difícil salvar o mercado de eventos, mesmo que todos os apoios sejam bem-vindos. No último dia 15, o FMI (Fundo Monetário Internacional) já havia anunciado uma previsão de 8% na queda do PIB (Produto Interno Bruto) português, com mais de 380 mil desempregados.

“Poderá haver mais espaços a fecharem, apostas mais conservadoras por parte das promotoras, ou, até mesmo, a falência de empresas relacionadas com a produção – som, montagem de palcos, etc. Outro dos fatores aqui a considerar será sobre a mudança da situação económica e as previsões de desemprego na população geral, o que vai levar muitos dos consumidores, quando isto ‘normalizar’, a não terem forma de apoiar e de ir a tantos eventos como tem acontecido nos últimos anos”, ela nos relatou.

No Brasil, as expectativas também são bastante negativas. Para Erick Tedesco, jornalista cultural, produtor e assessor de imprensa, o Governo Federal está sendo pontualmente pressionado para atuar contra a Covid-19 como qualquer outra nação e que, no momento, não se trata de assistencialismo, pois a pandemia é algo excepcional. “E hora, mesmo, de mostrar capacidade e colocar em prática um plano de salvaguarda econômica à população, principalmente à camada mais pobre”, pontua.

Segundo especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de São Paulo, o chamado auxílio emergencial de R$ 600 reais deve ser entregue para cerca de 75 milhões de brasileiros por três meses. “Agora, em específico para a cultura, o apoio do Governo Federal é mínimo, para não dizer omisso. Afinal, é um Executivo que pouco se preocupa com o setor. Existem alguns editais de contrapartida dos Estados e iniciativa privada, nada além disso”, explicou Erick, que também acredita que o prazo para que o Brasil volte a realizar grandes eventos pode ser maior do que em outros países. Segundo o jornalista, fazer qualquer previsão de quando a indústria cultural será retomada é algo ilusório, já que ainda é tudo “muito incerto” e que a grande angústia da pandemia está impregnada em todo e qualquer plano profissional.

“Uma boa parcela dos brasileiros não está respeitando a necessária quarentena e, gradativamente, estão voltando às ruas – fora as criminosas manifestações alinhadas à extrema-direita, um festival de possíveis contaminações, com o aval do presidente da República. O barulho nas ruas é de dias normais, carros fazem filas em postos de gasolina, aglomerações em praças públicas, comércio burlando leis e funcionando com portas semiabertas, churrascos nas calçadas e etc. Quanto mais a população desrespeitar a quarentena, é óbvio que o número de casos tende a aumentar drasticamente, e menor serão as chances de termos shows ainda em 2020”. 

Questionado sobre como as empresas em que trabalha estão se organizando para ajudarem os colaboradores e parceiros em um momento tão delicado, Erick afirma que a amizade entre os profissionais tem sido levada muito em conta.

“Somos todas empresas pequenas, com um quadro de prestadores de serviço muito pequeno. A Tedesco Comunicação & Mídia, por exemplo, é composta apenas por mim mesmo. Basicamente, não existe uma renda mensal sem os shows, nos quais também acontecem as vendas de merch (livros, camisetas). A ajuda, então, é informal, levando em conta os laços de amizade. Nosso setor sofreu um impacto negativo inestimável”.

Sobre planos e projetos futuros, o jornalista diz que já tem um projeto que será lançado com uma parceria entre a Abraxas, Powerline, Onstage Agência e demais produtoras. “Iniciarei um projeto em breve, voltado à importância do jornalismo musical, sem rentabilizar. Será algo de apoio mesmo, para enaltecer a relevância da comunicação social junto à cultura. Toda atividade cultural precisa de divulgação e necessita chegar a um nicho, atingindo novos públicos. É uma engrenagem”, explicou.

Em relação ao número e a eficiência das famosas ‘lives’ durante a quarentena, Erick Tedesco nos relatou que essas iniciativas são legais porque mantém o artista em evidência e em contato com o seu público, mas que isso deve ser visto como uma exceção. “Alguns artistas até lucram com isso, mas sabemos que esse é um privilégio para poucos. O artista independente está à mercê da pandemia. Essa é uma realidade muito triste. Aliás, o independente é independente exatamente porque falta o apoio de um público maior, além de terem menor exposição na mídia e não contarem com grandes investidores. Afinal, sabemos que real qualidade muitos têm, absurdamente mais até do que alguns no mainstream”, complementou.

Como o Ministério da Cultura pode ajudar Portugal?

No início de Abril, a ministra da cultura, Graça Fonseca, tinha anunciado uma iniciativa chamada Fest TV, que seria um evento transmitido ao vivo pela RTP com apoio financeiro de 1 milhão de euros aos profissionais envolvidos. Entretanto, a proposta sofreu muitas críticas, pois seriam os próprios artistas a escolherem quem se apresentaria no decorrer dos programas, formando um círculo muito fechado de oportunidades.


Rita Limede durante o XXXapada na Tromba 2019 – Foto: Sónia Alexandra Ferreira


“Achei que a iniciativa espelhava bem o que é a cultura em Portugal, que é favorecer sempre os mesmos ‘grandes’ sem dar abertura a artistas e a promotores ou empresas independentes”, afirmou Rita Limede, que compreendeu a ideia de de levar um pouco de cultura à casa dos portugueses durante o isolamento, mas que a forma de execução do projeto parecia injusta.

“No meio dos artistas em Portugal há os que controlam tudo e decidem qual é o panorama, deixando a grande maioria de parte. Temos artistas de extrema qualidade no nosso país – não falando apenas do meio do metal, mas no geral – no entanto, não há nem a valorização dessa qualidade nem a tentativa de a puxar para plataformas/palcos para uma maior divulgação. No final de contas, esta iniciativa acabou por ter o fim que merecia (…). Esperemos é que na vida pós-covid se voltem a lembrar deste ponto de partida e que realmente se faça algo para mudar isto”, afirma Rita.

Luis Salgado diz ter uma opinião “ambígua” sobre a proposta de Graça Fonseca. “Por um lado achei positivo a iniciativa, caso fosse a primeira de muitas. Como medida única, era injusta, e iria deixar de fora muitas pessoas que trabalham nesta área”, explicou. Segundo o produtor, o Fest TV deveria ter sido anunciado como “parte de um pacote de medidas”, apoiando a cultura de forma gradual. “De qualquer maneira, acho que devia ter acontecido e que a ‘luta’ poderia ser mais para criar e não para anular as iniciativas”.

O produtor também lembrou uma das propostas da Amazing Events, ao lado do Vagos Metal Fest, lançando o projeto ‘Vagos dá Palco’ para incentivar as bandas que já estavam escaladas para se apresentarem no evento. “Vamos, com calma, tomar decisões baseadas na realidade que se vai vislumbrando lentamente. A iniciativa ‘Vagos Dá-te Palco’ é a nossa maneira de apoiar o circuito metaleiro nacional, que, normalmente, é sempre o último estilo a ser tido em conta. Portanto, temos que ser nós a criar para nós (…) É a nossa maneira de, primeiro, mostrar a nossa união e, em segundo, lembrar a toda a gente que o metal está vivo, enquanto outras iniciativas de ‘casa’ não se lembrarem que também existe metal, punk e hardcore”, complementou o produtor.

A organização do Vagos ainda não desmarcou o evento, previsto para agosto de 2020.

Na visão de Rita Limede, que também organiza festivais na cena independente, como o Xxxapada na Tromba Fest, a palavra chave agora é cautela. “É um momento de grande incerteza, e todos os planos que tínhamos alinhados até ao final de 2020, muito provavelmente, não irão ver a luz do dia. Creio que isto é transversal a todo o underground nacional, em que estamos todos a observar cuidadosamente o desenrolar da situação sem fazer grandes planos. As bandas – e uma vez mais falando no nosso caso em concreto – têm estado em constante contacto connosco, sendo que já temos várias ideias e planos alternativos para o futuro”, concluiu.

Erick Tedesco em entrevista para a Hedflow TV



O papel do jornalismo diante do coronavírus

Do outro lado do oceano, Erick Tedesco acredita que no Brasil a principal mudança será no sistema de redação, que já está adotando aos poucos o sistema home-office. “Diversas empresas jornalísticas já não contratam em CLT (carteira assinada). Mas, para PJ (pessoa jurídica) o sucateamento é maior, já que nem sempre se pode exigir o deslocamento do repórter à redação. Creio que, após a pandemia, existirão mais redações virtuais – via Whatsapp, por exemplo – e trabalho remoto. No entanto, realmente, algumas pautas exigem o trabalho de campo, até mesmo agora durante a pandemia”, acrescentou.

Erick também acredita que, apesar do risco, a cobertura jornalística nas ruas é necessária por conta do momento. Ela ajuda a evidenciar que o jornalismo é um ofício importante à sociedade e que essa tarefa precisa ser desempenhada por profissionais qualificados.

“O momento é de combater, com bom jornalismo, as tantas fake news que circulam pelas redes sociais, essas que são, muitas vezes, a única fonte a diversas pessoas atualmente. De alguma forma, o jornalismo sério e comprometido com a informação deverá chegar mais pontual à população. Oferecer conteúdo via lista de transmissão por aplicativo de conversa? Linguagem mais solta e matérias enviadas por e-mail? A sobrevivência do jornalismo em meio à crise da Covid-19 e pós-pandemia será o debate mais importante que a profissão já encarou”.

Como profissionais da cultura estão encarando os impactos da Covid-19 nas indústrias de Portugal e Brasil

Por
- Latino-americana, imigrante e jornalista. @sttefanicosta