Rafael Orsi dá sua versão sobre saída da banda Genocídio

Depois do comunicado feito pelo ex-baterista da banda Genocídio, Gil Oliveira, o guitarrista Rafael Orsi, que também deixou o grupo no início do mês de Julho, quis se manifestar relatando a sua versão dos fatos.

O Genocídio é uma das primeiras bandas de death metal do Brasil, formada na capital paulista em 1985.

Abaixo segue a nota oficial enviada pelo música à redação da Hedflow.

*O comunicado a seguir está na íntegra e sem nenhum tipo de edição:

“Foi com muita estranheza que li a nota do baterista Gil Oliveira alegando motivos políticos e éticos para sua saída da banda Genocídio. Em nenhum momento eu quis algum tipo de polêmica na minha saída e deixei isso claro em nossa última reunião, mas lendo que ele escreve “nós” se referindo a mim e ele, me sinto no dever de esclarecer, pois sinto que ela foi superficial e tendenciosa, levando a alguns compartilhamentos e causando uma reação desproporcional de muitas pessoas.

Depois de mais de 7 anos, 2 discos, e mais de 30 shows com a banda Genocídio. Esclareço que tenho orgulho de todo o trabalho que ajudei a produzir nesse tempo. Minha saída da banda foi uma escolha única e exclusiva minha, que declarei há quase 3 meses aos integrantes. E que só chegou neste ponto por alguns motivos que não queria expor por não achar que dizem respeito ao público, porém, após a nota dele, vou descrever abaixo.

Vamos aos fatos.

A banda Genocídio deveria estar entre as maiores bandas do país, e para muitos fãs ela está, porém, na prática, as coisas são muito diferentes. Ao contrário do que se possa imaginar, a banda vinha enfrentando problemas que vou abordar aqui separadamente:

Para agendar shows, tínhamos problemas até de desprezo por parte de alguns organizadores Brasil a fora, do “clássico” entrar em contato e simplesmente não responder, ou simplesmente trocar a banda em eventos em que já havíamos fechado por não querer custear mais de um carro para levarmos nosso equipamento por exemplo. Enfim, as atitudes de descompromisso foram extremamente irresponsáveis e amadoras. Mas, mesmo com tudo isso, nós nunca as expomos publicamente, e quero imaginar que eles devem ter seus motivos para tais atitudes. Eu acredito no benefício da dúvida.

Depois de mais de 3 anos vendo esse tipo de comportamento repetidamente, cogitei aos outros integrantes que a banda precisava se tornar mais relevante “digitalmente”. Comecei a notar que essas bandas que nos substituíam nos eventos tinham algum padrão: Algumas “ganham” do Genocídio em números de seguidores e plays nas redes sociais, mas normalmente são bandas bem mais novas, com menos material disponível e muito menos tempo de estrada. O Genocídio fez em 2019, 32 anos de carreira praticamente ininterruptos, 9 discos, 1 DVD, 2 documentários, diversos clipes, etc. Ao contrário de muitas outras bandas que passam décadas adormecidas e depois fazem reuniões pontuais, o Genocídio passou todo esse tempo lançando material. E mesmo assim, no fim das contas isso não importa, pois a cada lançamento nós temos que implorar por todo tipo de divulgação nas principais mídias do país, chegando num caso a ter uma entrevista nossa sendo publicada 8 meses após o lançamento do disco e envio do material. Apoiar uma banda hoje em dia vai desde comprar seu material, até compartilhar suas notícias e postagens.

Então por qual motivo uma banda com uma estrada invejável dessas tem o desinteresse de mídia e promotores de eventos? Eu não sei, e se soubesse provavelmente estaria na banda ainda.

Pelo lado político, se fossem desavenças eu já teria saído em 2012 mesmo, pois falamos desse assunto desde minha entrada e isso nunca me impediu de agir profissionalmente, inclusive sabíamos que o Gil era de esquerda muito antes dele fazer parte do grupo. Eu sempre tratei a banda como uma empresa, e como onde trabalho, se fosse para julgar as pessoas por suas preferências políticas, eu teria que pedir demissão com 12 anos de carteira assinada. E, de certo, num ambiente onde tratamos apenas de assuntos profissionais, muitas vezes não temos ideia das opiniões políticas das pessoas.

Se não quiser ler sobre política pule o próximo parágrafo.

O problema em política é que minha visão é muito diferente da maioria das pessoas que preferem a simplificação antagonista de Esquerda versus Direita. Eu prefiro analisar a política de um lado mais humano. Isso significa que eu não olho para as atitudes como se fossem de esquerda ou direita, eu olho a partir da honestidade e necessidade. Não acredito que a esquerda levou o país para o buraco econômico, mas sim a desonestidade. Não consigo ver o governo atual como de direita, vejo simplesmente como um governo desonesto. Enquanto o governo for desonesto, independente do viés político, o Brasil vai sofrer e o contrário é também válido. Minha visão política confunde as pessoas, as fazem pensar que sou do lado oposto ao que elas pensam e me acusam das coisas mais baixas vocês possam imaginar, mas eu nunca liguei para isso. Não cabe aqui esmiuçar todos os detalhes do que penso, mas para simplificar uma parte, ao meu ver um político que recebe 33 mil reais de salário, mais de 100 mil reais de verba parlamentar e diversos auxílios vindo de dinheiro público, enquanto um trabalhador tem o salário médio no Google hoje de 2300 reais, é, no mínimo desonesto. Não preciso nem incluir desvio de verba ou propina na equação. Se a direita atual e a esquerda enquanto estava no poder não lutaram contra isso, como eu vou ter qualquer tipo de esperança de um país melhor? Respeitar o ser humano é algo que deveria ser ponto comum de qualquer ideologia política, e de fato é em muitos países de primeiro mundo. Racismo, homofobia, e outros tipos de preconceito são crimes lá, e não ideologia política como tem sido propagado no Brasil. Eu também acho que fazer uma pessoa pagar uma casa por 30 anos algo longe de ser popular ou ter os carros ditos populares com preços 3 ou 4 vezes maiores do que lá fora, mesmo os fabricados aqui no Brasil, também está longe de ser algo realmente popular, e a culpa disso não são os altos impostos (sim, é verdade, pode pesquisar). Ao meu ver o que está matando o nosso país é a política econômica, nosso país se tornou refém de bancos. Hoje os juros praticados em nosso país chegam em alguns casos a 800 ~ 900% ao ano, enquanto em qualquer país mais avançado ele não passa de 5 ~ 6% (sim, ao ano), EUA atualmente em 2,5%. Segundo o economista Eduardo Moreira, até na China, um país onde você não tem direito de acessar o site que quiser, a taxa de juros ao ano fica por volta de 7,5%. E o motivo disso é muito claro, manter o pobre brasileiro como pobre. Desde o governo Lula todo banco vem batendo recordes de lucro, ano após ano, e qual governo tentou reverter isso? Nenhum! Então pouco me importa viés político, enquanto o país for refém disso, ao meu ver, nada vai mudar.

Outra razão muito importante para mim foi a demora na composição do próximo álbum. Quem tem os álbuns anteriores da banda podem abrir seus encartes e constatar que minhas participações nas composições eram majoritárias. Em julho de 2018 eu entreguei à banda material (instrumental) para começarmos a fazer 6 músicas, e até minha saída, quase um ano depois, nenhuma música ficou pronta. Chegamos a trabalhar apenas uma delas, e só uma parte. Mais um motivo para me frustrar, pois compor é algo muito importante para mim. O Gil sequer ouviu esse material (em 10 meses). E por isso criei meu novo projeto, para ficar soltando minhas músicas com uma frequência maior. Em nenhum momento pensei em sair do Genocídio para me dedicar ao meu novo projeto.

Com esse cenário “decadente”, tanto da banda quanto político, as coisas se somam. Chegamos num ponto em que era necessária alguma mudança de atuação nas redes sociais, de ações para tentar elevar o número de seguidores, para nos tornarmos mais relevantes nos olhos da mídia e promotores de eventos. Se isso se converteria em mais shows eu não sei. Se isso deveria ser obrigatório mesmo para uma banda como o Genocídio, na minha opinião não, mas na prática entendam que algo precisava ser feito, e tanto eu quanto o Gil acreditávamos que um dos possíveis caminhos era esse.

Nada disso foi para frente…

Uma frase muito importante do Murillo ecoava na minha cabeça: “Nada banda nós temos que, ao menos, nos divertir”. Perdi o tesão de compor. Nossa agenda cada vez mais sem datas. A mídia nos dando quase nenhuma atenção em tudo que fazíamos. Discussões políticas sem sentido se fazendo mais presente do que planos para a banda em nossas conversas. Diante de um cenário caótico desses, porque eu deveria ficar? Depois de expressar minha vontade aos outros integrantes, Gil disse que se eu saísse ele não via porque ficar na banda também. Algumas semanas antes do show de Brasília, fizemos uma reunião a pedido do Gil, onde ele não queria que eu saísse, e queria convencer a banda a mudar de atitude, mas para mim já era tarde. Lá ele repetiu que se eu saísse ele também sairia. Falei que estava infeliz fazendo aquilo e que não queria nenhum tipo de polêmica, Gil se surpreendeu.

A única coisa que me foi pedido pela banda era para que eu cumprisse a data de Brasília, e assim eu o fiz. Durante a viagem eu não disse uma palavra sobre os problemas, eu curti a viagem e agi profissionalmente, pois é assim que eu julgo correto. Ajudei todos a carregar bagagem, ajudei a montar nosso palco, passar o som. Até minha máquina de cartão eu levei para vendermos material. No dia seguinte fomos conhecer a cidade, bebemos cerveja os 4 juntos, rimos sem nenhuma mágoa ou ressentimento.

Em alguns dias fomos informados que eles decidiram continuar com novos membros e o Gil me avisou no Whatsapp em 16/07 que soltaria uma nota, que não iria me citar, a não ser que eu quisesse. Eu disse para não fazer isso, que pedi para sair e se reclamasse de alguma coisa seria estranho. Não queria polêmica, mas para o Gil era injusto eu sair da banda por causa da forma que ela mesma se administra. Eu discordo e ficou por isso. Ele esperou a banda postar sobre os novos integrantes para se manifestar.

Se ele condicionou a saída dele à minha, e eu decidi sair, era óbvio que ele também sairia. Se vamos sair da banda é óbvio que eles recrutariam novos membros, por isso eu não me surpreendi com o anuncio. Agir como se a banda tivesse que se curvar às minhas opiniões não é uma injustiça, eles fundaram e fizeram todos os clássicos que a banda tem, acabam tendo a opinião mais forte do que a nossa, e por mim tudo bem. Discutir política foi só o ponto final de um sentimento que já vinha crescente.

Acho muito estranho se falar em ética quando se atrasa para os ensaios sem avisar à banda, não ouve as músicas novas para ajudar a compor, e não tira mais músicas que pedíamos nos limitando a tocar o mesmo setlist por um ano e meio.

O material que fiz para a banda será terminado por mim e pretendo lançar no decorrer do ano que vem.

Para quem deseja acompanhar meus trabalhos, clique aqui.”

Rafael Orsi



Foto em destaque por Flavio Santiago

Rafael Orsi dá sua versão sobre saída da banda Genocídio

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