Dona Iracema: “Nós mulheres trans e travestis existimos, somos fortes e vamos ocupar os espaços que nos são de direito!”

A nossa correspondente, Dani Melo, bateu um papo com a banda baiana Dona Iracema, que, recentemente, lançou o álbum Balbúrdia, aliando rock a elementos de música regional. Neste primeiro disco, a canção ‘Volta pra casa João’, que aborda inclusive questões LGBT+, contou com a ilustre e firme participação do icônico baiano, Luiz Caldas.

Confira a entrevista com a vocalista Balaio:

Dani Melo |Hedflow – Vocês começaram como uma banda cover de Raimundos, em que momento vocês sentiram que poderiam seguir como uma banda autoral?

Dona Iracema – Logo no primeiro ano de banda, começaram as primeiras composições, mesmo sendo cover do Raimundos. Então veio o lançamento do primeiro EP e a banda já não se identificava mais como banda cover, e aos poucos foi intensificando as composições, na medida em que iria deixando os covers de lado. Aí a banda foi mudando de formação ao mesmo tempo que consolidava uma identidade e status de banda autoral.

Dani Melo |Hedflow – O som da Dona Iracema ainda tem como característica preponderante o hardcore. Todas as outras influências vêm da música regional. Vocês são uma banda de Vitória da Conquista e o nome que deram ao estilo foi o ‘Caatincore Iracemático’. O que seria isso?

Dona Iracema – Procuramos uma nomenclatura que trouxesse ao imaginário, a referência nordestina. E a Caatinga representa muito bem essa ideia. Daí ficou fácil misturar Caatinga+Hardcore=Caatincore. Que nada mais é que um som pesado e irreverente, sem perder a pose e a essência da Caatinga.

Dani Melo |Hedflow – Já que a música regional é uma grande influência para a Dona Iracema, quais são os artistas, além do mundo do rock, que servem de inspiração para a banda?

Dona Iracema – Acho que todo mundo da banda respira um pouco de outros gêneros. Há quem ouça funk, de Anitta a Kevin o Cris, passando pelos pops internacionais como Rihanna, Beyoncé, foram influências naturais de quem nasceu na Bahia que é bem rica musicalmente, como Ivete Sangalo, Luiz Caldas, É o Tchan, Trio da Huanna, Latitude 10 e Pablo do Arrocha.

Dani Melo |Hedflow – Quando se trata de música, é importante rasgar o preconceito e estar aberto para diversos estilos e expressões, ainda assim, principalmente no meio do rock, ainda há um certo preconceito. A Dona Iracema já enfrentou algum obstáculo por ser autêntica e diversa? E caso tenha acontecido, como vocês fazem para superar isso?

Dona Iracema – Sim. Sofremos preconceito tanto de quem é do rock, por conta das misturas que fazemos, bem como sofremos preconceito por sermos uma banda de rock. A nossa solução pra isso é continuar nesse lugar de provocação, nesse lugar de mudança. A banda tem sete anos e já passou por muitos ‘perrengues’ e o preconceito que a gente sofre por conta do nosso estilo nem nos incomoda mais (risos). Toda vez que alguém fala mal da banda a gente adora, pois é a certeza de que estamos no caminho certo.

Dani Melo |Hedflow – Luiz Caldas é um dos grandes nomes da música brasileira. Como foi contar com a participação dele no single ‘Volta Pra Casa João’, do álbum Balbúrdia?

Dona Iracema – Olha, Luiz foi de longe uma das divindades da música brasileira que mais nos surpreendeu no quesito humildade, profissionalismo e talento. A gente chegou com uma música cheia de lacunas para que ele pudesse preencher e deixar a sua marca, ficamos uma tarde inteira com ele, sentimos o seu amor pela música e o resultado está aí. Ele curtiu bastante o trabalho e pelo visto o público também, tendo em vista que estamos finalistas no 17º Festival de Música Educadora FM.



Dani Melo |Hedflow – Aproveitando, balbúrdia tem sido uma expressão muito usada pelo atual presidente ao se referir às manifestações públicas do povo contra as medidas antidemocráticas do governo, principalmente as dos estudantes de universidades públicas que vêm mostrando bastante indignação com os cortes na educação. O nome do álbum foi de alguma forma proposital neste sentido?

Dona Iracema – Claro! Se o ministro ouvir o nosso disco, temos a certeza que ele dirá: ISSO É UMA BALBÚRDIA! Pra quem se debruçar sobre as letras, vai entender que atacamos todas as frentes conservadoras que tem ameaçado a cultura e a paz das pessoas atualmente. Talvez a ideia também seja ressignificar a palavra Balbúrdia, não é nada pejorativo para nós.

Dani Melo |Hedflow – No cenário independente a luta por espaço e visibilidade costuma ser árdua. O lançamento do álbum Balbúrdia foi feito através do selo Orangeira Music. Vocês poderiam contar como é essa parceria?

Dona Iracema – Os desafios no cenário independente são inúmeros, e cada vez mais nos deparamos com situações que levam artistas a se reinventarem. Mas é claro que alguns serviços e parcerias fazem toda a diferença na hora de um lançamento e manutenção de um trabalho. Com a gente foi o selo Orangeira Music, que tem nos ajudado bastante, estamos sempre em diálogo e buscando cada vez mais espaços e divulgações. Pouco antes de lançar o último disco, obtivemos o contato com o selo, que já conhecia nosso material do ano passado (O Caatincore Iracemático), mas resolvemos mostrar nosso último trabalho (Balbúrdia) em primeira mão, logo a parceria foi firmada e os trabalhos seguem a todo vapor.

Banda Dona Iracema – Foto: Rafael Flores



Dani Melo |Hedflow – Ainda sobre o single ‘Volta Pra Casa João’, música de autoria da vocalista Balaio e do baixista Diegão Aprígio, fica clara a importância da liberdade de expressão nós dias atuais. Estamos vivendo um momento de certa repressão, como vocês esperam quebrar está barreira?

Dona Iracema – Fazendo um grande “roda roda” onde João, José e quem quiser possam dançar livremente e se divertirem, porque dentro da ciranda todo mundo tem sua vez. A nossa revolução será feita na alegria, união e com respeito as diferenças.

Dani Melo |Hedflow – E para falarmos sobre diversidade no meio Hardcore, no ‘Feira Noise’, que aconteceu em Novembro de 2018, Balaio declarou: “Há 1 ano eu decidi que ia começar a falar sobre este assunto e criar uma rede de apoio e aos poucos eu fui tomando coragem. Cheguei à conclusão que talvez seja hora de ajudar outras pessoas assim como Laura Jane Grace e Mina Caputo [cantoras trans] me ajudaram e outros cantores e cantoras trans e LGBT em geral”.

Sobre a inclusão dos LGBT+ no hardcore, o papel da Balaio tem sido muito importante. Como exemplo, o vocalista da banda Judas Priest assumiu ser homossexual muito tempo depois, pois temia sofrer com o preconceito e homofobia. Sendo assim, qual o caminho pode ser tomado e como tem sido para você?

Dona Iracema – O único caminho que pode ser tomado hoje, pra mim, é o que vai pra frente (risos). Quando decidi por essa profissão, a de artista, eu sabia que para uma melhor performance eu precisaria estar solta, leve, sem medos. Eu não posso entregar metade de Balaio para um público que veio nos ver por completo. Eu não posso ser metade no palco, não posso ser apenas uma parte de mim, por isso que decidi ser honesta comigo e com o público, e essa foi a melhor decisão da minha vida. Nem que me esforçasse conseguiria conter quem eu sou e a beleza que tenho (risos). Contudo, nem tudo são flores! Constantemente passo por constrangimentos e agressões por conta da minha afirmação enquanto mulher. Mas como disse logo no começo, o único caminho possível é o que vai pra frente, e não serão intempéries que vão me derrubar. Nós mulheres trans e travestis existimos, somos fortes e vamos ocupar os espaços que nos são de direito.

Dona Iracema: “Nós mulheres trans e travestis existimos, somos fortes e vamos ocupar os espaços que nos são de direito!”

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- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas