Rapper Pablo Hasél, da prisão: “Aqui sobrevivo graças à solidariedade”

Em entrevista exclusiva ao jornal espanhol El Salto, Pablo Rivadulla Duró, mais conhecido como Pablo Hasél, revelou como tem passado os seus dias de cárcere. O rapper deve enfrentar mais 2 anos de prisão pelas acusações de glorificação ao terrorismo e de práticas contra a coroa e as instituições da Espanha.

O músico, que se declara comunista, conseguiu uma grande mobilização social que culminou com manifestações e uma forte repressão policial na Universidade de Lleida, onde foi detido em 16 de Fevereiro de 2021.

Em entrevista ao jornalista Guilherme Martinez, Pablo Hasél revelou que aqueles que possuem dinheiro passam menos tempo na prisão. No final das respostas, enviada em um caderno da marca Cervantes, Pablo pediu ao jornalista que “tudo apareça como está escrito”. E assim se fez.

Uma multidão protesta contra a decisão do Supremo Tribunal de enviar o rapper Pablo Hasél à prisão por causa de discurso violento nas redes sociais – Foto RODRIGO JIMÉNEZ / EFE



Tradução e revisão por Andrea Avila e Stefani Costa

Já se passou um pouco mais de um mês desde que você entrou na prisão. As coisas estão indo conforme o esperado? Como está seu dia a dia?

Ao ter lutado pelo direito a uma cela individual, eles me colocaram em um compartimento onde há poucos presos e o pátio é minúsculo. Neste módulo também chegam todos os bilhetes (ingressos correspondentes ao dinheiro enviado) e eles ficam uma semana confinados. Então, quando nos levam para o pátio, não deixam a gente sair. Isso significa que mal conseguimos sair para a parte externa e a sensação de confinamento é ainda maior. Se a condenação for longa como parece, lutaremos pela mudança de compartimento. Agora eles se recusam a me mudar porque dizem que não há espaço para celas individuais, mas sei que não é esse o caso. Além disso, os presos desse módulo têm menos horas de atividades esportivas (duas por semana e uma não é cumprida), questão que impede a prática de mais exercícios físicos.

No meu dia a dia leio muito, escrevo, faço o pouco esporte que é possível em um espaço tão pequeno e converso com os outros presos.

Embora esteja cumprindo pena de nove meses por um crime de glorificação do terrorismo, a insolvência aumenta sua permanência na prisão em um ano e mais quatro meses. Isso se deve ao não pagamento da multa pelos crimes de difamação e calúnia contra a coroa e contra as instituições do Estado. A liberdade é paga com dinheiro?

A multa pelo mal chamado difamação, pois está provado que conto fatos objetivos, é de quase 30.000 euros. Literalmente não tenho um euro e aqui sobrevivo graças à solidariedade. Poderíamos ter tentado atingir esse valor elevado também com solidariedade, mas diante de uma sentença tão injusta, nem sequer pensei nisso. Mas sim, se você tem muito dinheiro, geralmente se livra da prisão, portanto, elas só estão cheias de pessoas pobres. Eles não foram capazes de tirar nada de mim porque eu não tinha absolutamente nada.

Para que queiram acrescentar mais 16 meses de prisão a algo assim é muito grave e, embora a Europa e/ou organizações internacionais dêem constantes chamadas de atenção ao Estado para este tipo de pena, eles continuam fazendo. Além disso, a grande maioria dos meios de comunicação esconde os tweets e a canção ‘Juan Carlos el Bobón’, querendo me acrescentar mais isso [a pena de 16 meses], mostrando literalmente que por contar a realidade, encarceram, assim como escondem as condenações e reprovações que o Estado recebe do exterior.

Após a sua prisão, prevê-se uma reforma dos artigos do Código Penal relativos aos crimes de opinião. Como você acha que essa reforma afetará a Coroa?

São apenas promessas em face da pressão popular para desmobilizar. É claro que não levantaram um dedo, que não me libertaram podendo fazê-lo, que Valtonyc ainda está no exílio, que há outros condenados e que pode haver, mais do que nunca, outros aguardando julgamento por esses crimes.

Promessas não cumpridas como tantas outras: revogação da reforma trabalhista e da Lei da mordaça (que será ampliada com a Lei da mordaça digital), pensões decentes, renda vital mínima garantida e etc.

Se acabarem tocando neles [os crimes pelos quais ele foi condenado] será por mais pressão popular e ainda há muito o que fazer. Se assim fosse, seria muito mais difícil para a Coroa continuar a impor-se por não poder censurar e com medo da maioria que se opõe ao seu saque multimilionário e ofensivo. Daí a razão do regime não querer eliminar os ‘insultos’ à Coroa e outros crimes de expressão para calar as vozes realmente críticas.

Por este caso você vai ficar um pouco mais de dois anos na prisão, mas seu histórico também inclui outros: uma pena suspensa de dois anos de prisão por glorificar o terrorismo em 2014, seis meses de prisão por agredir um jornalista da TV3 e dois anos e meio de prisão por ameaçar testemunha de julgamento, embora esta última sentença seja passível de recurso para o Supremo Tribunal. O Estado está te perseguindo?

A condenação por ‘agressão’ de um jornalista é escandalosa, pois omitem quem começou a atacar [e] provocar aquela reação que não deixou ninguém ferido. A ameaça a uma testemunha é uma configuração policial clara e flagrante, condenada sem qualquer prova em outro julgamento – farsa política. A Guarda Urbana de Lleida atacou brutalmente um colega de coletivo como comprovado com alguns ferimentos, os levou a julgamento à GU para montar o teatro e apresentou uma falsa testemunha, um fascista que posa em redes com armas de fogo. Apesar das provas, foram absolvidos. O denunciamos publicamente e a testemunha veio me atacar na minha casa. Eu me defendi sem machucá-lo e ele me delatou inventando absurdas ameaças de morte. Assim, fui condenado a três anos e se o recurso ou a solidariedade não o impedir, passarei mais anos preso por algo que nem fiz.

Nesse Estado eles condenam mesmo sem provas e não param de somar causas que, “misteriosamente”, chegam com todas as sentenças juntas, mostrando que há uma operação do Estado para me prender por muitos anos.

Você tem assegurado em mais de uma ocasião que existe uma operação do Estado para neutralizá-lo e mantê-lo preso pelo maior tempo possível. Por que você acha que é considerado perigoso?

Eles me consideram perigoso porque, como reconheceu o procurador em meu último julgamento no Tribunal Nacional: “É conhecido e incentiva a mobilização social”. Essa crueldade não existe apenas por causa da minha arte revolucionária que empurra para a luta e revela inúmeras injustiças ao apontar os culpados, mas também porque sou militante há muitos anos. Se eu não tivesse me organizado, dedicado tanto tempo e compromisso em tantas lutas, eles não me considerariam tão perigoso. Além de ser conhecido, eles se incomodam porque não recuei frente às suas constantes ameaças e golpes repressivos.

Primeira imagem de Pablo Hasél na prisão. Foto feita em 3 de março por Alberto Bonrtran



Você faria tudo que o levou a ser condenado novamente?

Sim, nunca me arrependerei de lutar.

Depois de seu encarceramento, ocorreram rebeliões em diferentes partes do Estado, mas hoje quase não há demanda social nas ruas para sua libertação. Você tem medo que as pessoas se ‘esqueçam’ de você?

É normal que com o tempo custe mais a mobilização quando falta organização e o Estado consegue normalizar a repressão. Mas ainda existem muitas, muitas pessoas que exercem solidariedade. A luta pela liberdade, que não é só para mim, nunca será esquecida. Por isso não sinto nada esquecido, sei que daqui continuo a contribuir e se decidi não ir para o exílio é porque o considerei mais produtivo. Foi e continua a ser, embora ao nível dos meios de comunicação haja menos ruído. Fico com o trabalho diário que as organizações fazem pelos nossos direitos e liberdades. A organização é mais necessária e útil do que estar em Trending topic [ter muita relevância nas redes sociais, especificamente no Twitter].

Você afirmou que na prisão está escrevendo um livro de poemas, artigos e cartas. Qual é a sua inspiração?

Me sinto inspirado pelo que vivo aqui e pelo que acontece lá fora. Também por não conseguir o que querem. Se me prenderam é porque escrevo o que proíbem. Continuar fazendo é uma forma de permanecer na luta nessa trincheira.

Como você se informa na prisão? O que você lê e o que gostaria de ler?

Eu me informo por meio de cartas e ligações ou visitas. Leio poesia sobre experiências revolucionárias em vários países, bem como teoria comunista. Também acabei de terminar um livro do líder dos Panteras Negras e político Bobby Seale. Não permitiram de me entregar um livro porque era de capa dura (absurdo quando o cabo de vassoura na cela é mais duro) e não posso pegar mais de seis livros ou ir à biblioteca da prisão. Gostaria de ler mais artigos e notícias da mídia anticapitalista, mas não ter internet é difícil.

Que opinião os outros presos têm de você?

Muitos presos me mostraram seu respeito e como a sentença lhes parece injusta, não só daqui, encarcerados de outros complexos e prisões também me escreveram, além da correspondência que tenho com outros presos políticos. Apenas um preso não entendeu a luta por uma cela individual, mas ao explicar que se trata de uma reivindicação pelos direitos de todos os presos, lhe pareceu bom. Isso quanto ao que tenho visto, logicamente como em todo lugar, haverá alguém que, por ignorância ou diferenças ideológicas, não me engolirá.

Finalmente, o que você sente falta?

Sinto falta de muitas coisas simples, como passear com meu cachorro ou comer algo decente. Aqui até um ovo estrelado pareceria um luxo com a sujeira que nos dão (os presos contam como, com o passar dos anos, a comida, entre outras coisas, piorou). Mas sinto saudades especialmente dos meus entes queridos.

Você gostaria de adicionar algo?

Sinto falta de muitas coisas, mas aproveito este espaço para denunciar que, com a desculpa da Covid-19, aqui também há cortes. Por exemplo no tempo das visitas, como se meia hora a mais pudesse aumentar as infecções. Se já eram escassos e curtas, agora então… Também que a empresa (CIRE), que administra a péssima comida, é a que lucra com a refeição que temos que comprar para não passar fome (atum, queijo e pouco mais), com o alto preço das chamadas, explorando presos que trabalham por 3 euros a hora, etc. As condições da prisão são escondidas para vender que são quase como hotéis. Não vejo que quem diga isso venha passar o verão aqui.

Apelo também a não normalizar a repressão e outras injustiças porque é assim que o regime perpetua situações intoleráveis, e que todos contribuamos na luta para poder conquistar vidas dignas, acabando com o sistema que só beneficia uma minoria exploradora.

O link abaixo você pode conferir o programa #LaMigra sobre o caso de Pablo Hasél, com a participação da estudante de história Beatriz Karime, e do jornalista e fotógrafo Cauê Llop, diretamente de Barcelona:



Foto em destaque: ACN – ELNacional.cat

Rapper Pablo Hasél, da prisão: “Aqui sobrevivo graças à solidariedade”

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- Latino-americana, imigrante e jornalista. Twitter: @sttefanicosta