A especialista em algoritmos Frances Haugen, que revelou documentos comprometedores no episódio que ficou conhecido como Facebook Papers, está sendo a principal atração nesta edição da Web Summit em Lisboa. Haugen constatou que a direção do Facebook foi omissa em relação a dados importantes por mero receio de perder audiência ou ‘ferir sensibilidades políticas’. Para a cientista da computação, o tempo de Mark Zuckerberg à frente do Facebook (empresa que curiosamente mudou agora o seu nome para Meta) chegou ao fim.
Essa estadunidense nascida em Iowa diz jamais ter buscado ser o centro das atenções e que sempre viveu em um lugar onde as pessoas não a reconhecem na rua ou sequer lêem as suas menções no Twitter.
Quando deixou de trabalhar no Facebook, como gestora de produto no departamento de integridade cívica, levou com ela cópias de milhares de páginas dos documentos internos, dando assim início a uma investigação do Wall Street Journal.
Frances afirmou hoje, para mais de 40 mil espectadores, que não seria prudente esperar mais tempo para ter feito o que fez e reiterou que “há um padrão de comportamento no Facebook de priorizar o lucro em vez da nossa segurança. A rede social recusa, argumentando que Haugen escolheu a dedo os documentos que forneceu à imprensa para dar uma ‘impressão errada’ da empresa.
O fato é que a denunciante apontou falhas graves na gestão do Facebook, e, de acordo com o que já saiu pelo Wall Street Journal, os documentos mostram que há uma elite da cultura, da política e do jornalismo que escapam de propósito à moderação na plataforma por meios escusos. O Instagram, que pertence à Meta/Facebook, tem mostrado-se prejudicial no desenvolvimento dos adolescentes mundo afora. E, aparentemente, os gestores foram expostos a dados que indicavam efeitos negativos nos jovens que usam o aplicativo; optando assim por negligenciarem tais resultados e minimizarem publicamente suas decorrências.
O algoritmo dessa rede possui, por exemplo, várias limitações no que diz respeito a identificar vídeos com atiradores que filmam seus próprios ataques, e falha muito também ao analisar discursos de ódio. Na Índia a plataforma foi fulcral ao inflamar ainda mais o conflito religioso entre hindus e muçulmanos.
Frances explicou ainda que basta escaparem ao menos uns três conteúdos ao algoritmo (que funciona para avaliar milhares de publicações) para que estes sejam amplificados por haters altamente motivados. É quando estão ‘bombando’ que os posts são mostrados a mais gente… E é por isso que “um ranking que tem por base o engajamento é perigoso“.
Na Etiópia são faladas seis línguas oficiais e 95 dialetos, e a moderação de conteúdos é praticamente zero. “Quando a base de segurança é língua por língua, essa [moderação] não chega aos lugares mais frágeis do mundo“. Então, pontua: “o que pode estragar um jantar de família nos Estados Unidos tem consequências muito mais graves em outro lugares. E fala ainda que“o Facebook tentou reduzir esta questão a uma falsa escolha: liberdade de expressão ou censura”.
Já sobre a mudança de nome do Facebook — que não vai desaparecer, apesar de a ’empresa-mãe’ agora chamar-se Meta — a cientista da computação lamentou “a escolha de expandir” dos gestores da rede. Ela criticou o novo plano de investir em jogos ao invés de se concentrar em corrigir o que ela chama de “problemas básicos de segurança” na plataforma. “Não percebo como isso faz sentido”, lamenta.
Zuckerberg, que sempre repetiu por aí ter “um sonho lindo de conectar pessoas e fazer do mundo um lugar melhor”, caso tenha alguma vez acreditado mesmo em seu próprio ‘discurso’, errou miseravelmente.
Nesta noite, que abriu a summit na capital portuguesa pela 3ª vez (de forma presencial), também falou à plateia Ayo Tometi (uma das três co-fundadoras do movimento Black Lives Matter. Ela subiu ao palco principal da Web Summit 2021 e indagou aos empresários e empreendedores ali presentes, que veem nesta enorme feira de tecnologia uma oportunidade, de que lado da História querem estar.
“É importante que tenhamos o impacto que merecemos. Não foi suficiente para nós apenas acreditarmos, sentirmos e dizermos que as vidas negras importam, tivemos que criar toda uma infraestrutura a fim de conseguirmos mostrar que VIDAS NEGRAS IMPORTAM”.
“O tempo é agora”, concluiu a oradora.
A Web Summit vai até o dia 4 de novembro e aqui na Hedflow você vai poder conferir a cobertura completa.
Texto: Fernando Araújo e Stefani Costa
Vídeo: Stefani Costa
Fotos: Victor Souza