As boas surpresas que fecharam o Amplifest 2022

Passada nem uma semana com um ‘surprise gig’ a meio dos Putan Club, no palco do Mouco, iniciamos mais uma jornada de concertos do Amplifest. Nesses três dias manteve-se algum público da semana anterior, pois notava-se alguma diferença entre as pessoas que percorriam os palcos do Hard Club.

Iniciamos com Caspar Brötzmann, concerto onde o baixo foi o instrumento reinante numa sessão bastante improvisada e intimista.

O chão do Bürostage rapidamente se preencheu para o regresso dos Sumac, trio poderoso em postura e sonoridade que soube bem alimentar o público com riffs arrastados e sujos para uma setlist um pouco curta, mas substancial no seu conteúdo.

Seguidamente fomos com curiosidade assistir a Buñuel. Pela primeira vez, podemos dizer que ficamos arrebatados com a poderosa figura de Eugene Robinson. Sua dominante presença e intensidade em palco, aliada tanto às suas palavras como ao manear corporal numa sala a rebentar pelas costuras, nos deixou impressionados. Eugene absorveu cada gota da nossa atenção, dada a imponente e visceral forma com que se dirigia a todos nós.

Os repetentes Deafheaven, de regresso aos palcos do Amplifest, com uma sonoridade muito própria, onde o black metal e o shoegaze se encontram, mas que por vezes não agrada aos gregos e troianos, a banda conseguiu manter uma sala bem composta. Como de hábito, George Clark deslizava pelo palco em passes de dança e avanços para o público, apresentando muito do último trabalho do grupo, o álbum Infinite Granite.

Finalizamos este percurso com Jessica Moss num momento de puro relaxamento. A própria cantora nos pediu para que sentássemos no chão e absorvermos calmamente os vestígios do dia. Segundo ela, era uma forma de estarmos em comunhão a sentir os loops de violino de 3 composições apresentadas ao vivo pela primeira vez.



O segundo dia do último fim de semana de Almplifest iniciou-se para nós com mais um concerto surpresa.

Realmente ficamos maravilhados com a performance de Liturgy em sua estreia em Portugal. O projecto caiu como uma luva no gosto do público presente, muito por conta da sua sonoridade black metal. Misturando o atmosférico com o som arrastado de guitarras e as vocalizações bem guturais e estridentes, a banda percorreu dois trabalhos: H:A:Q:Q: e Aesthetic. Ainda houve tempo para um último tema, o single ‘93696’, que também dá nome ao álbum que será lançado em 2023.

Seguiu-se o compositor William Fowler Collins no Beerfreaks Stage numa apresentação minimalista e intimista, mas bem recebida pela plateia naquele momento.

O projeto seguinte foi nacional e trazia consigo bastante qualidade. Os Indignu chegaram apresentando o seu mais recente trabalho, intitulado Adeus. O grupo viajou pelas paisagens do rock progressivo num som percorrido por crescentes e distorções que nos convidam a meditar e a sonhar.

Já num tom completamente diferente, fomos ao outro palco assistir aos Spectral Wound. Novamente se viu a toada no black metal bem executada com um toque melancólico, além da atenção ao detalhe e ao tecnicismo (característica dos canadianos). Partiam com intensidade e sem subterfúgios, mantendo bem elevados os níveis de entusiasmo dos que estavam a assistir.

Para nós, o concerto do dia aconteceu com Anna von Hausswolf. Também de regresso aos palcos do Amplifest (um retorno que é sempre bem-vindo), a musicista conseguiu, em todo o seu concerto, nos carregar para uma viagem de emoção, onde lambemos cada nota talentosa proferida pelos seus lábios. Anna consegue nos deixar seguir pelo seu xamanismo enquanto vai convocando os espíritos pelas teclas do seu órgão. Durante boa parte da performance, ela manteve-se na parte superior atrás do palco. Quase como um púlpito, a musicista guardou uma surpresa para o fim ao descer e se aproximar dos comuns mortais antes de interpretar o último tema.

Num registo completamente diferente, caracterizado por um som aliado aos anos 80 e ao speed metal, seguiram-se os Hellripper, que levaram ao caos o palco Beer Freaks. Foi o momento do mosh e o do crowdsurfing a partir tudo. Até o público parecia diferente neste ‘timbre’ menos habitual para o Amplifest (o que não deixou de agradar). Mantendo os níveis de energia bastante elevados, essa apresentação ajudou o caminhar do público para um fecho de dia bastante animado.

Os Bongripper fizeram um encerramento dos concertos do dia 2 de uma forma competente e surpreendente. Com o doom na sua excelência, o grupo apresentou uma setlist com temas retirados de três álbuns: Terminal, Satan Worshipping Doom e Miserable. A multidão foi mergulhada em puro ‘niilismo sludge’ de riffs sufocantes com movimentos de headbang sincronizados com a cadência apocalíptica das músicas apresentados.



Ver um headliner às 2 horas da tarde parece impensável, mas foi o que aconteceu no terceiro e último dia de Amplifest.

Com Lingua Ignota ou Kristin Hayter a atuarem perante uma sala bastante cheia do Bürostage, estávamos novamente diante de uma grande sacerdotisa no alto do seu púlpito. Iluminada por algumas luzes, o público manteve-se concentrado num confortável crepúsculo em plena adoração. Kristin foi transitando o palco carregando consigo os focos de luzes para ampliar a força dramática dos temas que cantava. Canções essas percorridas por algo intenso e pessoal que explora todo o tipo de trauma. Um concerto onde coube o folk, o metal, o gótico e a ópera. Fomos igualmente presenteados com a proximidade da cantora que também desceu do palco e comungou connosco num instante de admiração.

Bossk abriram o Beerfreaks Stage no último dia (e que bem que o fizeram). Com as suas melodias subtis carregadas de peso e executadas com convicção, mais uma vez, o sludge e os post-metal imperaram numa sala bem preenchida e receptiva a cada música apresentada.

A serenidade foi trazida ao Amplifest por Peter Broderick, que iniciou o seu concerto de forma bastante intimista, usando uma taça tibetana que deixou os presentes antevêem um momento de atenta escuta e observação. Enquanto isso, no outro palco, começava AAron Turner, vocalista de Sumac. Dessa vez a solo, a apresentação nos encaminhou a uma viagem exploratória acompanhada por guitarra e pedais de distorção capazes de atravessar a nossa mente.

No Bürostage assistimos aos nipónicos Envy com bastante expectativa. Foi, manifestamente, um concerto com muita entrega, tanto por parte da banda, como do público, que correspondeu à forma intensa e emotiva com que o grupo se apresentou. Foi uma forma de retribuir com moshpits e crowdsurfing. A língua não foi uma barreira para esta comunhão sonora. Apesar dos Envy cantarem em japonês, o público aderiu massivamente a cada tema.

Fennesz trouxe-nos a música experimental eletrónica. Criador de ambiências sonoras, o artista está sempre em busca da grandeza e do sublime. As suas peças carregadas de texturas conduziam o ouvinte num percurso ora mais subtil, ora mais épico, de três décadas de exploração musical.

Godspeed You! Black Emperor era outro projecto bastante antecipado neste Amplifest. O colectivo presenteou a audiência com um concerto de cerca de duas horas no qual, apesar da duração, não cansou a sala bem preenchida pelo público. Vimos um palco repleto de músicos competentes aliado a projeções fílmicas monocromáticas carregadas de forte simbolismo político. Uma performance que demonstrou ser mais do que um concerto. Foi uma verdadeira experiência.

O clímax do fim de semana viria com a actuação dos Scúru Fitchádu. Com os níveis de energia da banda e do público a baterem no teto, uma autêntica manifestação tribal de funáná deu origem a moshpits, saltos e tudo que valesse para expulsar qualquer demónio que ainda se atrevesse a habitar o nosso corpo.

O encerramento dos seis dias de Amplifest foi com um mais concerto surpresa dos The Bug nas presenças de Flowdan e Miss Fire como convidados especiais.




Texto por Miguel Brandão
Fotos por Helena Granjo
Edição por Stefani Costa


As boas surpresas que fecharam o Amplifest 2022