Em 2013, um videoclipe curioso se tornou viral nas comunidades rock, heavy metal e otaku. Tratava-se de ‘Demonstrating My Saiya Style’, da banda francesa Rise Of The Northstar. Juntando sonoridade hardcore, cenas de moshpits, danças 2step e stage dives, belas paisagens da metrópole de Tóquio e fortes referências ao anime Dragon Ball Z, a obra causou um impacto marcante devido à sua proposta inovadora, sendo capaz de agradar tribos urbanas completamente distintas.
Uma década após o lançamento do icônico single, o grupo agora conta com uma carreira sólida, somando três álbuns completos, além de uma fervorosa base de fãs ao redor do mundo. Na última sexta-feira (03), o conjunto finalmente realizou sua tão esperada estreia no Brasil, promovendo o novo álbum ‘Showdown’, lançado no início do ano.
Experiência geral e shows
Lamentavelmente, os dois últimos shows organizados pela produtora Powerline na casa de espetáculos (Septicflesh e Deathstars) no mês de outubro tiveram públicos modestos, que sequer preencheram dois terços da pista. Contudo, neste evento, a situação foi completamente diferente. Por volta das 18h, centenas de seguidores do quinteto francês formaram uma fila que se estendeu por quilômetros na Rua Barra Funda, e também ocuparam todos os bares locais. Quando o acesso ao público geral foi liberado, às 19h, o clube ficou completamente lotado, a ponto de dificultar a locomoção.
O primeiro show ficou a cargo da banda santista Bayside Kings, nome já bem conhecido na cena hardcore paulista. Para se alinhar com a temática da atração principal, os músicos enriqueceram a performance com cenas de animes shonen exibidas no telão de LED da casa, incluindo referências a Yu Yu Hakusho, Street Fighters, Claymore e Cavaleiros dos Zodíacos. Já o repertório abrangeu uma variedade de faixas de diferentes fases, incluindo algumas mais antigas, como ‘Get Up and Try Again’ e ‘Sober’, até músicas dos recentes EPs ‘Existência‘ (2021) e ‘Tempo‘ (2022), como ‘A Consequência da Verdade’, ‘#LivreParaTodos‘ e ‘Miragem‘, que marcam a nova fase do grupo, com composições inteiramente em português. O quinteto também apresentou um single inédito intitulado ‘Entre a Guerra e a Paz’.
Ao longo do set, Milton interagiu intensamente com os fãs, incentivando-os a desrespeitarem as grades de segurança. Durante ‘Still Strong‘, ele chegou a passar o microfone para um seguidor que invadiu o palco, permitindo que ele encerrasse a música. Como sempre, Bayside Kings entregou uma performance incrível e sem barreiras entre público e artistas.
Em seguida, veio Paura, outro nome consagrado no cenário do hardcore brasileiro, em atividade desde 1995. A apresentação do grupo teve como foco principal a divulgação do seu mais recente álbum, ‘Karmic Punishment’, lançado em junho deste ano, onde a banda explora influências mais extremas, mesclando o hardcore com passagens de death metal. A única decoração de palco foi a exibição da arte do disco ao fundo. O público respondeu com entusiasmo, protagonizando moshpits intensos do início ao fim. Um dos momentos mais marcantes do set ocorreu quando o vocalista Fábio incorporou trechos de ‘Negro Drama’ dos Racionais MC’s à música ‘Last Response‘.
Além disso, o frontman também mandou fortes discursos com mensagens anti-fascistas, direito de minorias, criticas ao estado de Israel e solidariedade ao povo Palestino. Colocar o Paura no lineup foi uma excelente oportunidade para a geração mais jovem descobrir um dos pilares da música extrema nacional.
Ao término da barulheira agressiva proporcionada pelo Paura, veio uma curiosa tracklist com faixas relaxantes de cantoras de j-pop das décadas de 80 e 90, como Miki Matsubara e Meiko Nakahara, criando um contraste cômico com a energia fervorosa do evento. No entanto, a atmosfera mudou radicalmente alguns minutos após as 22 horas, quando os alto-falantes começaram a entoar a abertura do anime Macross Plus, desencadeando uma série de gritos ensurdecedores. Logo em seguida, Victor ‘Vithia’ (vocal), Erwan ‘Air One’ e Brice ‘Eva-B’ (guitarristas), Yoru (baixista) e Phantom (baterista) subiram ao palco e mandaram ‘Anthem‘ e ‘Showdown‘, presentes no último lançamento, transformando o local em um verdadeiro pandemônio, com o público criando moshpits gigantes e lançando crowdsurfings. Para manter a intensidade, os rapazes também presentearam a plateia com suas recentes músicas ‘One Love’ e ‘Third Strike’, que foram recebidas com um entusiasmo contagiante.
O Rise Of The Northstar é conhecido por sua atenção aos detalhes na decoração de seus shows, frequentemente destacando cenários que recriam a atmosfera de santuários japoneses. No entanto, para o show em São Paulo, eles optaram por uma abordagem mais simplificada, iluminando o palco apenas com a arte de ‘Showdown‘. Ainda assim, qualquer ausência de ornamentos foi amplamente compensada pela fervorosa devoção dos fãs. O público entoou cada palavra das músicas com entusiasmo, moshou intensamente ao som de canções criativas como ‘Here Comes The Boom’, ‘Bosozoku’, ‘Sound Of Wolves’ e ‘Samurai Spirit’, que combinam rimas de rap, blast beats e breakdowns com letras inspiradas nas lutas dos animes do gênero shonen. Além disso, a banda incorporou diversos elementos da cultura japonesa, desde o uso de uniformes Sukeban (associados às gangues delinquentes dos anos 1980 no Japão) até cumprimentos tradicionais com inclinações respeitosas e passagens de koto (um instrumento tradicional japonês) durante os intervalos das músicas.
O set inteiro foi marcado por intensos episódios de energia e excelente conexão com o público, mas o momento de destaque veio durante a execução do icônico single ‘Demonstrating My Saiya Style’. Neste momento, Vithia comandou a plateia, pedindo a todos que se sentassem e, se levantassem apenas no início do último refrão, assim desencadeando uma verdadeira onda de corpos em movimento. Após esse episódio de euforia coletiva, a banda fez um breve bis com a música ‘Again and Again’, e os presentes na plateia reuniram suas últimas energias para entoar o refrão repetitivo em um ato de pura devoção.
Sem dúvida alguma, o Rise Of The Northstar se destaca como um dos principais expoentes do cenário do rock atual: não apenas pela criação de canções notavelmente criativas e únicas, mas também pela capacidade de oferecer um espetáculo ao vivo envolvente que cativa a plateia do início ao fim. Todo o entusiasmo gerado em torno do evento provou-se plenamente justificado, uma vez que o show da banda francesa foi verdadeiramente indescritível.
Setlist
The Anthem
Showdown
Third Strike
One Love
Here Comes The Boom
Welcame (Furyo State of Mind)
Bosozoku
Sound of Wolves
Samurai Spirit
Nekketsu
The Legacy of Shi
Demonstrating My Saiya Style
Rise
Bis:
Again and Again
Texto: Guilherme Góes (Credenciado pelo site “Metal No Papel”)
Fotos: Gustavo Diakov (Profissional credenciado pelo site “Sonoridade Underground”, que gentilmente cedeu fotos com a Hedflow)