Às vésperas do lançamento de seu novo álbum, “CONTRA/SENSO”, e de abrir o show da banda Alesana no Brasil, Rafael Morales, vocalista do There’s No Face, pioneira do post-hardcore no país, concedeu uma entrevista à Hedflow. Durante o bate-papo, além de discorrer sobre as novidades do grupo, o músico abordou o período de hiato, cena e nova formação.
Guilherme | Hedflow: Olá, Rafael! Primeiramente, muito obrigado por dedicar um tempo para responder a essa entrevista para o site Hedflow. É incrível ter a oportunidade de entrevistá-lo, especialmente considerando que o There’s No Face foi uma das primeiras bandas underground que vi ao vivo, em um pequeno bar em Interlagos, zona sul de São Paulo. Sem dúvidas, essa experiência marcou meu gosto musical. Para começar, poderia apresentar o trabalho do grupo para aqueles que ainda não conhecem o som de vocês?
Rafael: Eu quem agradeço pela oportunidade de trazer a tona nosso trabalho nessa fase tão importante para nós. A TNF é uma banda com um pouco mais de 10 anos de estrada e alguns trabalhos lançados entre 2012 e 2024.
Agora, estamos prestes a lançar nosso primeiro disco com 11 faixas inéditas. O “CONTRA/SENSO” marca nossas vidas e a jornada até aqui como banda, repleto de mensagens fortes, passando também de forma breve por momentos nostálgicos onde nos descobrimos como banda e percebemos o quanto isso nos abastece com sonhos e determinação para realiza-los. Todos os nossos trabalhos estão disponíveis no Spotify e Youtube. Além disso, por meio das redes sociais, você, leitor, pode acompanhar muito mais do que rola no nosso dia-a-dia.
Guilherme | Hedflow: Lembro-me de vocês como uma das pioneiras a explorar a sonoridade screamo/metalcore, em um período em que bandas como A Day To Remember, Alesana, Bullet For My Valentine, Bless The Fall e outras ganhavam popularidade no Brasil. Assim sendo, você considera o There’s No Face um dos grupos pioneiros em representar estilo por aqui?
Rafael: Com certeza, não fomos pioneiros, houveram muitos antes de nós por aqui, bandas que sempre admiramos muito, como o Envydust, Gloria, entre tantas outras que já povoavam a cena antes de chegarmos. No entanto, acredito que desse período entre 2009 – 2012 fomos um dos únicos com algum trabalho um pouco mais consistente e com alguma relevância. Digo isso baseado no lançamento do nosso primeiro EP “Escolhas” em 2012, que nos abriu muitas portas para dividir palco com bandas internacionais, tocamos em mais de 5 estados diferentes no Brasil. Um feito que na época era muito dificil para bandas do nosso porte de conquistar.
Guilherme | Hedflow: Igualmente, refletindo sobre esses 14 anos de carreira do There’s No Face, como você descreveria a trajetória da banda até agora?
Rafael: No Brasil, nunca foi fácil fazer parte de uma banda e manter a chama acesa, em meio a tantos obstáculos e desafios. Desde que iniciamos, passamos por diversas trocas na formação dos integrantes por motivos de disponibilidade e até mesmo de determinação, nem sempre estivemos alinhados com o objetivo de fazer a roda virar juntos, mas sempre buscamos entender o lado de quem não buscava os mesmo objetivos que nós, sempre culminando em despedidas e novas buscas por novos integrantes. Acredito que hoje temos nosso “Dream Team”, com pessoas talentosas e realmente comprometidas em fazer a parada acontecer, custe o que custar (e não custa pouco ein, rs).
Guilherme || Hedflow: Recentemente, o festival I Wanna Be Tour atraiu mais de 50.000 pessoas para assistir diversas bandas que marcaram a cena do rock na década de 2000, incluindo nomes do metalcore como A Day To Remember e Asking Alexandria. Sinceramente, lá em 2010, quando vocês iniciaram no metalcore influenciados por bandas gringas, imaginava que o movimento se tornaria tão expressivo no Brasil?
Rafael: Muito incrível essa mobilização toda para que um festival tão grande pudesse acontecer em moldes tão fodas, estruturas tão profissionais. Sempre acreditamos na força que as bandas e a cena que se mobilizaram para que o “I Wanna Be Tour” pudesse acontecer tem e é realmente o primeiro grande passo e muitos outros. Mas gosto sempre de lembrar de festivais como o ABC Pro HC que também já reunião muitas bandas e um público tão expressivo quanto. Esperamos um dia poder fazer parte de algo tão grandioso.
Guilherme || Hedflow: Agora, voltando a falar sobre o There’s No Face, vocês passaram por um hiato em 2016. Poderia compartilhar um pouco sobre esse período de pausa?
Rafael: Passamos por poucas e boas entre 2014 e 2016. Como disse lá em cima, precisamos reformular nossa formação por várias vezes e isso sempre puxava nosso ritmo de produções, levando a novas composições, adequações de horários para ensaio, estúdio e tudo mais. Em meio a um turbilhão de acontecimentos, optamos por parar e respirar antes de dar os próximos passos, mas sempre tendo em mente que era apenas um período e que logo estaríamos de volta.
A decisão do hiato partiu principalmente de mim, pois estava passando por algumas mudanças na minha vida pessoal, família crescendo e somando tudo o que vinha acontecendo com a banda naqueles últimos anos, optei por colocar minhas energias em receber meu filho e fazer parte desse momento tão único da forma mais correta possível, estando presente em casa e fazendo parte da rotina, assim como minha esposa faria. Tenho plena convicção de que foi o certo a se fazer naquele momento, mesmo tendo sido tão difícil ficar longe da TNF, das produções, dos palcos e toda a atmosfera que o underground havia nos mostrado até então. A musica “Motivo” do nosso EP “Acepção” lançado logo após o hiato fala exatamente sobre essas decisões, recuar alguns passos para voltar mais forte, por isso “Contei as horas pra voltar aqui”.
Guilherme || Hedflow: Além disso, gostaria de saber sobre a recente mudança na formação da banda. Quais têm sido as vantagens e os principais desafios nessa nova fase da carreira?
Rafael: Essa nova formação, como disse acima, é sem dúvida a melhor até então, estamos olhando para o projeto de forma madura, responsável e profissional. Desde a entrada do Matheus pudemos entender que tínhamos uma promessa muito grande, tendo em vista que a TNF era uma grande inspiração para ele antes mesmo de entrar na banda, era muito nítido o quando ele se espelhava e o quanto ele apostaria suas fichas no projeto caso viesse a fazer parte da banda, ele entrou como nosso irmão mais novo, pois nem 18 tinha ainda, era sempre uma responsabilidade enorme leva-lo para shows e ensaios e aquilo nos trouxe a tona esse lance da responsabilidade para um com o outro, sempre nos cuidando e vigiando para que o ambiente pudesse ser sempre o melhor para ele.
Com isso, veio no mesmo pacote o Rodrigo Kusayama, um cara extremamente profissional e que já vive o sonho de se manter com musica há anos, dando aula, tocando em pubs e bares com seus projetos cover, a entrada dele nessa formação nos fez refletir sobre o tempo de cada um que vale muito e que não poderia ser interpretado jamais como uma brincadeira ou um experimento, a partir daquele momento os novos integrantes nos impulsionam para uma atmosfera de composição, pois precisávamos de um material novo que mostrasse a nossa cara, que representasse tudo o que pensamos e acreditamos num todo.
A partir desse momento, nos dedicamos a compor e compor para entrar então em estúdio com o Gabriel DoVale e produzir o que hoje chamamos de “nosso primeiro disco”, o “CONTRA/SENSO”. E como a vida de banda é sempre uma caixinha de surpresas, tivemos de nos despedir do Felipe, nosso guitarrista que nos acompanhava desde o primeiro trabalho em estúdio, produzido pelo Adair Daufembach, o EP “Escolhas”, para que ele pudesse seguir seu sonho e mudar-se para o Canadá a fim de construir sua nova vida, toda partida dói e essa não foi diferente, mas acreditamos que estará bem representado nesse novo trabalho e presente em muitos trechos dessas 11 belas canções que preparamos com muito carinho.
Guilherme || Hedflow: Celebrando essa nova etapa, o There’s No Face acaba de lançar o single “Hamurabi”. Conta pra gente um pouco sobre a música, o processo de composição e a gravação do videoclipe?
Rafael: “Hamurabi” não veio como aquele “insight” do álbum, mas foi um marco no meio da composição, pois sentimos que a partir dali já não teria mais volta, assim que o Matheus nos trouxe as primeiras notas, o riff inicial, já entendemos que seria uma das principais singles dessa nova fase da banda.
A partir dali, me debrucei em cima de letras que já tinha prontas e percebi que aquele som falava (mesmo que sem letra ainda) de algo muito maior, algo muito importante, percebi que a letra precisava representar algo forte e foi logo quando começamos a presenciar através da mídia todas as ações de guerra entre Rússia e Ucrânia, vivíamos um momento peculiar no governo Brasileiro e percebemos que era algo que precisávamos falar sobre, colocar o dedo na ferida e proporcionar essa reflexão através da musica.
Esse som fala sobre a forma como parte da sociedade vê e lida com conflitos, sempre muito truculenta e usando de violência para, supostamente, alcançar a paz. Acredito ter sido bem claro na letra e expressado bem nossa opinião sobre o tema quando faço a alusão ao Código de Hamurabi, um código tão antigo, quando ainda não haviam tantas soluções, tanta tecnologia, tanto estudo para solucionar os problemas sociais como temos hoje e ainda assim vemos pessoas agindo com a cabeça de um velho governador da antiga babilônia. Precisamos de mudanças!
Guilherme || Hedflow: Ao ouvir a faixa, percebi uma sonoridade bastante moderna. Quais têm sido as principais influências musicais do There’s No Face nos últimos tempos?
Rafael: Escutamos de tudo. Nossos gostos musicais variam de k-pop a black fucking metal. Escutamos, de forma geral, muito pop punk, hardcore, aquele classic metalcore e em nossas composições procuramos até trazer elementos da musica pop, brincando com as melodias e os arranjos de guitarra e sintetizador.
Guilherme|| Hedflow: Falando sobre o idioma nas composições, a intenção é permanecer apenas em português daqui para frente?
Rafael: Sim, acredito que, apesar de não ser um estilo de musica nativo brasileiro, podemos agregar muito com nossa língua mãe e visando um dos nossos principais pontos que é a mensagem, fica mais fácil se fazer entender dessa forma. Tenho letras em inglês e também já escrevi um ideia mesclando portugês, espanhol e Inglês, mas essa ainda está na gaveta e sem previsão de saída, temos um planejamento bem robusto e muita coisa pra trazer a tona ainda. Espero ter uma boa oportunidade futuramente para explorar esse “mix lírico” aí.
Guilherme || Hedflow: No próximo mês, vocês estarão compartilhando o palco com o Alesana, uma das bandas mais significativas do post-hardcore dos anos 2000. Quais são as suas expectativas para esse show?
Rafael: Sem dúvida alguma, eu cresci ouvindo Alesana na minha adolescência e sempre fiz questão de propagar o som deles aqui no Brasil, pois na época se falava muito pouco sobre emocore, post-hardcore e screamo entre meu ciclo de amigos e eu achava aquilo um absurdo, era bom demais pra eles não conhecerem (haha).
Infelizmente, não conseguir ir na primeira passagem deles pelo Brasil no Hangar 110, mas as expectativas para o dia 27 de Abril estão altas e estamos trabalhando duro no que deve ser um show curto, mas que vai trazer muito do nosso próximo trabalho ao vivo. Quem colar, pode esperar por sons novos, MUITOS SONS NOVOS e uma performance cheia de energia e com poucas pausas.
Pretendemos utilizar do pouco tempo de palco para impressionar, utilizar do nosso bom relacionamento com os amigos da Sea Smile, que deve abrir esse show com a gente, para trazer uma experiência foda para o público. Então, NÃO PERCAM!
Guilherme || Hedflow: Para concluir, poderia compartilhar um pouco sobre os próximos passos planejados para o There’s No Face?
Rafael: Estamos produzindo mais 2 clipes, um para “CONTRA/SENSO” e outro para “PARTE DE MIM” em parceria com a BAP Filmes, mesma produtora de “HAMURABI“. Devemos lançar o álbum apoiado no clipe de “CONTRA/SENSO” e depois de mais ou menos 1 mês de disco online, vamos subir o clipe de “PARTE DE MIM”. Temos uma agenda bacana de tour para lançamento desse trabalho em cidades que já passamos na ultima tour que fizemos em 2023 ao lado do Cardiac. Então devemos passar por São José dos Campos, Araraquara, Ribeirão Preto, Bauru, Taubaté e finalizar com São Paulo capital em uma data mais do que especial no City Lights com bandas convidadas que estaremos divulgando em nossas redes sociais nas próximas semanas. Temos algumas datas no Paraná e Rio de Janeiro em negociação e uma tour sul americana em processo de booking, ainda definindo alguns detalhes, prevista para o final do ano ou no mais tardar, inicio de 2025.