Faz escuro, mas eu canto. Perguntaria, por que você canta?
O ano é 2021, quais motivos você tem para cantar?
E como tenho feito nos últimos tempos, vou conversar sozinha, e vou eu mesma responder.
Cantamos para espantar os males, celebrar a vida.
Cantamos para lamentar a morte de pessoas que viraram números.
Faz escuro, ainda faz escuro.
O nome do projeto curatorial da 34ª Bienal de Arte, que está acontecendo em São Paulo, no Parque Ibirapuera, é um verso do poema de Thiago Mello. O evento, que havia sido adiado por conta da pandemia, permanece na capital até 5 de dezembro deste ano.
A parceria com mais de 20 instituições pela cidade, resultou numa exposição rica em arte e projetada para agradar, incomodar, emocionar e fazer pensar até aqueles que não sabem o motivo de estarem ali.
Totalmente gratuita, a entrada dos visitantes só é possível através da apresentação do comprovante da vacina contra a Covid-19 (pelo menos a primeira dose). O uso da máscara é obrigatório e os visitantes estão respeitando essa regra.
Ao entrar na Bienal, somos impactados pela bonita e simples Livraria da Travessa, um espaço que não deixa de ser um museu onde é permitido tocar, folhear páginas convidativas, e, quem sabe, até levar pra casa um exemplar escrito por Ailton Krenak, líder indígena, filósofo e ambientalista.
Nos três andares do pavilhão estão expostas obras de mais de noventa artistas para a apreciação do público.
Mas o que há pra apreciar?
Divido aqui um pouco do que vi nos mais de 25 mil metros quadrados de área.
A obra ‘Pim-Pam’ do artista espanhol Roger Bernat, propõe aos visitantes que coloquem os fones de ouvido disponibilizados e escutem as instruções que os levam a se conectarem com o ambiente e com as pessoas ao redor. Achei curioso, já que, normalmente, os auriculares que usamos servem para o oposto. Se você escutar com atenção, a obra valerá cada segundo.
A última frase que ouvi foi “ame-o ou deixe-o”, ordem dada à população durante os anos de chumbo no Brasil.
Os visitantes têm contato com criações de artistas indígenas, afros, orientais… Enfim, personalidades de diversas etnias e nacionalidades. É como andar sobre o globo terrestre!
Algumas obras utilizaram caixas de encomendas, inúmeras caixas. Uma específica me causou grande irritação. Era fechada e soltava um grito abafado e desesperador. Me fez pensar neste período de pandemia. Não acho que seja o fantasma do comunismo que nos assombra, mas sim o do capitalismo.
Do lado de fora da Bienal, alguns gigantes estão espalhados. Entre eles, a figura de Marielle Franco, mulher negra, periférica, eleita vereadora pelo Rio de Janeiro e assassinada em 14 de março de 2018 aos 38 anos de idade.
A arte também tem como função manter a memória viva e o sangue quente para nos lembrar que não estamos sozinhos. Existem pessoas por aí que se revoltam e se emocionam com as mesmas coisas que você e eu.
Texto por Dani Melo
Edição por Stefani Costa