Sim, não leste mal. Num fest em que há de tudo, de tudo pode acontecer… E foi exatamente o que se passou na noite de ontem.
O Dinosaur Jr., apesar de enfrentar problemas técnicos diversos – como falhas na passagem do som dos amplificadores e dos retornos de palco para os PA’s, queda de frequência, boosts desregulados com demasiada estridência e guitarras com desajustes de intonação – foi, ainda assim, uma experiência e tanto!
Vale ressaltar que o tema de arranque da noite no palco principal, ‘Thumb’, foi o que denotou os desarranjos citados acima, e, da maneira mais desconfortável para todos os que estavam presentes no concerto.
Outro ponto a destacar é que as guitarras (uma Stratocaster e uma Jazzmaster) tiveram de ser emprestadas de última hora a J Mascis, porque os instrumentos dele haviam sido extraviados… “Provavelmente a voarem rumo a Itália” no momento, disse de forma irónica o baixista Lou Barlow.
E, de fato, Mascis precisou afinar a guitarra antes de dar sequência com ‘I Ain’t’, situação que se repetiu em cada uma das canções. Cada uma, mesmo, sem exagero. Ao fim de todas elas o guitarrista e vocalista teve de reafinar.
No entanto, ‘Been There All The Time’, ‘Little Fury Things’ e ‘Mountain Man’ evocaram vibrações absolutamente positivas da audiência, essas conduzidas pelo beat pulsante de Murph na bateria.
O encerramento aconteceu ao som de ‘Freak Scene’ e mais dois covers: ‘Just Like Heaven’ (do The Cure) e ‘Chunks’ (do Last Rights).
A diversidade que se tem em um festival assim é realmente algo que impressiona a valer. Tanto que, poucos minutos após o fim da apresentação do Dinosaur Jr., Pabllo Vittar chegou abalando com uma maquiagem impecável e vitalidade deslumbrante de sempre.
Além de colocar os europeus para dançarem tecno-brega (um estilo criado no norte do Brasil misturando forró e música eletrónica), a cantora Drag Queen mais famosa da atualidade fez questão de se posicionar politicamente ao fazer o ‘L’ de Lula com os dedos das mãos enquanto se apresentava. Em um ano de eleição no Brasil em que a extrema-direita tem cooptado votos da periferia, é importante uma artista com apelo tão popular ajudar na luta pela conscientização dos povos mais pobres e dos trabalhadores que vivem à margem do neoliberalismo multi-corporativista.
A uma centena de metros de lá, o grupo Jawbox, de Washington DC, veio a público no palco Binance pontualmente às 22h30. J. Robbins (vocal e guitarra), Kim Coletta (baixo), Zach Barocas (bateria) e o novo guitarrista Brooks Harlan (substituindo Bill Barbot, que integrou a banda de 1992 até 2021) chegaram com uma grande motivação, mas logo Robbins fez questão de relatar que “deixou a voz em Barcelona”. Era notável o quanto ele teve dificuldade em cantar durante a performance.
O início do espetáculo mais comovente até então veio com ‘Mirrorful’ (tema que também abre o Self-titled, um dos mais prestigiados álbuns, lançado em 1996).
‘Nickel Nickel Millionaire’, ‘Cutoff’, ’68’ e ‘Desert Sea’ vieram em seguida. A pele da caixa (ou tarola) da bateria de Zach furou, porém o roadie logo lhe entregou uma emprestada para que pudesse continuar. Robbins comentou com o público que não é a primeira vez que isso acontece e ouviu uma resposta vinda da plateia com alguém dizendo “e não será a última”. ‘Spoiler’ e ‘Reel’ demonstraram bem as nuances da atmosfera alternativa/pós-HC a fim de que a energia do Jawbox voltasse a fluir na boa.
‘Cooling Card’, ‘Static’, ‘Motorist’ e ‘Tongues’ deram um ar anos 90 que amamos nesse segmento, quando saíram os lançamentos de onde essas músicas foram extraídas. Os álbuns desse período são os seguintes: Novelty (de 1992) e For Your Own Special Sweetheart (de 1994). Guarde este último título, porque é esse o release que nos trouxe o tema mais reconhecido da história desse grupo: ‘Savory’. Essa canção trata da beleza da forma feminina e da sedução pela feminilidade, narrando a história de um casal que se lançou em um relacionamento embasado na sexualização e objetificação de seus corpos. Segundo Robbins, a inspiração para colocar essa disfuncionalidade em forma de música veio de uma experiência própria com uma parceira dele há algumas décadas atrás.
Depois de tantas e fortes emoções, ainda houve o concerto do Gorillaz com o seu mega-espetáculo, trazendo o Primavera Sound ao seu grande momento derradeiro nessa edição de 2022 para quem se identifica com trip rock e pop.
Nos chegou a informação de que órgãos de imprensa internacionais só teriam a acreditação confirmada caso pagassem pela comida (que era racionalizada e servida em pequenas porções no espaço reservado aos jornalistas) em uma espécie de comercialização do que deveria ser servido sem custos para os trabalhadores que divulgam o evento em diversos meios de comunicação.
Outra coisa que ajudaria, para melhorar as próximas edições, é a disponibilização de autocarros que partam de um ponto em comum para que os festivaleiros e trabalhadores não tenham de despender de mais dinheiro no ir e vir ao longo dos dias de evento.
Esse é um dos fests de música mais ricos do mundo, e, com certeza, a marca precisa trabalhar no sentido de melhorar as condições daqueles que fazem o Primavera Sound ter o tamanho que tem nos diferentes países que hospedam essa empreitada gigantesca.
Galeria de fotos por Stefani Costa