Abusos de autoridades atingem banda de hardcore em Brasília e organizadores de festival no Pará


Desde o início das campanhas eleitorais no Brasil, em 2018, o meio artístico vem sofrendo ataques e perdendo espaço no cotidiano dos brasileiros. E essa é uma realidade que se intensificou desde que o novo governo tomou posse, principalmente no cenário underground independente.

Nesta segunda-feira (17) o deputado federal pelo PSD do Pará e delegado, Éder Mauro, fez uma publicação contra o Facada Fest em tom de ameaça.

Em sua página no Facebook, o político criticou o cartaz da terceira edição do evento, que recebe e divulga o trabalho de bandas dos gêneros punk e hardcore. O festival está marcado para acontecer no dia 6 de julho no Mercado de São Brás, em Belém.

Para Éder Mauro, o material divulgado pelo Facada Fest faz alusão a Jair Bolsonaro e o evento “já está marcado no calendário da polícia.”




Os organizadores e músicos que estão escalados para participar do festival se sentiram ameaçados e repudiaram o discurso do deputado. Segundo a produção do Facada Fest, Éder Mauro e seus aliados políticos já estiveram presentes em denúncias de investigação sobre tortura, milícias e grupos de extermínio no Pará por diversas vezes.

“Não sei o quanto as pessoas conhecem o nosso Estado (Pará), mas aqui o rock e a política vivem extremos”, desabafou um dos organizadores que preferiu não ter o seu nome divulgado nesta reportagem.

Depois do ocorrido, o Facada Fest também publicou um comunicado oficial onde explica a escolha da arte, admite o tom provocativo, mas reforça o direito à liberdade de expressão garantido na Constituição brasileira.

Leia:

“O Facada Fest surgiu da união de bandas autorais de rock (em especial de hardcore e punk) de Belém e região metropolitana, além de alguns coletivos de produtores e produtoras culturais independentes, todos unidos pela mesma causa: o rock raiz, o rock de protesto e de debates sociais.

O nome “facada” é intencionalmente provocativo, sim, mas a nossa intenção é puramente a de tratar essa nomenclatura por abordagem de sátira e escárnio, linguagens presentes na música, literatura e arte como um todo desde sempre.

No Brasil, a catalogação destas modalidades se dá desde o século XVI, pouquíssimos anos após o início da colonização de nosso país. Optamos por essa abordagem para que todas as pessoas tenham o amplo direito e liberdade de interpretarem o nosso nome como bem entenderem, de acordo com os seus próprios aprendizados e leitura de mundo.

A história do nascimento rock pauta bastante disso, há muito debate sobre a liberdade, direitos humanos, direitos políticos, direitos sociais e direito à democracia, tudo isso dentro da criação do rock. Fazemos parte de um estilo musical que surgiu na luta dos guetos dos trabalhadores negros que ainda eram tratados como escravos no Estados Unidos, apesar da escravidão lá ter sido encerrada em 1863. Somos parte de uma cultura musical que nasceu também nas periferias inglesas, onde os trabalhadores (em especial os metalúrgicos e operários da construção civil) encontraram no rock as letras que retratavam a suas rotinas contra a coroa britânica, retratando a forma com que eles lutavam em defesa dos seus direitos trabalhistas e pela melhoria de vida social e de condição humana.

Há sim quem trate o rock como um mero entretenimento, mas esta não é a nossa abordagem. Respeitamos quem tenha essa escolha, mas essa não é a nossa postura, tampouco assim será.

Prezamos pela liberdade de imprensa, liberdade de expressão humana, artística, política e social. Desta forma, compreendemos que a fala do senhor deputado federal Éder Mauro é uma nítida tentativa de intimidação aos nossos eventos, às bandas que abraçam as nossas propostas e ao público que sempre nos prestigia com sua presença.

Para nós, é explícita a postura do deputado em tentar nos atingir com ameaças, inverdades e discurso de ódio, fazendo uso abusivo de seu mandato político e de sua figura pública para nos atacar. Somos todos estudantes, trabalhadores, temos famílias e prezamos pela liberdade e democracia para toda a população, algo que infelizmente o deputado não realizou em suas palavras e postura.

Nossas programações seguirão em frente, não iremos retroceder em nada do que já fazemos. Estamos disponíveis para o diálogo, onde ambas as partes possam ter vozes e serem ouvidas, pois rechaçamos toda e qualquer forma de censura”.


Autoritarismo no Distrito Federal

Escombro HC – Foto por Jow Head



No último dia 9 de junho, a banda de hardcore Escombro HC também foi alvo de censura e repressão em um evento na cidade de Guará, Distrito Federal.

Ao ter o seu show interrompido por policiais durante o festival União Underground Fest, o vocalista Lucas Ferreira, conhecido como ‘Jota’, foi encaminhado ao 21º Batalhão da Polícia Civil por cantar a música ‘S.O.P – Sistema Operacional Padrão’, que faz uma dura crítica à parte corrupta da instituição e que foi gravada em estúdio com a participação de Henrique Fogaça.


“Antes de cantar essa música, eu sempre faço um discurso falando que a corporação é corrupta, falida, que não ampara seus profissionais e muito menos a sociedade, e que a mesma deveria ter sido extinta há muito tempo”, explicou Lucas.



Ainda segundo o vocalista, depois da quarta música do set, dois PM’s entraram no local e interromperam o show alegando que Lucas seria detido.

Um dos organizadores do festival, e também vocalista da banda Neverlookback, Kenji Matsunaga, subiu ao palco e logo se prontificou contra a ação dos policiais.

Porém, mesmo afirmando que estava no seu direito de se expressar e após pedir desculpas aos PM’s que se sentiram ofendidos, Lucas foi levado para prestar esclarecimentos, pois se isso não acontecesse, as autoridades encerrariam o festival.


“A organização se manteve do meu lado e disse que se eu não quisesse me entregar tava tudo bem. Eu resolvi me entregar para que o festival continuasse porque ainda tinha show de mais uma banda e eu achei um absurdo eles não tocarem e o evento acabar”, relatou Lucas.



Durante o caminho de condução até a delegacia, o músico revelou à Hedflow que um dos policiais do Grupo Tático Operacional (GTOP) o ameaçou com um fuzil nas mãos ao longo de todo o percurso.



“Ele ficou falando que a polícia de lá não era frouxa, que era uma polícia que eu não estava acostumado, perguntando ‘quem eu penso que sou para chegar lá (Brasília) e falar esse tipo de coisa’, que eles iriam sumir comigo e que eu não voltaria para São Paulo. Foi o caminho inteiro, uns 15 minutos me ameaçando de morte, falando um bolão e eu fiquei quieto na minha.”




Chegando a delegacia, um defensor público que se prontificou a acompanhar o vocalista até a delegacia, foi ameaçado pelo delegado. Segundo Lucas Ferreira, a autoridade afirmou que o mesmo seria enquadrado em advocacia administrativa caso insistisse em se apresentar como advogado do vocalista.

Ainda segundo Lucas, o defensor afirmou que também estava ali como testemunha de um abuso de autoridade e que isso seria relatado à Corregedoria. Mas nada impediu que o músico fosse mantido em uma cela por, aproximadamente, 4 horas.


“Eles tiraram a minha roupa, procedimento que só é feito se eu realmente fosse conduzido para uma prisão, afinal, eu não tinha nada de entorpecentes, arma, nada do tipo. Me obrigaram a tirar a roupa, mesmo contra a minha vontade, e não foi somente o agente carcerário que me acompanhou naquele momento, como é de costume quando alguém vai para a cadeia. O PM que me conduziu ficou lá, me ridicularizou, botando pressão como se eu realmente fosse um criminoso.”




Em nota, a Polícia Militar explicou que estava realizando a segurança do público quando o músico “ofendeu instituições de segurança pública e policiais militares”.

Henrique Janssen, que estava presente no festival, chegou ao local no momento em que os PM’s paralisaram o show.


“Eu estava chegando no evento e enquanto estacionava o carro ouvi o Jota pedindo desculpas para ao policiais. Quando entrei, vi os PM’s portanto spray de pimenta como se realmente houvesse uma ameaça real. Foi para intimidar mesmo. Também vi outros policiais rondando o festival portando fuzis nas mãos.




O fotógrafo Arthur S. também fez alguns registros do momento em que o vocalista do Escombro HC foi levado à Delegacia. As imagens foram publicadas em seu perfil no Instagram:




Assista o trecho gravado pelo público no momento em que a PM interrompe a apresentação da banda:




Arte e Censura e no Brasil

No início deste ano, a Hedflow havia relatado diversos episódios de censura e autoritarismo contra a classe artística no Brasil, principalmente no cenário underground.

A polêmica mais recente envolveu o ilustrador Cristiano Suarez e a banda norte-americana Dead Kennedys.

O artista, responsável pela criação do cartaz de divulgação dos shows da banda pelo país, teve seu trabalho censurado se tonando alvo de críticas. Depois do ocorrido, Cristiano relatou uma série de ameaças enviadas por pessoas anônimas em suas redes sociais.


Texto por Stefani Costa

Abusos de autoridades atingem banda de hardcore em Brasília e organizadores de festival no Pará

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