Em contagem regressiva para subir ao Palco Sunset do Rock in Rio, a vocalista e baixista da Nervosa, Fernanda Lira, falou mais uma vez à Hedflow sobre a expectativa de poder tocar em um dos maiores festivais ao ar livre do planeta. A banda se apresenta amanhã, dia 4 de Outubro, dividindo o mesmo palco com o Torture Squad, Claustrofobia, Slayer e Anthrax.
Confira a entevista feita pela jornalista Stefani Costa:
Stefani Costa/Hedflow: Como vocês receberam o convite para tocar no palco do Rock in Rio? Acreditam que essa valorização partiu depois do resultado do último trabalho em estúdio, o ‘Downfall Of Mankind’?
Fernanda Lira: O festival entrou em contato com a banda através do nosso agente na época. Nós sempre pensávamos em tentar o Rock in Rio, mas nunca tínhamos encontrado o ‘canal’ ou a pessoa correta. E então, dessa vez, do nada, recebemos a notícia da proposta.
A alegria foi imensa e o sentimento de realização também. E digo realização por vários motivos, né? Primeiro, porque, particularmente falando, sempre foi um sonho a possibilidade de poder tocar pra tanta gente no Rock in Rio, no mesmo dia de algumas das minhas bandas favoritas. Já pensando no lado profissional, também foi brutal, pois isso demonstra um reconhecimento de todo o trabalho que viemos fazendo nos últimos anos, e isso tem a ver com parte da sua pergunta.
Apesar de amar o Downfall of Mankind e achar ele nosso melhor disco, não acho que tenha sido ele que alavancou sozinho esse feito. Acredito muito que o fato de sermos chamadas pra tocar lá é o resultado de muitos anos de trabalho, dedicação e devoção à banda, o que acabou fazendo com que a gente fosse crescendo aos poucos e conquistando espaço na cena, fazendo o nome ficar em evidencia por aí. Por mais que fosse algo que estivesse em nossos objetivos desde sempre, ainda fiquei muito surpresa e lisonjeada pelo convite.
Stefani Costa/Hedflow: A Nervosa está preparando algum repertório especial para essa apresentação de amanhã, dia 4 de Outubro?
Fernanda Lira: A ideia é mostrar a essência da banda e um pouco da trajetória musical da gente. Portanto, selecionamos, claro, bastante música do disco mais recente, já que estamos em tour pra promovê-lo, mas também tocaremos todos os nossos singles antigos, desde o primeiro EP, até agora. Acho que o toque especial da coisa vai além do repertório. Acredito que vai ser a energia, já que, sem dúvidas, vai ser o maior show da Nervosa até agora! Imagina como não vai estar a nossa energia no palco? Minhas caretas estarão triplicadas, tenho certeza! [Risos]
Stefani Costa/Hedflow: Qual é a importância do concerto da Nervosa em um dos maiores festivais de música do mundo para outras bandas de metal formadas apenas por mulheres?
Fernanda Lira: Eu sempre falo que quando uma mulher vence, todas vencemos. E esse é o sentimento que tem permeado nos meus pensamentos e até nas minhas redes sociais nos últimos tempos. Temos recebido muitas mensagens e comentários de apoio de outras minas, cheias de sentimento de inspiração, algo muito bonito de se ver! E acho que a ideia é essa.
Sabemos e respeitamos todas as bandas de minas que tiveram antes da Nervosa no Brasil, e também às que existirão depois, mas não posso deixar de pensar que este é um marco importante pra todas nós. É significativo e faz parte do processo de desconstrução do patriarcado e dos males da desigualdade que ele deixou enraizado na nossa sociedade.
Que as mulheres ocupem cada vez mais espaços, incluindo os que eram predominantemente masculinos. Isso faz parte da evolução da nossa luta pela equidade social, política, econômica e cultural dos gêneros, e não seria diferente com o Rock in Rio. As mulheres ocuparam em peso essa edição em especial. Tivemos na semana passada um dia com o line-up inteiro do Palco Sunset composto por mulheres, e isso é maravilhoso! É um passo importantíssimo de empoderamento e representatividade ímpares. E acho que esse show da Nervosa tem sua importância também, por ser o primeiro de uma banda de metal extremo formado inteiramente por mulheres a pisar lá, e acredito que será muito importante pra muitas meninas que batalham diariamente rumo aos seus sonhos.
Eu quero subir ao Palco Sunset realizando o sonho de uma Fernanda adolescente que ia contra tudo e todos pra seguir seu objetivo, e se eu puder estar lá representando toda menina que acredita ou quer acreditar que é possível, ficarei muito feliz!
Stefani Costa/Hedflow: A Nervosa também será a primeira banda de metal brasileira só com mulheres a tocar no Wacken. Quais serão os próximos passos depois de dois convites tão grandiosos? Os fãs europeus já contarão com um novo álbum para o festival alemão?
Fernanda Lira: Eu nem sei muito o que esperar após essas apresentações, já que elas são pontos altíssimos na nossa carreira. Não tem ideia do que pode estar por vir ou surgir a partir dessas oportunidades tão grandes e valiosas. Mas, seguiremos sim com nossos planos de explorar novos territórios e tocar pra cada vez mais gente, e, claro, também produzir um disco novo. Vamos começar a trabalhar em músicas novas, mas sem pressa, fazendo tudo com calma, pra lançar algo novo em 2020. Só não sei se a tempo do Wacken, mas para ele, teremos algo especial sim, parte do tema de uma tour que estamos panejando pro ano que vem, mas isso ainda não podemos revelar (hehehe)!
Stefani Costa/Hedflow: Muitas bandas estão se manifestando politicamente em suas performances no Rock in Rio. Na semana passada, tivemos como exemplo a grande Elza Soares, ao dizer para o público que eles “não sabem votar”. Como a Nervosa vê esse tipo de abordagem? Vocês acreditam que nós estamos em um momento onde o choque de conscientização precisa ser mais agressivo?
Fernanda Lira: Eu acho que estamos vivendo um momento muito delicado politicamente. Não falo somente em questões do despreparo evidente de muitos dos governantes que entraram nessas últimas eleições, começando pelo presidente, mas pela agressividade com a qual eles têm governado, cortando direitos básicos, inflamando a população contra as minorias, incitando as diferenças de classe, colocando uns contra os outros… Estamos nos deparando com os primeiros casos de censura em muito tempo, além das medidas quase que desumanas, como, por exemplo, o que vem acontecendo na gestão do governo do Rio de Janeiro durante as ações dentro das comunidades. Já na questão nacional, estamos presenciando atitudes graves contra o meio ambiente, os povos indígenas e as ONGs, por exemplo. É perigoso demais e sinto que boa parte da população ainda dorme, naquele torpor de guerra à esquerda, guerra à corrupção. Ao meu ver, particularmente, o buraco está ficando cada vez mais embaixo, e muita gente não tá notando.
Sabemos que a música e a arte são ferramentas incríveis de expressão, debate e de fazer pensar, questionar. Ou, pelo menos, tem o potencial de ser. Como disse a minha diva Nina Simone, eu acho que é obrigação do artista expressar-se sobre os tempos em que ele vive. Durante um longo período achei que arte era apenas entretenimento, pois a sociedade, os ‘lá de cima’, querem que seja assim, porque temem o poder que a arte tem de fazer as pessoas pensarem. Por isso, acho importante sim os músicos se expressarem. Primeiro, pelo simples fato de poderem fazer isso, já que a arte permite essa liberdade. Às vezes precisamos nos expor pra poder lidar um pouco melhor com esse mundo tão difícil. Botar pra fora ajudar a seguir em frente. Se essa sua forma de se expressar for capaz de fazer o outro parar pra pensar de uma outra maneira, ou for capaz de abrir um debate, por que não?
A gente sabe muito bem que o mundo está longe de ser perfeito, tem muito o que mudar, e eu acho que pensar sobre e dialogar é o primeiro passo pra mudança. Se temos a nossa voz e a nossa arte, que são ferramentas que podem levar às pessoas à reflexão sobre determinados assuntos, por que não? Acho natural e necessário. Você não precisa concordar com tudo que todo artista fala, mas não custa nada parar pra pensar sobre aquilo. Pra toda mudança existe um pequeno passo inicial, uma semente… Não vejo problema da arte poder ser essa sementinha.
Stefani Costa/Hedflow: A Nervosa acredita que levantar bandeiras como a do MST (e de outros movimentos sociais) durante um show pode fazer a diferença na abertura de um diálogo com o público?
Fernanda Lira: Sim. Como eu disse anteriormente, se temos uma voz, devemos sim utilizá-la pra tentar mudar algo. Sem contar que é informação. Tem muito músico por aí levantando a bandeira de um série de iniciativas que, talvez, dentro da nossa bolha, nem saberíamos da existência. Existem mil causas por aí que precisam de nosso apoio. Você não precisa estar aberto a concordar com todos, aceitar todos, ou apoiar todos, mas tenho certeza que sempre vai ter algo com o qual você se identifica. Hoje mesmo, por exemplo, compartilhei o projeto de uma amiga (LIBERTAS), que ajuda mulheres que acabaram de sair do sistema carcerário a voltarem ao mercado de trabalho através da costura. Hoje também, meu amigo Wellington, da banda O Inimigo, fez um post sobre as Mães de Maio, etc. Tem um monte de causa que ajuda pessoas por aí e acho importante os músicos se envolverem e divulgarem sobre, porque atingem bastante gente que os acompanham e ali está a semente que pode fazer com que mais uma pessoa seja ajudada.
Pode ser que ao levantar uma bandeira do MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, faça muita gente torcer o nariz, mas também muita gente pode pensar “porra, eu curto esse artista demais, o jeito que ele pensa… Se ele está apoiando isso, deve ter algo de interessante!”. Assim, a pessoa vai lá, pesquisa, se identifica, e adere a uma causa. Acho que levantar bandeiras que respeitem a existência e o direito do próximo, e ainda ajudam pessoas, é algo bacana demais e contribui muito nesse processo do fazer pensar, do diálogo, que pode ser um primeiro passo para várias mudanças que tanto precisamos.
Foto em destaque por Helena Granjo