Crypta: intensidade e gratidão no Incrível Almadense


Por volta das 18:30 do dia 22 de julho, o Pátio do Prior do Crato já estava rodeado pelo público que aguardava a abertura das portas em bares e cafés no entorno do local. 

O Cine Incrível Alma Danada (que já foi cinema, teatro e figura hoje como uma casa de concertos integrada à Sociedade Filarmónica Incrível Almadense) teve a sua fundação instituida em 1848, ali mesmo no Prior do Crato. Esse pátio histórico e intimista já recebeu artistas dos mais variados estilos, de The Wailers a Ratos de Porão. As luzes sutis e a qualidade da acústica contribuem para uma experiência sonora e visualmente memorável. A proximidade entre as bandas e o público permite também uma conexão mais pessoal durante as apresentações.

Às 19:30, a banda almadense/seixalense de thrash metal Mass Disorder, formada em 2013, subiu ao palco e surpreendeu quem não a conhecia devido à excelente dinâmica entre os membros e suas músicas muito bem elaboradas. Foi pena que ainda não haviam chegado tantas pessoas ao Cine na altura, mas as que estavam lá já começavam a formar alguns mosh pits e a interagir com a banda. Saudaram também o novo vocalista, Sandro Martins, que ingressou há pouco mais de um mês e provou ser uma ótima adição ao conjunto.

O público inclusive chegou a pedir mais um tema no fim, sendo gentilmente atendido com ‘Rats’ (extraída de seu primeiro single) depois de terem tocado o álbum Conflagration (2018) quase que na íntegra, além da nova ‘Sem Ossos’, escrita em português para o novo álbum que encontra-se no momento em fase de produção.

Em seguida foi a vez do grupo de grindcore Besta, formado em Lisboa no ano de 2012. Um concerto rápido, porém avassalador, com mais de 20 músicas, como se aprecia em uma banda grind. Sem baixo e com duas guitarras, aliadas à rápida bateria, compondo uma poderosa parede de som enquanto o vocalista interagia com o público que já era um pouco maior, com mosh pits cada vez mais intensos, contando até com alguns stage divers e crowd surfers.

Um deles, em particular, parecia estar determinado a escalar os amplificadores e ser carregado pela multidão quantas vezes fosse possível, já que tão logo era levado ao chão já estava a escalar novamente poucos minutos depois, intrigando alguns e divertindo outros, como o próprio Paulo Rui, vocal do Besta. O Cine Incrível começava a esquentar para receber as tão aguardadas cabeças de cartaz que viriam logo a seguir.

Fernanda Lira, Luana Dametto, Tainá Bergamaschi e Jéssica di Falchi atravessaram a multidão com alguma dificuldade para chegarem ao palco, pois nessa altura o local já estava completamente tomado por fãs portugueses e brasileiros que desde o primeiro momento mostraram todo o carinho conquistado por uma das maiores revelações da cena death metal nos últimos anos, não apenas no Brasil como também a nível mundial. 

A Crypta começou a ser formada ainda em 2019 e foi anunciada em 2020 após a saída de Fernanda e Luana da banda brasileira de thrash metal Nervosa. Na altura se juntaram ao conjunto Tainá e Sonia Anubis, guitarrista holandesa que participou da gravação do excelente disco de estréia Echoes Of The Soul (2021).

Em 2022 Sonia decidiu sair para dar prioridade ao seu projeto principal, o Cobra Spell, e Jéssica ocupou o seu lugar na turnê, sendo anunciada pouco tempo depois como nova guitarrista da Crypta e entrando na composição do segundo disco, Shades of Sorrow, que será lançado no próximo dia 4 de Agosto e já conta com dois singles: ‘Lord of Ruins’ e ‘Trial of Traitors’.

Desde o lançamento do primeiro disco e da primeira turnê, a Crypta vem conquistando uma legião cada vez maior de fãs e admiradores, tanto pela excelência instrumental e musical quanto pela relação afetuosa e honesta que a banda tem com seus fãs.

Há de se ressaltar também a forma inspiradora como encaram, com firmeza e elegância, os ataques machistas de alguns metaleiros que ainda não conseguem controlar as próprias frustrações ao verem quatro mulheres ocuparem os mesmos espaços e holofotes de seus ídolos masculinos.

‘Death Arcana’ demonstrou logo no arranque a extrema competência instrumental das quatro em palco, o que se manteve constante até o fim.




Nas primeiras músicas, infelizmente, o vocal de Lira esteve um bocado mal equalizado em relação aos outros instrumentos, o que fez com que não soasse audível o suficiente para se destacar, algo que foi percebido tanto pelo público quanto pela própria musicista que acenou várias vezes à mesa de som para que aumentassem o vocal. Mas, isso não prejudicou a atuação da banda que segurou a atuação tocando todas as músicas do Echoes of The Soul e as duas músicas já lançadas do trabalho novo, Shades of Sorrow‘, que está deixando todos os seus ouvintes na expectativa total.

Da performance toda vale aqui uma menção honrosa à canção ‘Kali’, executada primorosamente e com uma intensidade pujante que fez jus à sua letra.

Para além da muito elogiada química entre as quatro integrantes ao vivo, vale do mesmo modo destacar a interação poderosa entre Jéssica e Tainá, que ao invés de se dividirem entre guitarra solo e rítmica como fazem muitas das bandas, alternam as duas funções entre elas em todas as músicas, proporcionando ao público uma experiência muito mais interessante e apresentando os solos de algumas músicas ao vivo ainda mais sofisticados do que nas gravações do disco. Uma marca de grande importância a uma banda de death metal que demonstra fortes influências de metal progressivo, essas já mencionadas por ambas.

O êxtase do público só aumentava a cada som e os mosh pits se fizeram presentes durante todo o concerto. Os stage dives/crowd surfings foram tão frequentes que talvez até tenham passado um pouco do ponto, incomodando de maneira aparente alguns espectadores e roadies.

Felizmente não houve nenhum desentendimento ou acidente grave, apesar de um rapaz ter sido empurrado das escadas do palco, por conta do mosh pit, batendo o nariz no pé de alguém e jorrando sangue no braço deste que vos reporta. Acontece, o rapaz foi se lavar e o nariz já estava ‘novo’!

Enfim, a Crypta demonstrou a sua gratidão pelo entusiasmo e carinho constantes ao longo de quase duas horas. Várias vezes Fernanda Lira aproveitou os intervalos pra agradecer explicitamente a recepção calorosa que tiveram no Cine Incrível da primeira à última faixa.

A multidão saiu satisfeita, sabendo que havia participado de uma experiência musical autêntica e impactante. Os três concertos da noite de 22 de Julho no Cine Incrível de Almada se destacaram como um evento memorável, onde o metal português e o metal brasileiro encontraram um palco perfeito para se expressarem.





Texto por Conrado Machado
Edição por Fernando Araújo


Imagem destacada por Filipa Nunes para o site World of Metal

Crypta: intensidade e gratidão no Incrível Almadense

Por
- Comunicador cultural, editor e fundador da Hedflow Mídia.