O quarto álbum da banda Bratislava é um som de saudade


A banda Bratislava lançou o seu quarto álbum, Parte do Que Vem, em formato ZINE que funciona como um caderno de cifras, permitindo que as canções sejam tocadas com banda ou solo utilizando os instrumentos que as pessoas preferirem. O objetivo do disco é estimular a criatividade e dar vida às músicas, entregando-as como presentes para o público.

Já falamos sobre a banda aqui na Hedflow quando eles fizeram o Fica em Casa Jam, e durante a estreia do singleDesfecho‘ em homenagem ao ex-baterista da banda.

A formação atual conta com Victor Meira (vocalista e tecladista), Gustavo Franca (baterista), Zé Roberto (baixista) e Jonas Andrade (guitarrista).

O lançamento ocorreu em julho de 2022, após um período desafiador na pandemia da COVID-19, representando uma mensagem de esperança e superação. Uma das faixas, ‘Um Jeito de Te Ver’, é uma emocionante homenagem de Victor Meira ao seu pai, que foi vítima da COVID-19 no início da pandemia. A música é uma expressão sincera de amor e saudade.




O álbum Parte do Que Vem recebeu comentários detalhados no site Musica Pavê, onde Victor Meira compartilhou suas reflexões sobre cada faixa. ‘Um Jeito de Te Ver’, que tem um significado profundo para o vocalista, é um exemplo do impacto emocional que a música pode ter na vida das pessoas. Abaixo está o comentário de Victor a respeito dessa canção:

UM JEITO DE TE VER

“Ela é uma faixa muito especial. Começou com o Zé me mandando uma harmonia. E em algum momento eu comecei a sentir o que ela me trouxe e esboçar a letra. Aí decidi escrever uma homenagem para o meu pai, como se fosse uma carta de despedida mesmo. Ele faleceu de covid no primeiro ano da pandemia. Ela tem muitas referências de frases do meu pai, da minha vivência, das coisas sobre ele. Tem um trecho na metade que é o último áudio de Whatsapp que ele me mandou. Ele tá até meio escondido pra ninguém chorar ouvindo, mas é sobre isso” (Victor Meira)

O álbum começa com a faixa ‘VHS’, que evoca uma sensação de nostalgia, principalmente pra quem nasceu antes dos anos 2000.


Bratislava – VHS



Também conversamos com o Victor Meira pouco antes do lançamento do disco, e você pode conferir aqui:

Dani | Hedflow: Todas as músicas que estão nesse disco, vocês fizeram durante a pandemia?

Victor Meira: Sim, imaginamos esse disco um pouco antes da pandemia, em 2019, e já tínhamos gravações de bases para começar a desenvolver o disco. Daí veio a pandemia. Mas mesmo assim, desde o começo da pandemia já sabíamos o que queríamos para esse disco, que era uma Bratislava com menos muros altos. Sentimos que algumas músicas dos discos anteriores são difíceis de acessar – porque tem muito ruído, ou as letras são muito enigmáticas e tal. A ideia era fazer um disco mais democrático, mais fácil de ouvir. Um disco que você pudesse mandar no grupo da família.

Dani | Hedflow: E quais foram as maiores influências?

Victor Meira: Olha, tem uma referência que dá para citar, que foi uma banda que ouvimos bastante durante a gravação, que é a Parcels. E o disco tem partes em que essa referência fica mais evidente. Mas cada um estava ouvindo as suas próprias paradas também. Eu estava ouvindo muito Bon Iver. E aí o Zé tem as dele, o Gus as dele, o Jonas tem as dele também, vai misturando no caldo.

Dani | Hedflow: Como manteve sua criatividade fluindo durante a pandemia? Quais foram as estratégias ou fontes de inspiração que te ajudaram a criar nesse momento tão desafiador?

Victor Meira: Na verdade, eu vou contar como um ponto positivo, porque os discos anteriores a gente fez um pouco atropelado… Sempre tinha show pra fazer, sempre tinha correria de banda, sempre tinha uma urgência para lançar. E a pandemia, cara, você estava imobilizado em casa, não tinha show, não tinha nada acontecendo. Pela primeira vez eu compus com muito tempo, com muito tempo de revisão. As letras passaram por muitas, muitas versões. Na verdade, foi o disco que eu compus com mais calma e mais tempo do meu lado. Teve esse ponto positivo como compositor.

Dani | Hedflow: Um Jeito de Te Ver. Foi uma música que você fez para o seu pai. Como foi para você? Você acha que compor tem te ajudado no processo do luto?

Victor Meira: Sim, sim. Desde a passagem dele eu procuro fazer um tipo de luto ativo. O que é o luto ativo? É você ver as fotos, ver os vídeos, sabe, fazer um exercício de lembrança. E aí compor a canção para ele foi um exercício ativo de luto. Não ficar fugindo do pensamento. E também perceber como isso também bate nas outras pessoas quando elas escutam, porque eu acho que muita gente passou por isso, teve uma experiência parecida com a minha durante a pandemia. Toda vez que alguém escuta a canção e vem comentar comigo, dizer que reviveu sentimentos assim, sabe? Eu gosto muito dessa troca. Aliás, um detalhe: na canção tem a fala dele e a voz dele no interlúdio “As Pessoas Querem Uma Música Empolgante” é uma mensagem que ele tinha me mandado por WhatsApp.




Dani | Hedflow: Você imaginava que um dia esses áudios teriam outro significado para você, sem ser algo corriqueiro?

Victor Meira: Quando ele se foi, eu guardei os áudios dele numa pastinha. Não tive coragem de ouvi-las por mais de um ano. Baixei e guardei tudo numa pastinha, no computador. Deixei lá quietinho porque, cara, ouvir áudio é diferente de ver foto. A sensação de que aquela pessoa está ali falando com você é muito grande. Eu morria de medo do que eu ia sentir. Se eu ia “quebrar” ouvindo… E aí fui deixando para a última hora. Tanto que eu só peguei esses áudios quando eu já sabia que eu queria trazer isso pro disco, mas eu deixei para a parte de mixagem, quando já estava tudo gravado, Eu falei, putz… não, eu tenho que fazer esse exercício, eu quero encarar isso. E no fim das contas foi leve, eu fiquei umas 3 horas ouvindo todos os áudios dele e muitas vezes dando boas risadas, porque tinha áudios muito engraçados.

A minha relação com ele era muito leve. Tipo, eu já estava fora de casa desde os 17, a gente era amigo. Dei muita risada ouvindo os áudios. Foi um momento gostoso, leve. E é muito poderoso ouvir a voz da pessoa, é uma coisa muito grande assim. Aliás, eu tenho uma série de canções inacabadas que ainda não retomei porque eu me envolvi muito com o disco da Bratislava, mas são poemas da minha mãe que eu musiquei. Poemas que ela escreveu nas 3 primeiras semanas depois da ida do meu pai. E daí eu comecei escrever canções em cima desses poemas, mas isso tá meio inacabado, ainda nos rascunhos. Só que, no fim, Um Jeito De Te Ver é a canção que, para mim, expressa tudo.


Dani | Hedflow: Vocês ainda estão trabalhando de forma independente?

Victor Meira: Sim, mas temos nossos parceiros. A gente assinou com a ONErpm, que não é um selo, mas é uma distribuidora que está dando um suporte muito legal para a gente agora no lançamento. E tem a Polar, que é um estúdio de design que assina toda a parte visual do disco, inclusive participa da direção de arte dos clipes.




Dani | Hedflow: Qual é o papel da música na sua vida?

Victor Meira: Acho que a música oferece muitos momentos preciosos. O primeiro deles, que é o da composição, é um momento solitário, de buscas. É uma coisa deliciosa de se fazer e acho que qualquer atividade artística vai te fornecer isso. A pintura, a literatura, todos vão ter esse momento solitário de procurar coisas que façam sentido estético. E aí a música, principalmente como banda, tem esses outros momentos coletivos também, que é o de se juntar com os instrumentos na mão, entender se funciona para todos, se todo mundo gosta o que está sendo feito.

E depois tem essa parte de mostrar para as pessoas, ver funcionar esse exercício de empatia que a música proporciona. A pessoa ouvir, entender e se imaginar naquele papel – às vezes até comentar de volta nas redes, nos shows, viver essas trocas. A música passa por todos estes estágios e cada um deles é delicioso.

Dani | Hedflow: A banda existe desde 2010, se você pudesse dar um conselho pra quem quer começar uma banda, o que você diria?

Victor Meira: Eu falaria pra ela primeiro estudar muito o seu instrumento, sempre, sem parar. Se é vocalista, por exemplo, estudar canto e escrever muita letra, praticar para deixar muito afiado. Também falaria para participar da cena no sentido de ir aos shows, conversar com as pessoas, fazer contato com outros artistas e com donos das casas de shows, pessoal de festival. E, por último, eu aconselharia a falar com o seu público, conversar com as pessoas. Vai lançar alguma coisa? Manda mensagem para todo mundo do seu WhatsApp, um por um e sem copiar/colar, fala o nome da pessoa nas mensagens. É um trabalho de formiguinha. Porque é muito sobre isso, criar histórias.

Dani | Hedflow: Quais foram as pessoas que mais apoiaram vocês no começo?

Victor Meira: Eu vou dizer que são os nossos amigos mais próximos. É uma galera fantástica, porque, cara… a gente não era uma banda boa no começo (risos). Acho que não era legal ver o show da Bratislava, a gente estava aprendendo, entendendo o que era palco. Então os amigos que vão junto com a gente e assistem o show inteirinho lá, apoiam, ficam curtindo, essas pessoas merecem ir pro céu. E o mais importante é a banda entender que, apesar desse apoio fundamental no início, esses amigos não são, de fato, o público da banda. Então tem que entender e desapegar, ir para o mundão.

O quarto álbum da banda Bratislava é um som de saudade

Por
- Nascida nos anos 90 e apaixonada por música e escrita, é fã de Beatles e Rolling Stones. Acredita que escrever é como soltar pássaros de gaiolas. Instagram: @eladaninelo @daniescreve / Twitter: @danislelas